Inovação Destruidora: ou um arauto da obsolescência do presente - Por Matheus Figueiredo Nunes de Souza e Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino

16/11/2017

O tema que abordaremos na nossa coluna semanal é de extrema importância, pois muitos pensadores já haviam denunciado várias consequências que se presencia atualmente. A partir da obra “A Inovação Destruidora: ensaio sobre a lógica das sociedades modernas”, do filósofo francês Luc Ferry, que se busca identificar como que a Sustentabilidade se desenvolve, economicamente, a partir da inovação tecnológica.

Cabe ressaltar, também, que este tema já foi abordado em uma vídeo-coluna, veiculada através do Canal do Empório do Direito no YouTube,[1] e que a breve reflexão que se traz nesta semana é um complemento e, também, de certa forma, um amadurecimento de tudo aquilo que já foi debatido.

Esta nova visão crítica dos problemas vivenciados pela sociedade moderna é fruto dos debates proporcionados pelas aulas da matéria de Teorias da Sustentabilidade, do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu (PPGDireito), da Faculdade Meridional – IMED, Campus Passo Fundo/RS.

Nessa obra, Luc Ferry aborda de forma extremamente clara os efeitos que a inovação destruidora causa em uma sociedade. Ao fazer uma alusão à “Destruição Criativa”, de Schumpeter - que utilizou esta expressão para se referir à maneira como os produtos e métodos capitalistas inovadores estão constantemente tomando o lugar dos antigos -, Ferry anuncia sua “Inovação Destruidora”, abordando as consequências que a simples inovação pela inovação causa em uma sociedade.

Dessa forma, percebe-se a dimensão social que esta questão aborda, sendo preciso refletir sobre a problemática da inovação destruidora, que assola a sociedade desde o século XX. Conforme a expressão utilizada por Luc Ferry, a qual chega até mesmo a ser paradoxal (a inovação a partir da destruição), todas as criações, as invenções, especialmente as tecnológicas, as quais beneficiam e facilitam a vida social e individual não foram feitas para durar, desde os objetos às relações entre as pessoas.

Bauman, por exemplo, já denunciava que a Modernidade era líquida. A escolha da expressão “liquidez” toma sentido ao ver o “líquido” como incontível, fora dos controles humanos e suas finalidades pretendidas. A intenção do Capitalismo é a de buscar satisfazer os desejos humanos pela produção massificada, padronizada. Pessoas e produtos são apenas “another brick in the wall” - parafraseando Pink Floyd. Ocorre que essa condição penetrou nas instituições sociais, nas regras jurídicas, nos sistemas simbólicos, políticos e econômicos, fazendo com que todas as formas de relações sejam líquidas, em outras palavras, no caso da interação entre as pessoas, as responsabilidades se dissolvem. Surge, nesse caso, um tempo de incertezas; na venda e compra de produtos, nossa ânsia de adquirir algo seja satisfeita imediata e momentaneamente.

No entanto, pode-se indagar: em que a “inovação destruidora” se assemelha ao que Bauman já nos alertava sobre a transição do Consumo para o Consumismo? Justamente no seu aspecto da curta duração de tudo que é envolvido por esta “inovação”. Esta não permite que algo seja durador, pois a orientação para se jogar o jogo social, ou melhor, sobrevier às suas demandas é que a inovação trata de desconstruir tudo para mostrar sua mais nova face: nada foi feito para durar. Deve-se satisfazer a ânsia do novo em curto tempo.

Um exemplo dessa situação é o mercado de eletroeletrônicos, mais especificamente no caso dos celulares. Uma marca promove o lançamento de um aparelho smartphone com determinadas funções e configurações. No entanto, meses depois, já se anuncia na mídia uma nova versão deste mesmo aparelho que foi colocado anteriormente no mercado. Porém, ao fazer uma comparação entre ambos os aparelhos, as alterações são mínimas, para não dizer inexpressivas. E, ao mesmo tempo em que está construindo o novo modelo, começa-se a pensar no próximo aparelho que terá que produzir e o que terá de ter de “inovador” (sic).

Este foi um pequeno exemplo do que ocorre no cotidiano global, mas que retrata, de forma clara, a inovação pela simples inovação. Agora, no instante em que essa lógica passa a atuar em uma escala muito maior, a ponto de abranger as esferas sociais, o problema torna-se mais grave. Não vai ser apenas a inovação tecnológica pela inovação tecnológica, mas que toda forma de socialidade não se funda na proximidade entre as pessoas, porém na velocidade com que se liquefazem pela sua descartabilidade.

