Informativo 808 do STF: Desentrincheirando os limites do teto

06/12/2015

Por Nicola Patel Filho - 06/12/2015

São destaques:

1) Constitucional:

a) As vantagens pessoais concedidas a servidor público antes da Emenda Constitucional 41/2003 são computadas para fins de aferição do teto remuneratório previsto no inciso XI do art. 37 da Constituição Federal (CF).

b) Não se aplica a teoria do fato consumado à posse de servidor público em virtude de decisão judicial precária.

2) Direito Penal: A causa de aumento de pena que incide sobre o crime de tráfico de drogas entre Estados da Federação (lei. 11.343/06, art. 40, V) independe da efetiva transposição da fronteira da unidade, quando presentes elementos que indiquem a conduta transfronteiriça.

As vantagens pessoais concedidas a servidor público antes da Emenda Constitucional 41/2003 são computadas para fins de aferição do teto remuneratório previsto no inciso XI do art. 37 da Constituição Federal (CF).

Segundo o Supremo Tribunal Federa (STF), as vantagens pessoais concedidas a servidor público antes da Emenda Constitucional (EC) 41/2003 serão computadas para fins de aferição do teto remuneratório previsto no inciso XI do art. 37 da Constituição Federal (CF), instituído por aquela emenda.

A questão é um pouco complexa e exige uma breve análise histórica para melhor compreensão do tema.

A redação original da CF/88 delegava ao legislador infraconstitucional a tarefa de fixar um teto remuneratório, sendo que deveriam ser “observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, e, nos Municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito”. (CF, inciso XI do art. 37 em sua redação original)

Ainda na redação original da Constituição Federal, o art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determinou a aplicação imediata do referido dispositivo ao determinar a redução da remuneração daqueles que recebiam acima do teto original estabelecido no artigo acima citado, não se admitindo a invocação do direito adquirido.

No entanto, o STF, no julgamento da ADI 14, de relatoria do Min. Célio Borja, determinou que somente o vencimento básico do servidor não poderia ultrapassar referido teto, abrindo margem ao implemento das mais diversas vantagens pessoais, as quais resultavam na violação do teto quando analisadas em conjunto. Segue a ementa:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROPOSTA PELA ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. O PARAGRAFO 2. DO ARTIGO 2. DA LEI FEDERAL N. 7.721, DE 6 DE JANEIRO DE 1989, QUANDO LIMITA OS VENCIMENTOS DOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - "COMPUTADOS OS ADICIONAIS POR TEMPO DE SERVIÇO" - A REMUNERAÇÃO MAXIMA VIGENTE NO PODER EXECUTIVO, VULNERA O ART. 39, PAR. 1., "IN FINE", DA CONSTITUIÇÃO, QUE SUJEITA A TAL LIMITE APENAS OS "VENCIMENTOS", EXCLUIDAS AS VANTAGENS "PESSOAIS". COMPATIBILIDADE DO CONCEITO DE "VENCIMENTOS" ESTABELECIDOS NA LEI COMPLEMENTAR N. 35/79 E EM OUTROS ARTIGOS DA LEI MAIOR COM A EXEGESE DO ALUDIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. PROCEDENCIA PARCIAL DA AÇÃO PARA DECLARAR INCONSTITUCIONAIS AS EXPRESSÕES" ... E VANTAGENS PESSOAIS (ADICIONAIS POR TEMPO DE SERVIÇO)...", CONSTANTE DO PAR. 2., ART. 2. DA LEI 7.721/89.[1]

Concluiu, então, que “a regra constitucional, na sua expressão literal, sujeita a tal limite, apenas, os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Judiciário, não as vantagens pessoais”. (inteiro teor o acórdão)

Em 1998, a EC n. 19 alterou a redação originária do inciso XI do art. 37 da CF estabelecendo o teto remuneratório único consistente no subsídio de Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Essa Emenda, contudo, também disciplinou o inciso XV do art. 48 da CF ao estabelecer que o subsídio mensal do Ministro do Supremo dependeria de lei de iniciativa conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, lei esta que nunca foi elaborada.

Diante disso, o entendimento majoritário era no sentido de que o inciso XI do art. 37 da CF, com redação dada pela Emenda 19, consistia em norma de eficácia limitada à edição da referida lei, mantendo-se o entendimento firmado na ADI 14 de que as vantagens pessoais não faziam parte do conceito de vencimentos e não se submeteria ao teto.

Nesse sentido: Enquanto não sobrevier a lei formal, de iniciativa conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 48, XV), destinada a fixar o subsídio devido aos Ministros da Suprema Corte, continuarão a prevalecer os tetos remuneratórios estabelecidos, individualmente, para cada um dos Poderes da República (CF, art. 37, XI, na redação anterior à promulgação da EC 19/98), excluídas, em conseqüência, de tais limitações, as vantagens de caráter pessoal (RTJ 173/662), prevalecendo, desse modo, a doutrina consagrada no julgamento da ADI 14/DF (RTJ 130/475), até que seja instituído o valor do subsídio dos Juízes do Supremo Tribunal Federal. (ADI n. 2075/RJ, Rel. Min. Celso de Mello)

Perceba que as vantagens pessoais não eram computadas para fins do teto constitucional.

Sobreveio então a EC 41 de 2003, a qual estabeleceu a redação atual do inciso XI da CF/88 e também retirou a exigência de iniciativa conjunta dos presidentes dos poderes para fixação do subsídio do Ministro do Supremo Tribunal Federal; vejamos:

Art. 37. (...) XI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. 

