Inimigos na pátria comum – Por Léo Rosa de Andrade

18/11/2015

Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, 1789, Art. 9º: Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.

Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, Art. 11: I) Todo o homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias a sua defesa.

Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, 1950, Art 6º (Direito a um processo equitativo): 2. Qualquer pessoa acusada de uma infração presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.

Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, 1966, Art. 14: 2. Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.

Convenção Americana sobre Direitos Humanos, 1969, Art 8º (Garantias judiciais): 2) Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.  Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:b. comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c. concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa.

Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

O que está subjacente a essa sequência de declarações é expressão da vontade humana construída no período chamado Iluminismo, consolidado na Revolução Francesa. Está afirmado, aí, o valor do indivíduo diante de tudo, diante, inclusive, das instituições estatais. É a propriedade ideológica característica e inerente do Liberalismo.

Juridicamente, dentro do Direito Processual Penal, instaura-se o que se chama de processo acusatório. Acusa-se, se houver fundamentado motivo, processa-se, comprova-se, e, então, se restar provada a acusação, condena-se. Até a condenação fundada em prova, há inocência presumida por declaração legal.

Antes disso, durante a Idade Média (chamada Idade das Trevas) o raciocínio era invertido: diante da acusação, a inocência deveria ser provada. Sob os auspícios da ideologia católica, era o tempo do Direito Processual Penal inquisitório. Nele, de partida, presumia-se a culpa do acusado, não a sua inocência. E o preso que resistisse ao interrogatório, em geral sob tortura, numa briga de resistência ao representante do “senhor” (a confissão, no mais das vezes, era o “natural” do curso do processo inquisitório).

Se hoje vemos com naturalidade a recuperação do discurso que se praticava no Direito Romano, que abrigava a compreensão de que à pessoa acusada se aplicava a máxima do in dubio pro reo, isso se deve ao afastamento de “deus” do centro de todas as coisas e a colocação do humano como a medida do mundo. Se é digno ser humano, então o humano deve ser tratado com dignidade.

Assim deve ser e assim seria se não se inventasse um certo Direito Penal do Inimigo. Segundo Gunther Jakobs, que forneceu argumentos à doutrina, há um Direito Penal que se aplica ao cidadão, reservando-lhe todas as prerrogativas constitucionais, como presunção de inocência, princípio da legalidade etc, e há um Direito Criminal a ser aplicado àquele que agride o cerne do Estado, ou “viola as normas de uma ordem praticada”. Esse agressor não deverá ser visto e julgado como cidadão; ele deve ser tratado como inimigo do Estado.

Ora, se o Processo Penal Democrático garante que o argumento de defesa deve ser considerado, o Direito Penal do Inimigo quer a eliminação do suposto perigo. Então, quem supostamente se desviou não oferece garantia pessoal, decorrentemente, não pode ser tratado como cidadão, mas deve ser combatido como inimigo.

Isso, no Brasil, está fazendo sucesso. É o argumento de programas populares de televisão, de parlamentares religiosos, de policiais assassinos, de juízes retrógrados, de gananciosos em geral. É um pretexto para sitiar favelas e combater pobres. É uma teoria que calha para inventar inimigos no país campeão do mundo em exclusão social.


Imagem Ilustrativa do Post: Aiming high // Foto de: Sten Dueland // Sem alterações

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