Informativo 806 do STF

21/11/2015

Por Nicola Patel Filho - 21/11/2015

Os destaques do informativo 806 do Supremo Tribunal Federal são:

1) Constitucional:

a) Incide a alíquota mínima do IPTU quando reconhecida a inconstitucionalidade de sua progressividade.

b) A Defensoria Pública tem legitimidade para a propositura de ação civil pública destinada a promover a tutela judicial de direitos difusos e coletivos de que sejam titulares, em tese, pessoas necessitadas.

2) Penal: É cabível a concessão de indulto a pessoa que cumpre medida de segurança de caráter pessoal e detentivo.

3) Processo Penal:

a) É lícita prova obtida mediante entrada forçada em domicílio sem mandado de busca e apreensão quando há fundadas razões justificadas a posteriori da prática de crime permanente.

b) É nula produção antecipada de prova testemunhal fundada na simples possibilidade de esquecimento dos fatos.


Incide a alíquota mínima do IPTU quando reconhecida a inconstitucionalidade de sua progressividade.

O Supremo Tribunal Federal (STF) firmou o entendimento no sentido de que, uma vez declarada inconstitucional a progressividade de alíquota tributária, é devido o tributo calculado pela alíquota mínima correspondente.

No caso, determinada lei municipal fixava alíquota progressiva de IPTU no período compreendido entre 1995 e 1999, ou seja, anterior a Emenda Constitucional 29/2000. Referida alíquota progressiva foi declarada inconstitucional por contrariar a Súmula 668 do STF:

É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.

Discutiu-se então se essa declaração de inconstitucionalidade abrangeria toda a lei, ou apenas a parte que afronta a Constituição.

Diante disso, o Tribunal reafirmou a tese da divisibilidade das leis, segundo a qual quando se verifica a inconstitucionalidade parcial por ação, a declaração de inconstitucionalidade somente abrangerá a parte viciada.

Nesse sentido, a lei municipal só seria inconstitucional no tocante à progressividade das alíquotas, de modo que a solução mais adequada seria manter a exigibilidade do tributo com redução da interferência no patrimônio do contribuinte ao nível mínimo, ou seja, adotando-se a alíquota mínima como mandamento da norma tributária.

Ressaltou-se que o reconhecimento da inconstitucionalidade da progressividade do IPTU não afastaria a cobrança total do tributo. Esta deveria ser realizada pela forma menos gravosa prevista em lei.

Portanto, mesmo que a progressividade das alíquotas tenha sido declarada inconstitucional, o STF assentou a exigibilidade de IPTU na alíquota mínima prevista legalmente.

RE 602347/MG, rel. Min. Edson Fachin, 4.11.2015.


A Defensoria Pública tem legitimidade para a propositura de ação civil pública destinada a promover a tutela judicial de direitos difusos e coletivos de que sejam titulares, em tese, pessoas necessitadas.

Sabe-se que a legitimidade ativa concorrente pode ser conjunta ou disjuntiva. Na primeira hipótese (conjunta) todos os legitimados devem atuar na lide, formando então litisconsórcio ativo. Por outro lado, a legitimidade ativa é disjuntiva quando qualquer interessado puder mover a lide isoladamente, independente da anuência ou presença dos demais co-legitimados.

O art. 5º da Lei 7.347/85 estabelece o rol dos legitimados a propor ação civil pública (ACP).

Art. 5o. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

I - o Ministério Público;

II - a Defensoria Pública;

III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;

V - a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;    

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.  

Referido artigo elenca legitimados ativos que podem atuar de forma isolada, independente da presença dos demais; portanto, legitimidade ativa concorrente disjuntiva.

No tocante à Defensoria Pública, o Tribunal concluiu que não haveria inconstitucionalidade no art. 5º, II, da Lei da Ação Civil Pública, com as alterações trazidas pela Lei 11.448/2007, ou no art. 4º, VII e VIII, da Lei Orgânica da Defensoria Pública, alterado pela LC 132/2009, posto que estes dispositivos visam dar cumprimento aos fins da própria instituição.

O Ministro Teori Zavascki acrescentou que essa legitimidade se estabeleceria mesmo nas hipóteses em que houvesse possíveis beneficiados não necessitados.

Diante disso, o Plenário negou provimento a recurso extraordinário ao afirmar a legitimidade ativa da Defensoria Pública para ajuizar ação civil pública em defesa de interesses difusos e coletivos quando envolver pessoas necessitadas.

RE 733433/MG, rel. Min. Dias Toffoli, 4.11.2015.


É cabível a concessão de indulto a pessoa que cumpre medida de segurança de caráter pessoal e detentivo.