Art. 48. (...) XV - fixação do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, observado o que dispõem os arts. 39, § 4º; 150, II; 153, III; e 153, § 2º, I.

Diante do novo teto, o STF firmou o entendimento segundo o qual ele (o teto) teria aplicabilidade imediata e incidiria sobre quaisquer proventos recebidos pelos servidores públicos, inclusive as vantagens pessoais.

Ocorre que, em se tratando de Magistrados aposentados, o Supremo considerou que seus vencimentos estariam protegidos pela irredutibilidade de subsídios, modalidade qualificada de direito adquirido que se oporia inclusive a emendas constitucionais. (MS n. 24.875/DF, de 11.5.2006)

Em 2014, o STF, ao apreciar o RE 609.381/GO, modificou o entendimento supracitado ao consignar que “teto de retribuição estabelecido pela EC 41/2003 é de eficácia imediata, e submete às referências de valor máximo nele discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior”. (Rel. Min. Teori Zavascki)

Entretanto, ainda remanesceria à Corte definir a respeito do cômputo das vantagens pessoais para fins de incidência do teto. Esse é a questão debatida no presente informativo.

O Colegiado assinalou que a EC 41/2003 não violaria a cláusula do direito adquirido, porque o postulado da irredutibilidade de vencimentos, desde sua redação original, já indicava a precedência do disposto no art. 37, XI, da CF, ao delimitar-lhe o âmbito de incidência.

Em outras palavras, a Constituição assegura a irredutibilidade do subsídio e dos vencimentos dos exercentes de cargos e empregos públicos que se inserem nos limites impostos pelo art. 37, XI, da CF. Ultrapassado o teto, cessa a garantia oferecida pelo art. 37, XV, da CF (irredutibilidade de subsídios), que tem sua aplicabilidade vinculada ao montante correspondente.

Portanto, a jurisprudência da Corte firmou-se desta forma:

a) entendimento segundo o qual o art. 37, XI, da CF, na redação da EC 41/2003, de eficácia plena e aplicabilidade imediata, alcançaria as vantagens pessoais;

b) expressivo número de julgados nos quais a garantia da irredutibilidade de vencimentos, modalidade qualificada de direito adquirido, impede que as vantagens percebidas antes da vigência da EC 41/2003 sejam por ela alcançadas (não há devolução por aquele que recebeu de boa-fé); e

c) existência de tese fixada em repercussão geral, no julgamento do RE 609.381/GO, no sentido de que o teto estabelecido pela EC 41/2003 tem eficácia imediata e abrange todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados-Membros, do Distrito Federal e dos Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior.

RE 606358/SP, rel. Min. Rosa Weber, 18.11.2015.


Não se aplica a teoria do fato consumado à posse de servidor público em virtude de decisão judicial precária.

O candidato que toma posse em concurso público por força de decisão judicial precária assume o risco de posterior reforma desse julgado que, em razão do efeito “ex tunc”, inviabiliza a aplicação da teoria do fato consumado em tais hipóteses. Assim a Primeira Turma concluiu o julgamento, por maioria, ao negar provimento a recurso ordinário em mandado de segurança no qual se pretendia a incidência da teoria do fato consumado, bem como a anulação da portaria que tornara sem efeito nomeação para o cargo de auditor-fiscal do trabalho.

RMS 31538/DF, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 17.11.2015.


A causa de aumento de pena que incide sobre o crime de tráfico de drogas entre Estados da Federação (lei. 11.343/06, art. 40, V) independe da efetiva transposição da fronteira da unidade, quando presentes elementos que indiquem a conduta transfronteiriça.

No caso analisado pelo STF, o agente foi apreendido transportando droga, sem autorização legal, no interior de transporte coletivo interestadual, consumando assim o caput do art. 33 da Lei 11.343/06. Ocorre que a droga não foi efetivamente levada a outro estado da federação.

Então, a dúvida pairou sobre a possibilidade de incidência da causa especial de aumento de pena prevista no art. 40, inciso V da mesma lei; in verbis:

Art. 40. As penas previstas nos artigos 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: (...)

V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal.

O STF considerou que os indícios apontavam a intenção de transporte para outro estado da federação, posto que: a) o paciente estava no interior de ônibus de transporte interestadual com bilhete cujo destino final seria outro Estado da Federação; e, b) a fase da intenção e a dos atos preparatórios teriam sido ultrapassadas no momento em que o agente ingressara no ônibus com a droga, a adentrar a fase de execução do crime.

Concluiu que seria suficiente a reunião dos elementos que identificassem o tráfico interestadual, o qual se consumaria instantaneamente, sem depender de um resultado externo naturalístico.

Interessante mencionar o voto vencido do Min. Marco Aurélio que afastava a causa de aumento versada no inciso V do art. 40 da Lei 11.343/2006 ao argumento de que haveria distorção no fato de se ter como consumado crime interestadual e tentado quanto à causa de aumento de pena.

HC 122791/MS, rel. Min. Dias Toffoli, 17.11.2015.


Notas e Referências:

[1] Disponível em: www.stf.jus.br.


Nicola Patel Filho

Nicola Patel Filho é advogado, bacharel em Direito pela Universidade Barriga Verde (UNIBAVE), especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Escola do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Aprovado nos concursos de Delegado de Polícia de Polícia Civil no Estado do Paraná (2013) e de Delegado de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina (2015). Membro do Grupo de Estudos e Aperfeiçoamento de Polícia Judiciária da Associação de Delegados de Polícia de Santa Catarina. .


Imagem Ilustrativa do Post: Combate à criminalidade e ao tráfico de drogas. // Foto de: Fotos GOVBA // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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