Introdução às prerrogativas do advogado na investigação criminal - Por Núbio Pinhon Mendes Parreiras

21/11/2017

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Delimitação do tema

O tema prerrogativas é de grande importância, não apenas para a advocacia, mas, principalmente, para a cidadania, já que o advogado representa o cidadão. Neste contexto, o grande advogado Nélio Machado já disse que as principais características que um advogado criminalista precisa ter para obter sucesso profissional são: ética, técnica e combatividade.

Desde o início de minha carreira eu tentei seguir estes ideais e, confesso, que tive muita dificuldade. Especialmente com um juiz inquisidor, que sempre fraudou (falsidade ideológica) atas de audiência e cometeu abusos de autoridade, como já tive oportunidade de criticar (PARREIRAS, 2016), em relação às minhas primeiras audiências.

Muito bem, se é difícil garantirmos o respeito às prerrogativas nos processos criminais na fase judiciária, quanto mais na fase da investigação preliminar, que, no Brasil, é manifestamente inquisitorial, além de possuir poucas limitações legais à atuação da autoridade. Tal fato, por si só, já justifica a pertinência do tema.

A verdade é que sabemos muito bem que a advocacia vive, no Brasil, talvez um dos piores momentos da história.

Isto porque nós temos hoje uma CF, muito bonita, no papel, com previsão de direitos e garantias fundamentais a todos e delegando à advocacia, o dever de representar a pretensão do cidadão para restar concretizado esses direitos e garantias.

Ocorre que, o que se tem visto na prática é um verdadeiro desrespeito à atuação do profissional de advocacia. O advogado se vê amarrado, amordaçado, no que diz respeito à representação dos interesses dos clientes.

E isto é ainda mais evidente na investigação preliminar!

As investigações preliminares

Para iniciarmos uma análise acerca das prerrogativas na fase de investigação preliminar, relevante destacarmos que tal não se resume apenas ao Inquérito Policial, que seria presidido pelo Delegado de Polícia, mas também há, sobretudo em termos de “combate à dita nova criminalidade”, investigações presididas por demais órgãos, como o Poder Legislativo, nas CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito), bem como as pelo Ministério Público.

Aqui, antes de avançarmos, cabe destacar duas questões:

Primeiro, em relação às investigações ministeriais, teríamos que analisar diversas questões jurídicas, como: a atual crise de identidade do MP, que, mesmo querendo investigar, se declara sujeito imparcial para se sentar ao lado do juiz e ocupar posição mais cômoda na cena processual – de sujeito superior por suposta neutralidade e com menos compromisso com a causa – mas possui atribuições constitucionais de parte (sistema acusatório, art. 5º, LV, e 129, I, CF), como oferecimento de denúncia, ônus da prova, entre outros; a ausência de previsão constitucional de sua atribuição para investigação criminal, e, como se sabe, o princípio da legalidade é extremamente importante no Direito Administrativo para delimitar a competência dos órgãos públicos, que, pelo pilar da conformidade, os mesmos só podem atuar conforme a competência expressamente prevista em lei (COUTINHO, 2017); a ausência de previsão de lei federal delimitando as atribuições investigativas (que, naturalmente, precisam ter limites), sendo insuficiente, para tanto, as resoluções de nºs 13 e 20 do CNMP, já que corporativas a ponto de desrespeitar diversos princípios constitucionais que limitariam a investigação.

Contudo, como o STF avalizou a possibilidade de investigação preliminar pelo MP (RE 593727), por ora, a discussão não surtiria imediatos efeitos práticos, razão pela qual não merecerá aprofundamento neste texto – muito embora isto não implique que deve ser esquecida.

Em segundo lugar, importante destacar que a CF não atribui à Polícia Militar a função investigativa (ROSA, 2016, p. 227), mas tão somente a de policiamento ostensivo (art. 144, §5º, CF), sendo nulas, portanto, qualquer atuação investigativa – o que infelizmente tem acontecido com frequência –, como requerer e dar cumprimento a mandados, sobretudo por não terem tido formação para tanto.

