Intervenção federal – o começo do fim

18/02/2018

Na semana que passou, um dos temas mais falados foi a intervenção federal determinada em relação ao Rio de Janeiro. O Decreto nº 9.288/2018, que trata da medida, estabelece, no parágrafo único de seu artigo 1º, que “o cargo de Interventor é de natureza militar”. Isto é, trata-se de cargo compatível com o regime das Forças armadas e submetido à jurisdição militar em face dos crimes eventualmente praticados durante o interregno de intervenção.

Não se ignora que a Constituição da República Federativa do Brasil permite a intervenção da União nos Estados (artigo 34). No entanto, trata-se da substituição de uma autoridade estadual por outra federal, não de um político civil por um militar.

O caso em apreço significa a militarização da segurança pública, uma vez que as demais atribuições previstas no artigo 145 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro continuam sob a titularidade do seu governador (artigo 3º, § 4º, do Decreto). Ocorre que esse é um primeiro passo – e muito significativo – para a militarização de todo o sistema.

Alguns fatores devem ser levados em consideração quanto aos fundamentos para a decretação dessa medida pela primeira vez desde a promulgação da Carta Magna. A violência que foi notícia especialmente durante o Carnaval já ocorria com muita frequência e intensidade na periferia. Mas, como era distante daqueles considerados “cidadãos de bem”, não importava para as autoridades públicas. Agora que chegou com mais força à Zona Sul, passou a incomodar.

Coincidentemente, há poucos dias, foi colocado na entrada de uma comunidade, conhecida como a maior favela do país, um cartaz anunciando que o Morro iria descer. Não faz muito tempo, um Promotor de Justiça em plenário do Tribunal do Júri postulou a condenação do acusado ao argumento de que medidas precisavam ser tomadas, que a criminalidade estava aumentando, que o morro estava descendo. Isso, como se fosse não só permitido, mas necessário haver uma segregação. Era o próprio Estado, por meio da acusação pública, admitindo seu preconceito e a adoção de medidas para manter o status quo. Pois bem, a ideia de que o morro vá descer assusta aqueles tais “cidadãos de bem” a tal ponto que justifica até mesmo a atuação militar na segurança pública, assumindo os riscos inerentes.

Ademais, a mídia – como sempre – fez o seu trabalho direitinho, alardeando ao máximo a situação, de modo que alguma medida extrema fosse vista como efetivamente necessária. Não é que a população não esteja clamando pela adoção de providências que mitiguem a violência. No entanto, a atuação militar, sem competência para agir na segurança pública e sem qualquer preparo nesse sentido, não é o caminho adequado. É o caminho, por outro lado, para que as Forças Armadas ingressem novamente no poder, em um país que viveu recentemente um golpe e que vê diariamente os direitos dos cidadãos sendo tolhidos ou na iminência de sê-lo, como no caso das reformas trabalhista e da previdência.

Faz pouco mais de trinta anos que se conseguiu libertar o país do regime militar, com todas as arbitrariedades e violências que lhe eram inerentes. Não se pode permitir que o Brasil volte às mãos de autoridades que não aceitam oposição e não respeitam direitos fundamentais, para dizer o mínimo. E a decisão de Temer, que está, ainda, ligada à votação da reforma da previdência, parece brincar com fogo. A bola está quicando...

 

Imagem Ilustrativa do Post: Complexo do Alemão em Guerra - Rio de Janeiro -Brasil // Foto de: Bruno Itan // Sem alterações

Disponível em: https://flic.kr/p/8YEBWQ

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura