Às vezes, bate na gente um certo desânimo. Somos tentados a pensar que as coisas devem ser assim mesmo e que a nossa “luta” é inglória, que as nossas aspirações de justiça social contrariam a “natureza das coisas”. Em outras palavras, somos tentados a admitir que a perversidade e ganância do ser humano têm de levar à criação e manutenção da divisão da sociedade em classes, divisão esta própria do sistema capitalista. Dizem: não tem jeito, pois uns têm que ser ricos e outros têm que ser pobres. Se todos forem ricos, quem vai nos servir nos necessários trabalhos braçais?
Enfim, dizem que a injustiça social seria natural, pois o homem é egoísta e individualista. O ser humano deseja tudo para si. Se sobrar algo, que os outros catem as migalhas. Dizem, ainda, “ eu quero ser feliz e, para isso, não posso me importar com o sofrimento dos outros”. Em resumo: o capitalismo estaria mais de acordo com a natureza humana e as ideias de Marx e Engels seriam incompatíveis com o individualismo, que a todos nos caracteriza.
Aceitar ser esta a nossa realidade é profundamente doloroso. Pode nos levar à submissão e à depressão. Será que os valores que nortearam toda a trajetória de nossa vida são irrealizáveis, são incompatíveis com a natureza humana? Será que temos de capitular e aceitar a triste situação que nos asfixia? Seria ingenuidade acreditar em uma sociedade igualitária, baseada na solidariedade, fraternidade, enfim, seria possível uma sociedade mais justa?
Não tenho dúvida de que a nossa história social está caracterizada pelos conflitos entre as classes sociais. A história nos mostra que sempre uma classe social oprimiu as demais, através do poder econômico e todos os demais instrumentos de coerção e persuasão. Não é de hoje que a classe subalterna assimila a ideologia da classe dominante. Hoje, este é o papel estratégico e predominante dos grandes meios de comunicação de massa.
Não tenho dúvida, entretanto, de que a nossa sociedade já foi muito pior: a guerra foi uma constante necessária para a dominação de territórios na antiguidade, sendo escravizados os vencidos, quando não exterminados; a servidão era a base da economia na Idade Média, idade das trevas; os descobrimentos de outros continentes (na verdade, invasão) levou ao genocídio dos povos nativos e à escravidão de populações africanas, asiáticas e outras.
Enfim, por incrível que possa parecer, vendo a trajetória fraticida da humanidade, percebemos que o mundo de hoje é menos ruim ...
Disto tudo, resulta uma outra reflexão: por que a sociedade de hoje é menos ruim que as sociedades do passado? A resposta nos anima: porque os oprimidos não aceitaram este determinismo social. Porque muitos deram sangue e suas vidas para não aceitar a opressão, as injustiças, o processo social de exploração do homem pelo homem. Porque sempre surgirão novas “Anas Júlias” ...
Então levantamos a cabeça e afastamos o desânimo e o conformismo. A rebeldia é fundamental. Por isso, a juventude é fundamental. A história não para e sua evolução se dá através de um dinamismo dialético, que as forças conservadoras jamais conseguirão deter.
Não podemos desistir e temos de resistir, até mesmo em homenagem a todos aqueles que pereceram, na maioria ainda jovens, na luta por um mundo melhor. Se a sociedade já foi pior, é sinal que pode melhorar. Temos que manter válidos os nossos corretos valores e lutar para que eles, ao menos, permaneçam orientando as futuras gerações.
Temos pressa, mas tudo em termos sociais é muito lento. Atualmente, somos minoria, mas poderemos ser majoritários, quando o povo tiver cultura e adquirir consciência política. Quando o povo compreender o processo econômico de exploração a que está submetido. A cultura nos libertará ...
Não estaremos presentes para colher os frutos desta possível e gradual melhoria social, mas resta a esperança de que estaremos tentando algo em prol de nossos netos ou bisnetos. A “luta” é boa por si só ... Como dizia Eduardo Galeano, a utopia nos faz caminhar, embora ela permaneça sempre distante.
Por ora, por absoluta falta de condições objetivas para o sucesso, qualquer perspectiva revolucionária está descartada. Temos, sim, que “ganhar” os jovens para o nosso lado, mostrar a eles quais são os melhores valores. Todos devem ter as mesmas oportunidades de ser realizarem socialmente. É possível uma sociedade que não seja baseada na competição, no lucro, na concorrência, na ganância e na cobiça. É possível uma nova sociedade. É possível uma nova cultura. É possível um novo homem.
Enfim, não desanimo, embora a idade tenha diminuído em mim o açodamento juvenil. Não abro mão das minhas utopias, embora já não tenha tantas condições de correr em sua direção. Não aceito os “fatos consumados” e acho que podemos, algum dia, no futuro, subverter os fatos.
Jamais abandonarei a “luta por justiça social”, pois não consigo achar natural que as pessoas tenham tantos sofrimentos em razão de sua pobreza. Termino, dizendo: quando virem o meu caixão sendo levado para a sepultura, tenham certeza de que ali vai um eterno inconformado, um inadaptado, um rebelde nato.
Espero ter deixado caída uma semente por este nosso caminho de vida percorrido ...
Primavera, de 2016. .
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