Muito bem, no que diz respeito às CPIs, a previsão legal se encontra tanto no artigo 58, §3º, da CF, quanto na Lei 1.579/52, que, ao que tudo indica, não teve recepção constitucional (VIEIRA, 2011), especialmente por não estabelecer limites às investigações, o que deixa um vasto campo para a exploração dos investigados, inclusive com os rumos ditados pela grande mídia (VIEIRA, 2011).

Não obstante, como até o presente momento a Lei 1.579/52 não foi considerada inconstitucional pelo STF, e muito menos alterada com o intuito de melhor regulamentar os limites da investigação, tem sido vastamente utilizada pelas casas legislativas com, não raro, violações, não apenas de prerrogativas dos advogados, mas, inclusive, de direitos humanos dos envolvidos.

As prerrogativas do advogado na investigação preliminar

As possibilidades de discussão sobre as prerrogativas do advogado nas investigações preliminares são extremamente amplas, não cabendo em poucas páginas ou horas de debate. Me focarei aqui em alguns aspectos gerais fundamentais.

De início, é possível realizar uma divisão em dois grandes grupos:

Um primeiro em que as violações de prerrogativas do advogado resultam principalmente em cerceamento do direito de defesa (como acesso aos autos da investigação, proibição de acompanhar depoimentos etc.). Neste ponto, a despeito de majoritárias opiniões em contrário, há sim um direito ao contraditório e à ampla defesa, ainda que limitado (LOPES JR., 2017, p. 174), nas investigações preliminares.

Num segundo grupo as violações chegam a extrapolar o âmbito das prerrogativas, a ponto de chegarem a configurar crimes, como a falsidade ideológica (constar informações inverídicas em depoimentos, ou na lavratura de autos de busca e apreensão, prisão em flagrante etc.), abuso de autoridade (como negar corrigir a referida falsidade, ou impedir contato com o cliente etc.). Ora, se tais práticas são comuns em audiências judiciais (PARREIRAS, 2016), quanto mais em investigações preliminares em que a delimitação dos limites é mais vaga.

Com efeito, nas variadas formas de violações de prerrogativas do advogado um elemento sempre está presente, que é a consequente violação de direitos fundamentais do cidadão representado, quando pouco, do direito de defesa (art. 5º, LV). Não por outra razão que a CF, em seu artigo 133, considerou o advogado como função indispensável à administração da Justiça. Naturalmente, inclui-se neste âmbito os atos de investigação preliminar, sobretudo por necessitarem de autorização judicial para a prática de atos mais substanciais (como medidas cautelares, dilação de prazos etc.).

Lado outro, as prerrogativas acabam ficando mais expostas diante da famigerada investigação defensiva, que, com inspiração no Direito norte-americano (ROSA, 2016, p. 231), teve seu debate reacendido com a inclusão – pela Lei 12.245/16 – do inciso XXI, “a”, ao artigo 7º ao Estatuto da OAB (Lei 8.906/94), bem como sua clara previsão no projeto de novo CPP (PLS 156/09).

Isto porque, entendida “como direito de se defender provando” (SAMPAIO, 2014, p. 103), na investigação defensiva o advogado participa ativamente da produção probatória, auxiliando o convencimento da autoridade que preside as investigações (Delegado de Polícia, Poder Legislativo ou Promotor de Justiça).

Muito embora não tenha previsão legal clara e específica, além do referido artigo 7º, XXI, “a”, do Estatuto da OAB, que autoriza o advogado a inclusive “apresentar razões e quesitos” na investigação, o CPP já constava o artigo 14 a requerer diligências à autoridade que investiga – negadas só com fundamentação, conforme HC 69.045 do STJ.

Neste sentido, apesar de a investigação defensiva se constituir em importante instrumento de minimização de injustiças, já que amplia o campo de análise sobre eventual oferecimento e recebimento de denúncia – não se ouve apenas um lado do conflito –, tem sofrido, não raro, sucessivas represálias das autoridades que investigam, na medida em que vêm no advogado um mero empecilho à sua atuação.

