Informativo 809 do STF: a Prisão de Senador da República

21/12/2015

Por Nicola Patel Filho - 21/12/2015

Podemos destacar nesse informativo:

1) Constitucional: Compete aos tribunais de justiça definir as competências que serão delegadas ao Órgão Especial, desde que aprovadas pela maioria absoluta de seus membros.

2) Processo Penal:

a) Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de redução à condição análoga à de escravo.

b) 1) É viável a prisão em flagrante a qualquer tempo, por ser crime permanente, a participação em organização criminosa; 2) constitui crime inafiançável quando as circunstâncias apontam a presença dos requisitos da prisão preventiva.


Compete aos tribunais de justiça definir as competências que serão delegadas ao Órgão Especial, desde que aprovadas pela maioria absoluta de seus membros.

No caso analisado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo utilizou-se da faculdade prevista no art. 93, XI, da Constituição Federa (CF), o qual dispõe que “nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno”.

Para tanto, o plenário do Tribunal paulista reuniu-se e deliberou a delegação de parcela de suas atribuições ao Órgão Especial recém criado.

Diante disso, o Conselho Nacional de Justiça concedeu medida liminar em procedimento de controle administrativo (PCA) por entender que todas as atribuições administrativas e jurisdicionais que eram do Pleno, exceto a eletiva, passariam automaticamente para a competência do Órgão Especial logo que este fosse criado.

Com fundamento no art. 102, I, “r”, da CF, foi ajuizado mandado de segurança (MS) visando suspender a eficácia da liminar concedida pelo CNJ.

Ao apreciar o MS, o STF deferiu medida cautelar para suspender a eficácia da decisão, posto que o inciso XI do art. 93 da CF não impõe a criação do Órgão Especial, mas apenas faculta que o pleno, por meio de delegação, transfira o exercício de certas atribuições.

Diante disso, concluiu caber ao Tribunal Pleno do respectivo Tribunal de Justiça constituir ou manter o Órgão Especial, bem como delegar-lhe parcial ou totalmente suas atribuições. Haveria uma hipótese de indelegabilidade, qual seja, o poder normativo de elaborar o regimento interno do tribunal e nele dispor sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos.

MS 26411 MC/DF, rel. orig. Min. Sepúlveda Pertence, red. p/ o acórdão Min. Teori Zavascki, 26.11.2015. 


Compete à justiça federal processar e julgar o crime de redução à condição análoga à de escravo.

De início, importante trazer a lume o art. 109 da CF, que estabelece o rol de competência da Justiça Federal, com destaque para o inciso VI:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;

Desse artigo, afere-se que os crimes contra a organização do trabalho supostamente são julgados pela Justiça Federal.

Ocorre que, os crimes contra a organização do trabalho estão tipificados nos artigos 197 a 207 do Código Penal (CP), enquanto que a redução à condição análoga à de escravo encontra-se tipificado no art. 149 do Código Penal.

Contudo, o Supremo afirmou que o art. 109, VI, da CF atribui à Justiça Federal a competência para processar e julgar os crimes contra organização do trabalho, sem explicitar quais delitos estariam nessa categoria. Mesmo que o CP tenha dedicado um capítulo especial para esses delitos, certo é que não existe correspondência taxativa entre eles e a CF, restando ao intérprete verificar em quais casos se estaria diante de delitos contra a organização do trabalho.

Ademais, o constituinte teria dado importância especial à valorização da pessoa humana e de seus direitos fundamentais, de maneira que a existência comprovada de trabalhadores submetidos à escravidão afrontaria não apenas os princípios constitucionais do art. 5º da CF, mas toda a sociedade, em seu aspecto moral e ético. Os crimes contra a organização do trabalho comportariam outras dimensões, para além de aspectos puramente orgânicos.

Continuando... a jurisprudência dos nossos tribunais tem exigido que a competência dos crimes contra a organização do trabalho será da Justiça Federal quando “houver ofensa ao sistema de órgãos e institutos destinados a preservar, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores”. (STJ: CC, 131.319)

Quanto esse requisito para a competência da Justiça Federal, o Ministro Luiz Fux lembrou que o delito vitimou 53 trabalhadores; número expressivo e suficiente para caracterizar a ofensa à organização do trabalho coletivamente considerada.

O Ministro Gilmar Mendes lembrou que a competência da justiça federal seria inequívoca quando ocorresse lesão à organização do trabalho, como por exemplo, nas hipóteses de violação aos direitos humanos, como no caso de negativa a um grupo de empregados de sair do local. No mais, seria matéria da competência da justiça estadual.

Importante consignar que não é pacífico o entendimento de que toda a redução à condição análoga à de escravo é da competência da Justiça Federal. No caso concreto, a Corte concluiu pela competência da JF em virtude das circunstâncias apresentadas nos autos, mormente por ter sido praticado contra 53 trabalhadores, fato este que caracterizaria a ofensa coletiva aos seus direitos.

Em interessante estudo, Alexandre de Morais da Rosa e Rômulo de Andrade Moreira abordam o tema com maior profundidade neste artigo: http://emporiododireito.com.br/a-quem-compete-julgar-o-crime-de-reducao-a-condicao-analoga-a-escravo-cp-art-149-por-romulo-de-andrade-moreira-e-alexandre-morais-da-rosa/.

RE 459510/MT, rel. orig. Min. Cezar Peluso, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 26.11.2015.


1) É viável a prisão em flagrante a qualquer tempo, por ser crime permanente, a participação em organização criminosa; 2) constitui crime inafiançável quando as circunstâncias apontam a presença dos requisitos da prisão preventiva.

