“O Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife), uma das referências no Brasil em investimento social privado, lançou recentemente pesquisa sobre o tema. A pesquisa busca compreender quanto e como se investe no Brasil e quem são as empresas, fundações e institutos de origem empresarial, familiar independente e comunitária que investem recursos privados em ações de finalidade pública, contribuindo para o desenvolvimento da sociedade brasileira. O total investido em 2016 foi de R$ 2,9 bilhões” (Marisa Eboli, Estadão, 07jan18).
“O mercado pet teve um dos crescimentos mais consistentes durante a crise econômica. Entre 2014 e 2016, mesmo durante a recessão, o faturamento cresceu em média 7,7%. Só no ano passado o segmento movimentou cerca de R$ 23 bilhões em serviços, comércio de animais, e produtos veterinários, alimentação e acessórios, segundo dados do Instituto Pet Brasil. A estimativa do setor é que o faturamento cresça aproximadamente 7% em 2017. A demanda por serviços mais especializados – como hotéis, creches, babás e transporte – e profissionais aumentou” (Túlio Kruse, Estadão, 24dez17).
São números. São expressão de contradições nossas. Não me parece que de dados tais quais estes seja possível advir perspectivas de convivência social alvissareira. Nossos cachorros, entretanto, vão muito bem. Talvez a nossa vocação seja mesmo a dedicação aos cães, o nosso mais perene e lucrativo segmento de mercado.
Nada contra a cachorrada. Os números, entretanto, nos revelam: segundo dados da Abinpet (Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação) divulgados no início do mês (nov16), o custo médio mensal com um cachorro varia de R$ 216,50 a R$ 411,21 (encurtador.com.br/jlIX7). Bem, “o valor mensal das parcelas oferecidas pelo benefício Bolsa Família Básico é de R$ 85. Para as crianças da família (entre 0 e 15 anos), há o benefício Bolsa Família Variável, que é de R$ 39,00 por criança ou adolescente” (encurtador.com.br/cgAZ8). Parece que é melhor ser bicho.
Temos 52 milhões de cães domésticos. Nossa população humana de 0 a 14 é de 44 milhões. “O Brasil registrou 17,8 milhões de crianças e adolescentes vivendo abaixo da linha da pobreza em 2016. O IBGE, responsável pelo estudo, diz que esse número representa 42% da população nessa faixa etária” (encurtador.com.br/lKMV1).
De fato, muito melhor, mesmo, no Brasil ser bicho de algum abonado dono ou de um dono atoleimado. Um dono desses cujos gastos de duvidosa utilidade para os pets nos coloca no topo do ranking mundial: “de acordo com a Abinpet, o Brasil ainda é um dos principais países do mercado pet mundial, ocupando o terceiro lugar no faturamento, atrás apenas dos Estados Unidos e do Reino Unido” (encurtador.com.br/elCDG).
Retomo as fundações privadas que fazem investimento social. O Brasil tem um número expressivo delas, segundo o IBGE, quando comparado com outros países: gasto total anual, repete-se, R$ 2,9 bilhões, com prioridade de 85,4% desses recursos para investimentos em educação. Para efeito de comparação, tome-se o MEC: “O orçamento previsto para novos investimentos no Ministério da Educação vai ter redução de 32% em 2018 com relação ao ano anterior. Em 2017, foram destinados mais de 6,6 bilhões para investimentos no setor, enquanto a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2018 reserva apenas R$ 4,52 bilhões” (encurtador.com.br/tBDW7).
Os brasileiros previmos, portanto, para o correr de 2018, investimentos na nossa educação privada assistencial e pública estatal algo em torno de R$ 7 bilhões. Os brasileiros, contudo, estranhamente, faremos “investimentos caninos” neste vigente ano de R$ 23 bilhões. Os brasileiros gostaríamos que o Brasil desse certo, mas destinamos via bolsa família a importância de R$ 39 mensais para o custeio de uma criança pobre; ao mesmo tempo, reservamos R$ 313,85 para as despesas com um cachorro. Os brasileiros teremos cães muito legais. Os brasileiros seguiremos cultivando violência neste país tão desigual.
Para citação: ANDRADE, Léo Rosa de. Investimentos brasileiros em crianças e cães.
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