A bem da verdade, diariamente, nas investigações preliminares, ocorrem práticas de violações de prerrogativas previstas no artigo 7º do Estatuto da OAB, tendo como exemplos mais recorrentes: negativa de acesso aos autos da investigação (que, com a Súmula vinculante 14, STF, é cabível, inclusive o recurso de Reclamação); proibir contato com o cliente; práticas, infundadas, de interceptação telefônica de escritórios de advocacia; quebras, infundadas, de sigilos bancários e fiscais de advogados, em investigações – em face dos clientes – de lavagem de dinheiro, criminalizando o exercício da advocacia; conduções coercitivas de advogados para deporem, inclusive contra os próprios clientes (o que é absurdo, já que viola o sigilo profissional do art. 7º, XIX, além de não ser autorizado pelo CPP), conforme Szafir e Toron (2010).

Ora, até a Procuradora Geral da República, pouco após a sua recente posse, manifestou a intenção de começar a gravar as conversas do atendimento entre advogados e presos nos presídios federais[2].

A única opção é unir e lutar

Em face disto, tramita no Congresso Nacional o PLS 141/2015 com o intuito de criminalizar a violação de prerrogativas dos advogados, com o discurso de que resolverá os problemas acima relatados.

Sem querer ser pessimista, mas, apesar das boas intenções, referido projeto de Lei não passa de um “Direito Penal simbólico”, que não esboçará a menor eficácia prática, tal qual centenas de tipos penais criados ou ampliados cuja repressão não saiu do papel.

O problema é cultural, de “falta de vergonha na cara”, num sentido psicanalítico (de uma educação com imposição de limites), diante de uma verdadeira imaturidade (MARQUES, 2017), de autoridades que deliberadamente descumprem as leis, sem o menor sentimento de culpa.

A única opção é nos unirmos, com organização, e lutar, nos valendo da ética, da técnica e sempre de forma combativa!

 

[1] Texto originalmente escrito para palestra, intitulada “As prerrogativas da advocacia e o direito de defesa: a atuação do advogado na investigação criminal.”, proferida na Puc-Arcos, em data de 14 de novembro de 2017, em evento organizado pela Subseção da OAB de Arcos.

[2] https://www.conjur.com.br/2017-set-24/criminalistas-exigem-dodge-explique-parlatorios. Acesso em 12/11/2017.

REFERÊNCIAS 

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. PEC 37 – Críticas proferidas pelo Prof. Dr. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rLe81qxca7s>. Acesso em: 11/11/2017.

LOPES JR. Aury. Direito processual penal. 14ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

MARQUES, Jader. A (i)maturidade dos profissionais do direito. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/backup/a-imaturidade-dos-profissionais-do-direito-por-jader-marques/>. Acesso em: 14/11/2017.

ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto de processo penal conforme a teoria dos jogos. 3. Ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016.

PARREIRAS, Núbio Pinhon Mendes. As angústias de um jovem advogado numa audiência criminal, sob uma perspectiva weberiana. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/as-angustias-de-um-jovem-advogado-numa-audiencia-criminal-sob-uma-otica-weberiana-por-nubio-pinhon-mendes-parreiras/>. Acesso em: 17/02/2016.

SAMPAIO, Denis. Reflexões sobre a investigação defensiva: possível renovação da influência pós “Código Rocco” sobre a indagine difensive. In: MALAN, Diogo; MIRZA, Flávio (orgs.) Advocacia Criminal: direito de defesa, ética e prerrogativas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2014, p. 96-120.

SZAFIR, Alexandra Lebelson; TORON, Alberto Zacharias. Prerrogativas profissionais do advogado. 3ª Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2010.

VIEIRA, Luís Guilherme. CPI: a duração dos depoimentos diante do princípio da digmidade da pessoa humana. In: BONATO, Gilson. (org.) Processo penal, constituição e crítica: estudos em homenagem ao Prof. Dr. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 487-507. 

 

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