A velocidade desta inovação pela inovação afeta, também, a própria lógica de proteção das leis. O Código de Defesa do Consumidor foi criado como Direito de Terceira Geração para evitar maiores danos aos mais economicamente vulneráveis diante das empresas e indústrias. No entanto, o seu foco relacional se manifesta entre fornecedor e consumidor. O que acontece, portanto, diante de relações transnacionais? O que acontece quando a inovação pela inovação é difusa, global? Ao se lembrar de Ulrich Beck, como dimensionar a responsabilidade pelos danos causados quando esses são provocados por diferentes agentes em diferentes lugares? De fato, o Código de Defesa do Consumidor brasileiro se torna impotente de promover seus efeitos num horizonte mais amplo que o simples consumo, qual seja, o consumismo.

O que acontece é que, quando a sociedade é envenenada pela Inovação Destruidora, esta mostra um verdadeiro arauto da obsolescência do presente. Ela é responsável por trazer a mensagem de que o presente não mais existe, ele já passou, e, em virtude disso, é preciso sempre olhar para o futuro: qual vai ser a nova produção? Qual vai ser a nova beleza da sociedade? Quais vão ser os novos valores morais da sociedade? Como viver em um tempo que não existe? Quando o momento presente se esvazia pela ansiedade daquilo que está por vir, não existe vida, tampouco o conviver. Há, apenas, fantasmas que habitam tempos e lugares que não sejam o presente.

E o que é pior: será que, quando forem estabelecidos os novos parâmetros, já não vão existir outros novos que vão estar a caminho? Este é o grande paradoxo das sociedades pós-modernas que ainda se pautam pela racionalidade capitalista voraz: a inovação é a possibilidade de criação e, ao mesmo tempo, de destruição – tudo aquilo que é criado pela Inovação Destruidora já nasce com seu prazo de validade estabelecido. Nada é feito para ser duradouro. Tudo se desmancha no ar.

Porque a humanidade está nesta espiral de inovação/destruição constante? O que se pode fazer para mudar esta realidade?

A resposta para a primeira pergunta é que, em virtude da própria Inovação Destruidora estar constante mudança, ela também é responsável por mudar de forma contínua os valores e os vetores morais de uma Sociedade. A ausência de uma dimensão axiológica própria de seu tempo faz com que o ser humano fique desnorteado e, portanto, à mercê da Inovação Destruidora. Insiste-se: e necessário levar a sério a agenda axiológica do momento presente e compreendê-la, sem julgá-la, nem condená-la.

A resposta para a segunda pergunta vem para completar, também, a resposta da questão anterior. A única forma da humanidade escapar desse vórtex de inovação/destruição é se procurar adotar ações e uma postura ética, cuja base se encontra nos valores de um Bem Comum, tais como a Justiça, a Liberdade, a Igualdade, a Fraternidade, a Alteridade, entre outros. Todas essas indicações, no entanto, devem privilegiar todas a formas de relação na medida em que são pensadas a partir do momento presente.

Todas as respostas se tornam dotadas de significado por meio da adoção de uma “cultura” da Sustentabilidade. Mas, como? A Sustentabilidade, a partir de suas dimensões, procura estabelecer relações entre os seres e tudo aquilo que os rodeia de forma harmônica. Ela permite que um indivíduo reconheça o Outro (seja outro indivíduo ou a Natureza) como fundamento de sua própria vida. É o viver junto-com-o-Outro que surgem os limites éticos do agir e o aperfeiçoamento de nossa humanidade.

O Eu sozinho não consegue ir além de suas certezas habituais. Existe a necessidade de que o Tu se manifeste para que se construa um futuro para o Nós. Nesse caso, a Sustentabilidade, desde um prisma de Alteridade, ao se compreender o Outro na sua absoluta Outridade, faz com que se reconheça este Outro como um Igual (dimensão de Igualdade). A ação pauta-se por meio do respeito às diferenças (dimensão da Fraternidade). Essa é o hábito que se perpetua no momento presente e contribui para a elaboração (concreta) de uma Justiça que esteja à altura das peculiaridades de toda a teia da vida.

A Sustentabilidade, enquanto vetor de concretização de um Bem Comum, apresenta-se como forma de superação ao paradoxo das sociedades pós-modernas, ao possibilitar a construção de uma dimensão axiológica própria do momento presente (ou seja, forte - no sentido contrário à Liquidez de Bauman), com a consolidação de valores éticos (Alteridade, Justiça, Igualdade) que não podem ser destruídos pela, agora, simples, Inovação Destruidora.

Frente à Sustentabilidade, a Inovação Destruidora se desvanece de suas forças, pois agora a Humanidade (se) encontrou naqueles valores pelo qual está realmente disposta a lutar para assegurar a humanização da humanidade.


REFERÊNCIAS

FERRY, Luc. A inovação destruidora: ensaio sobre a lógica das sociedades modernas. Tradução de Vera Lúcia dos Reis. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.

[1] AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Vídeo-coluna – 3 – Dr. Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino fala ao canal Empório do Direito. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=O-ZTJRODTE8&t=179s>. Acesso em 24 de Outubro de 2017.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Smartphones // Foto de: Sam Churchill // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/samchurchill/6419324173

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