A abordagem feita deste julgado será no sentido de identificar os requisitos da prisão preventiva e da prisão de Senador da República, bem como tentar demonstrar como de que forma foram preenchidos no caso concreto. Existem vários artigos científicos que buscam interpretar esta decisão, alguns questionando se foi prisão em flagrante ou resultado de preventiva, outros afirmando a derrotabilidade da regra no caso concreto. Contudo, esse não é o objetivo que propusemos, mas sim sistematizar e resumir o informativo do Supremo Tribunal Federal.

Trata-se da prisão em flagrante (ou preventiva) de Senador da República, seu assessor, advogado e banqueiro, pela suposta prática de crime inafiançável.

Pode parecer estranho que em uma prisão em flagrante tenhamos que iniciar com os requisitos da prisão preventiva; mas vamos lá:

Os requisitos da preventiva, assim como das cautelares em geral, seria o fumus decliti ou a aparência do delito supostamente cometido pelo autor, que estão previstos na parte final do caput do art. 312 do CPP.

Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

No caso das prisões ora analisadas, as interceptações telefônicas revelaram que os interlocutores discutiram a possibilidade de o Senador interceder politicamente junto a Ministros do STF para a concessão de habeas corpus que beneficiasse um pretenso colaborador na delação premiada da operação “Lava à Jato” da Polícia Federal, inclusive, sobre a exploração do prestígio do cargo que ocupa (no caso do Senador) para exercer influência sobre altas autoridades da República.

Diante disso, a Turma verificou a presença de prova da existência material e de indícios suficientes de autoria de graves crimes contra a Administração da Justiça, contra a Administração Pública, de organização criminosa e mesmo de lavagem de dinheiro praticados, em tese, por Senador da República, seu assessor, advogado e banqueiro.

A partir disso, também se verificou que os crimes apurados contam com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos, preenchendo assim o requisito do art. 313, inciso I do CPP.

No tocante ao periculum libertatis – ou urgência da medida -, seus pressupostos estão dispostos também no art. 312 do CPP, ao tratar da garantia da ordem pública, da ordem econômica, à conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal.

No caso que foi analisado pela Turma, os investigados prometiam auxílio financeiro destinado à família de futuro delator nas investigações da operação “Lava à Jato” da Polícia Federal, bem como de intercessão política junto ao judiciário pleiteando a liberdade do delator. Além do mais, a possibilidade de interferências e promessas políticas no sentido de obter decisões favoráveis por parte de Ministros do STF constituiria conduta obstrutiva de altíssima gravidade.

Os Ministros apontaram que o mencionado parlamentar não mediria esforços para embaraçar o desenvolvimento das investigações da referida operação, restando nítido a necessidade da prisão por conveniência da instrução criminal.

Por outro lado, a prisão de Senador da República não depende apenas dos requisitos esculpidos no CPP, posto que a CF dispõe que  “os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável”. (§2º do art. 53)

Para superar tais requisitos, a Turma lembrou que o art. 303 do CPP autoriza o flagrante delito nos crimes permanentes, a qualquer tempo, enquanto não cessar a permanência. No caso, dentre os delitos em tese praticados pelo Senador da República, encontra-se a participação em organização criminosa, cujo núcleo constitui conduta de crime permanente.

Além disso, segundo a lei 12.840/13, a suspeita de envolvimento de organização criminosa autoriza a ação controlada a fim de que as autoridades promovam o flagrante no momento mais eficaz à formação das provas e obtenção das informações.

Por fim, quanto à suposta inafiançabilidade do crime, tanto no informativo quanto no voto do Min. Teori, há apenas um parágrafo tratando desse importante requisito: “a hipótese presente é de inafiançabilidade, nos termos do CPP “Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança: ... IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312)”.

Ou seja, a Turma do supremo praticamente afirmou que, quando presentes os requisitos da preventiva, a hipótese é de crime inafiançável, independente do crime perpetrado, do disposto na Constituição, ou no próprio CPP – diplomas estes que estabelecem um rol de crimes inafiançáveis, segundo o qual não há a participação em organização criminosa.

Isso porque, o rol dos crimes inafiançáveis está no art. 323 do CPP. No entanto, por não encontrar participação em organização criminosa no referido rol, o Supremo utilizou-se do art. 324 do mesmo diploma legal para afirmar que o crime é inafiançável. Vejamos:

Art. 324.  Não será, igualmente, concedida fiança:

I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código; 

II - em caso de prisão civil ou militar; 

III – revogado;

IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).

De plano, afere-se que o art. 324 do CPP não aponta os crimes inafiançáveis, mas elenca circunstâncias que, se presentes, impedem a fiança para qualquer crime.

De qualquer forma, pode-se concluir desse julgado que: 1) é viável a prisão em flagrante a qualquer tempo, por ser crime permanente, a participação em organização criminosa; 2) constitui crime inafiançável quando as circunstâncias apontam a presença dos requisitos da prisão preventiva.

AC 4036 Referendo-MC/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 25.11.2015.


Nicola Patel Filho

Nicola Patel Filho é advogado, bacharel em Direito pela Universidade Barriga Verde (UNIBAVE), especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Escola do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Aprovado nos concursos de Delegado de Polícia de Polícia Civil no Estado do Paraná (2013) e de Delegado de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina (2015). Membro do Grupo de Estudos e Aperfeiçoamento de Polícia Judiciária da Associação de Delegados de Polícia de Santa Catarina. .


Imagem Ilustrativa do Post: Senador Delcídio do Amaral - PT/MS // Foto de: PT no Senado // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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