O Supremo Tribunal Federal negou provimento a recurso extraordinário analisado em sede de repercussão geral, ao afirmar a possibilidade de concessão de indulto a pessoa que sofre medida de segurança de caráter pessoal e detentivo.

Primeiramente, cumpre enfatizar que a sanção penal é gênero do qual são espécies: 1) penas; e 2) medidas de segurança. Por isso, “pena é a sanção prevista em nosso ordenamento jurídico aos imputáveis, ao passo que a medida de segurança é reservada aos inimputáveis ou ‘semi-imputáveis’ em virtude de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.” (ESTEFAN, André. Direito penal: parte geral. 2ªed. Saraiva, São Paulo - 2012)

Sendo a medida de segurança espécie de sanção penal, a Corte consignou que o indulto traduz expressão do poder de graça do Estado aplicável a pessoa que, em razão de sua inimputabilidade ou semi-imputabilidade, sofre medida de segurança, ainda que de caráter pessoal e detentivo.

O Colegiado assinalou que a competência privativa do Presidente da República prevista no art. 84, XII, da CF abrange a medida de segurança, espécie de sanção penal, inexistindo restrição à concessão de indulto. Embora não seja pena em sentido estrito, é medida de natureza penal e ajusta-se ao preceito.

Interpretação semelhante já foi adotada pelo STF no julgamento do HC 84.219/SP, em que se atribuiu feição penal a medida de segurança para limitá-la ao prazo máximo de 30 anos.

Portanto, é cabível a concessão de indulto ao inimputável ou semi-imputável que cumpre medida de segurança.

RE 628658/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 4 e 5.11.2015.


É lícita prova obtida mediante entrada forçada em domicílio sem mandado de busca e apreensão quando há fundadas razões justificadas a posteriori da prática de crime permanente.

O STF firmou entendimento no sentido de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita quando amparada em fundadas razões devidamente justificadas a posteriori, as quais indiquem a situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, bem como de nulidade dos atos praticados.

No caso, o Supremo discutia a legalidade das provas obtidas mediante invasão de domicílio por autoridades policiais sem o devido mandado de busca e apreensão, quando há fundadas razões da prática de crime permanente.

Segundo o inciso XI do art. 5º da Constituição Federal, “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Desse dispositivo, extrai-se as hipóteses em que a Carta autoriza a entrada no domicílio sem o consentimento do morador; quais sejam: a) flagrante delito; b) desastre; c) prestação de socorro; e d) determinação judicial.

Os Ministros apontaram que nos crimes permanentes haveria um interregno entre a consumação e o exaurimento no qual o crime estaria em curso.

Caracterizada a situação de flagrante, seria viável o ingresso forçado no domicílio. Desse modo, por exemplo, no crime de tráfico de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33), estando a droga depositada em uma determinada casa, o morador estaria em situação de flagrante delito, sendo passível de prisão em flagrante.

Por outro lado, é necessário estabelecer uma interpretação que afirme a garantia da inviolabilidade da casa e também proteja os agentes da segurança pública, oferecendo orientação mais segura sobre suas formas de atuação.

Diante disso, a Corte firmou interpretação que fortalece o controle a posteriori, exigindo dos policiais a demonstração de que a medida fora adotada mediante justa causa, ou seja, que haveria elementos para caracterizar a suspeita de uma situação apta a autorizar o ingresso forçado em domicílio.

Para tanto, os Ministros utilizaram-se da fórmula prevista no art. 240, §1º, do Código de Processo Penal, o qual exige fundadas razões para a busca e apreensão domiciliar:

Art. 240.  A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 1o. Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem(...)

Dessa forma, concluiu o Supremo que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita quando amparada em fundadas razões devidamente justificadas a posteriori, as quais indiquem a situação de flagrante delito.

RE 603616/RO, rel. Min. Gilmar Mendes, 4 e 5.11.2015.


É nula produção antecipada de prova testemunhal fundada na simples possibilidade de esquecimento dos fatos.

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu habeas corpus de ofício para reconhecer a nulidade de prova produzida antecipadamente ao argumento de que “as testemunhas são basicamente policiais responsáveis pela prisão, cuja própria atividade contribui, por si só, para o esquecimento das circunstâncias que cercam a apuração da suposta autoria de cada infração”.

HC 130038/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 3.11.2015.


Nicola Patel Filho

Nicola Patel Filho é advogado, bacharel em Direito pela Universidade Barriga Verde (UNIBAVE), especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Escola do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Aprovado nos concursos de Delegado de Polícia de Polícia Civil no Estado do Paraná (2013) e de Delegado de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina (2015). Membro do Grupo de Estudos e Aperfeiçoamento de Polícia Judiciária da Associação de Delegados de Polícia de Santa Catarina. .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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