Informativo 812 do STF: Definindo as Regras Procedimentais do Impeachment

14/02/2016

Por Nicola Patel Filho - 14/02/2016

O informativo 812 do STF, primeiro publicado no ano de 2016, reservou-se quase que inteiramente ao julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 378, a qual se dedica a analisar a compatibilidade das regras elencadas na lei 1.079/50 (define os crimes de responsabilidade) com a ordem constitucional ora vigente.

Tratou-se de ADPF que visava questionar a recepção (ou não) pela Constituição Federal de 1988 (CF/88) do procedimento de apuração de crime de responsabilidade (impeachment) definido pela lei 1.079/50.

Inicialmente o Plenário do Supremo conheceu a ADPF sob o fundamento de que cabe ao próprio STF deliberar sobre o conceito de preceito fundamental, mediante esforço hermenêutico que identifique as disposições essenciais para a preservação dos princípios básicos da ordem constitucional. Ademais, o ato impugnado é lei anterior à CF/88, enquadrando-se perfeitamente no art. 1º, parágrafo único, inciso I, da lei 9.882/99.

(...)

Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição; (...)

No mérito, o STF ponderou que o processo de impeachment constitui importante instrumento processual que visa a correção de comportamentos antirrepublicanos por parte dos agentes públicos detentores dos mais elevados cargos da República. Diante disso, o STF deve zelar pela observância do devido processo legal – direito fundamental consagrado aos acusados em geral – ao manter a compatibilidade dos procedimentos adotados pelos órgãos de julgamento com o arcabouço da CF/88.

Ao analisar os pedidos individualmente, a Corte:

1) indeferiu a exigência de audiência prévia do acusado, no prazo de 15 dias, antes do recebimento da denúncia pelo presidente da Câmara dos Deputados. Os Ministros ponderaram que não há direito de defesa prévia ao ato do Presidente da Câmara, posto que o recebimento da denúncia constitui ato anterior à formação da comissão especial. Ademais, o ato do Presidente da Câmara não constitui juízo definitivo do recebimento da denúncia.

2) A Corte considerou compatível com a ordem constitucional vigente a previsão da lei 1.079/50 de delegar aos regimentos internos das respectivas casas a possibilidade de disciplina subsidiária do processo de impeachment, desde que compatíveis com os preceitos constitucionais.

3) Também deferiu pedido para estabelecer que o interrogatório seja o ato final da instrução probatória.

4) Talvez a medida mais controversa tomada pelo Supremo diga respeito ao momento do efetivo recebimento da denúncia de impeachment. Isso porque, o Plenário, por maioria, deferiu parcialmente a pretensão para declarar que, com o advento da CF/1988, o recebimento da denúncia no processo de impeachment ocorre após a decisão do Plenário do Senado Federal em decisão composta por maioria simples. Asseverou-se que, em relação ao papel da Câmara dos Deputados e do Senado Federal no procedimento, caberia à Câmara autorizar a instauração do processo e, ao Senado, processar e julgar o acusado. Quanto ao processar, inclui-se o receber efetivamente a denúncia. Isso se daria em razão do advento da CF/1988 que passou a prever, para a Câmara dos Deputados, apenas o papel de autorizar a instauração do processo, como condição de procedibilidade da ação perante o Senado.

Portanto, para o Supremo, a função da Câmara dos Deputados no processamento de crimes de responsabilidade constitui apenas na autorização para que o Senado delibere sobre a instauração do processo por maioria simples. Assim, o afastamento do Presidente da República por fundamento no art. 86, §1º, II, da CF[1], só ocorrerá após esse juízo de instauração do processo no Senado.

5) No mais, o Supremo considerou legítima a obediência aos preceitos dos arts. 44, 45, 46, 47, 48 e 49 da Lei 1.079/1950 ao processamento no Senado Federal de crime de responsabilidade contra o Presidente da República. Assim, o Senado Federal realiza juízo acerca do recebimento da denúncia por maioria simples. Uma vez recebida, o processo segue para deliberação sobre a pronúncia do acusado mediante votação por maioria simples. Por fim, analisa-se a procedência da acusação mediante voto de 2/3 do Senado.

6) Restou ainda consignado que as circunstâncias que ensejam impedimento ou suspeição previstas no CPP (arts. 252 e 254) não se aplicam por analogia aos membros das Casas Legislativas na apuração de crimes de responsabilidade. Argumentou-se no ponto que o nível de imparcialidade aduzido nos referidos pedidos não se coadunariam com a extensão pública das discussões valorativas e deliberações dos parlamentares. Seria preciso que se reconhecesse que, embora guardassem algumas semelhanças, processos jurídicos e político-jurídicos resolver-se-iam em palcos distintos e seguiriam lógicas próprias. Destarte, exigir aplicação fria das regras de julgamento significaria, em verdade, converter o julgamento jurídico-político em exclusivamente jurídico, o que não observaria a intenção constitucional.

7) Ao final, o Plenário do STF analisou pedido cautelar incidental que buscava a impossibilidade de candidaturas avulsas para compor a comissão especial da Câmara dos deputados. Esse pedido cautelar foi deferido integralmente para impedir as referidas candidaturas avulsas. Segundo o voto condutor do Min. Roberto Barroso, haveria duas razões que justificariam a ilegitimidade da candidatura avulsa: uma textual e a outra lógica. A justificativa textual seria que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, com a autoridade da delegação recebida pelo art. 58 da CF, estatuiria que a indicação dos representantes partidários ou dos blocos parlamentares competiria aos líderes. Já a razão lógica se sustentaria no fato de que, por força da Constituição, a representação proporcional seria do partido ou do bloco parlamentar. Diante disso, concluiu-se que os integrantes da chamada comissão especial não poderiam ser eleitos e escolhidos individualmente, mas sim indicados pelos líderes dos partidos políticos.

Esses foram os pontos tratados pelo Supremo no informativo 812, os quais definiram o procedimento do impeachment da Presidente Dilma.


Notas e Referências:

[1] Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:

I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;

II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.


Nicola Patel Filho

Nicola Patel Filho é advogado, bacharel em Direito pela Universidade Barriga Verde (UNIBAVE), especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Escola do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Aprovado nos concursos de Delegado de Polícia de Polícia Civil no Estado do Paraná (2013) e de Delegado de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina (2015). Membro do Grupo de Estudos e Aperfeiçoamento de Polícia Judiciária da Associação de Delegados de Polícia de Santa Catarina.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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