A sociedade contemporânea presencia uma grande contradição: ao mesmo tempo em que experimenta um período de grande expansão dos mecanismos de controle social e de segurança, nunca se sentiu tão insegura e intimidada. Zygmunt Bauman[i] caracteriza este paradoxo como “uma forte tendência a sentir medo” e uma “obsessão maníaca por segurança”. Vive-se, assim, nas sociedades mais seguras que já existiram, porém de maneira amedrontada.
A sensação de insegurança, segundo o referido autor, coincide com o ressurgimento das chamadas “classes perigosas”, formadas por pessoas excluídas pelo progresso econômico. Os desempregados são visto como membros de uma “subclasse” e “ineptos sociais”, devendo ser segregados. Este é o mesmo destino dos imigrantes, tidos como “inassimiláveis” por teimarem em manter suas culturas “estranhas e arcaicas”, ao invés de abraçarem os valores ocidentais. Seguindo este entendimento, não se acredita na possibilidade de (re)inserção social das pessoas que praticaram delitos, devendo o Estado limitar-se a aplicar medidas de contenção, mantendo-as a “distância da comunidade respeitosa das leis”.
Pequenos furtos e lesões corporais menores são os delitos mais frequentes nas estatísticas oficiais, afirma Débora Pastana[ii]. Entretanto, com exceção de casos que tenham alguma circunstância pitoresca ou envolvam pessoas famosas (como no caso de uma autoridade pública ou de um artista célebre), não são objetos de cobertura midiática. Já os assassinatos, estupros, sequestros e tráfico de drogas são crimes que recebem grande destaque, justamente, pelo grande alarme que causam na população, impulsionando o consumo do produto destas mídias.
O processo de produção da informação, neste sentido, é uma reprodução da concepção dominante de violência e de sujeitos violentos que a sociedade mantém de maneira homogênea em seu imaginário, não refletindo a realidade das pesquisas criminológicas, mas servindo para a difusão da cultura do medo[iii].
No consumo contemporâneo, a mídia desempenha um papel importante para a indústria que busca transformar a segurança em mercadoria. A publicidade, muitas vezes incrementada pelo uso de mensagens subliminares, é responsável por estimular o consumo, criando novas necessidades e novos produtos a serviço do capitalismo e das grandes empresas.
As cidades estão sendo edificadas em uma verdadeira “arquitetura do medo”[iv]. É possível identificar muros cada vez mais altos, cercas elétricas, sofisticados sistemas de segurança e alarmes, crescimento na construção de apartamentos e casas em condomínio, expansão visível de empresas privadas de vigilância e êxodo de zonas e regiões com alto índice de criminalidade. Indivíduos e instituições acabam por adaptar seus comportamentos para conviverem com o medo e a insegurança, na tensão e expectativa de serem vítimas de crimes.
Frente ao atual quadro de violência, teme-se o outro de uma maneira quase paranoica, pelo possível risco de ser uma vítima. Ao invés de promover a integração e o diálogo, o que permitiria entender e aceitar as diferenças, constroem-se barreiras entre as pessoas, não apenas sob o ponto de vista metafórico, mas também físico. Os laços comunitários são totalmente perdidos, pois a única preocupação é com a segurança individual. Apesar de ser notório o fato de que os processos econômicos excludentes contribuem para a marginalização da população, existem poucos investimentos para a promoção da ascensão econômica e compartilhamento da justiça social.
Na sociedade de consumo, é possível encontrar um processo similar. A ideia de individualismo se faz presente no consumo pessoal exacerbado. As desigualdades sociais sustentam a lógica do consumismo, uma vez que as classes mais abastadas utilizam o desperdício e o gasto com o supérfluo como formas de afirmação de sua posição. Opera-se, aqui, a lógica da diferenciação: é necessário consumir o novo para demonstrar o exercício de sua individualidade.
Assim, resta clara a intersecção entre a violência urbana e a indústria de consumo, na medida em que ambas fixam seus alicerces na dinâmica de uma sociedade desigual, marcada pelo individualismo e pela segregação. A sociedade, carente de segurança pública, é o lugar apropriado para a iniciativa privada aproveitar-se da inefetividade do Estado e oferecer bens, produtos e serviços que atendam a demanda do mercado estimulado pela cultura do medo.
[i] BAUMAN, Zygmunt. Confiança e Medo na Cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
[ii] PASTANA, Débora Regina. Cultura do Medo e Democracia: Um paradoxo brasileiro. Revista Meditações Londrina. v. 10, n. 2, p. 183-198, jul./dez. 2005.
[iii] A cultura do medo, segundo Débora Pastana, representa o “somatória dos valores, comportamentos e do senso comum que, associados à questão da criminalidade, reproduz a ideia hegemônica de insegurança e, com isso, perpetua uma forma de dominação marcada pelo autoritarismo e pela rejeição dos princípios democráticos”.
[iv] Idem.
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