INEFICÁCIA DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

09/12/2018

 

O presente artigo tem como objetivo fazer uma crítica ao sistema penitenciário brasileiro apontando os meios sócio educativo dos apenados, a forma de cumprimento da pena, condições de ressocialização oferecida pelo Estado, dados estatísticos da população carcerária e também a espetacularização da tragédia carcerária que o sistema midiático vende em horário nobre. Diante da fragilidade do sistema carcerário em muitas unidades administradas pelo Estado mas, comandadas por fações criminosas, resta ao Estado repensar o modelo de reeducação do apenado, pois há muito tempo a Lei de Execução Penal cedeu lugar para os códigos de condutas das próprias fações.

A Lei de Execuções Penais LEP[1] disciplina o cumprimento da pena imposta ao condenado, a forma de cumprimento, direitos e deveres dos apenados, como direito ao trabalho e estudo durante o cumprimento da pena. O objetivo do legislador contemporâneo era propiciar meios de ressocialização digna ao apenado, pois a única certeza que o legislador tinha na época é de que o apenado iria sair da prisão e retornar ao convívio social. Motivo que o fez editar a referida lei visando a reintegração do apenado pelo estudo e trabalho e a liberdade gradativa através das progressões de pena.

Infelizmente passados 34 anos da edição da LEP pouco se fez do que a lei se propôs, basta uma breve consulta ao Site do CNJ[2] para comprovar a ineficácia do sistema. No levantamento atualizado em 08 de agosto de 2018 o total de presos era de 603.157 apenados. Do total dos presos 91,7% tem entre 18 e 45 anos de idade, ou seja, apenados em idade que poderiam contribuir produtivamente para o desenvolvimento social do país. Segundo o CNJ temo:

O balanço parcial do BNMP 2.0 já indica qual tipo de crime mais leva pessoas à prisão no Brasil. O roubo representa 27% dos crimes cometidos pela população carcerária. O tráfico de drogas corresponde a 24% do total de tipos penais atribuídos aos presos brasileiros. O terceiro artigo do Código Penal que mais motivou prisões – o homicídio – vem atrás, com 11%. Em comparação, a Lei Maria da Penha representa 0,96% dos crimes que levaram pessoas à prisão.

No estágio atual do Cadastro Nacional de Presos pelos tribunais, já estão disponíveis informações também sobre idade e nacionalidade da massa prisional. Mais da metade dos presos brasileiros tem até 29 anos de idade. A maioria dos presos (30,5%) tem entre 18 e 24 anos, a segunda faixa etária mais populosa (23,39%) do sistema é a de 25 a 29 anos.

Há de se pensar em tecnologias e medidas alternativas de cumprimento de penas, pois mais da metade da população carcerária tem entre 18 e 24 anos. Isso reflete a falta de políticas públicas de trabalho e educação na formação do jovem, pois onde o Estado deixou brechas a criminalidade apropriou-se.

 Por mais que o sistema de cumprimento da pena seja favorável no Brasil com medidas de progressões e remissões de pena, a falta de oportunidade e preconceito do empresariado brasileiro ainda é um fator a ser superado pela sociedade. Muitas vezes a reincidência do crime está justamente na falta de oportunidade ao preso posto em liberdade.

Nos últimos anos, ou meses, o sentimento popular de que “bandido bom é bandido morto” tomou corpo nas redes sociais e em alguns noticiários policiais, pois a audiência nessas notícias infelizmente é altíssima. Julga-se generalizadamente todos os atores do crime antes mesmo do magistrado proferir a sentença. Espetacularizou-se a notícia crime, muitas vezes a sentença já é dada ao réu com o peso da comoção social. Não raro vemos policias, delegados e promotores “Pop stars” nas mídias sociais e jornais. 

O simples encarceramento do apenado já é sabido que é ineficaz, e hoje em muitos presídios no Brasil o apenado já tem que optar pela facção criminosa que deve escolher para permanecer vivo no dentro do sistema. Considerando que mais da metade da população carcerária tem menos de 25 anos, estamos fornecendo mão de obra sadia e gratuita ao crime organizado. Se o Estado não inovar em outras formas de ressocialização dessa parcela que encarceramos anualmente, pouco podemos esperar do objetivo da LEP. 

O Estado deve criar outras formas de cumprimento de pena para jovem primários envolvidos em delitos leves. O roubo e tráfico de drogas representam respectivamente 27% e 24% dos apenados muitos desses primários.  Muitos desses egressos aderem às facções como seitas e se identificam com a organização com o sacrifício da própria vida, fazem pactos de conduta, envolvem familiares nas tarefas externas do crime. Com toda certeza, o sistema carcerário brasileiro não é um bom lugar para ressocializar um jovem primário que praticou um roubo sem vítima ou foi pego com uma quantidade ínfima de drogas. 

O Estado deve buscar alternativas de punibilidade visando a preservação da humanidade do apenado antes que o próprio sistema carcerário tire o que lhe resta de humanidade. Não é nenhuma novidade e quase visto com certa normalidade pela sociedade quando presos são decapitados em rebeliões, são torturados e estuprados dependendo dos delitos que cometeram.

Na verdade o que todos sabem é que o sistema prisional brasileiro é ultrapassado e não ressocializa ninguém, é um mero depósito de gente cumprindo pena privativa de liberdade. Quem dera o preso voltasse para a sociedade em condições melhores do que quando entrou, isso é que se propôs a Lei de execuções penais e o próprio Estado.

O que se percebe é que o legislador vem remendando o código penal para atender novas modalidades de crimes que poderia ser evitados se a lei fosse cumprida e o Estado cumprisse seu papal garantindo os mínimos sociais a população, com trabalho, educação, moradia e saúde.

Exemplo do remendo Estatal é o artigo 121 com o acréscimo do inciso VI, e VII, feminicídio e homicídio contra agentes de segurança. A raiz do problema ainda é a exclusão social e falta de Estado onde o crime germina.

Quando cumprida a pena o sentenciado está diante de um novo desafio: a aceitação social. Essa talvez seja o maior desafio da justiça estatal, fazer com que a sociedade aceite o ex detento como cidadão em direitos e oportunidades. Nas palavras de Francesco Carnelutti:

O processo termina, de fato, com a saída do encarcerado da prisão, mas a sua pena não. Melhor dizendo, o sofrimento da pena ainda continuará castigando lá fora. Ao sair da prisão, o detento sabe que já pagou por seus malfeitos e que novamente é um homem livre, mas as outras pessoas não o veem assim. [3]

Por fim, a realidade exige mudanças urgente de atitudes em todas as áreas sociais e humanas.

 

 

Notas e Referências

[1]LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984. Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

[2]Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87316-bnmp-2-0-revela-o-perfil-da-populacao-carceraria-brasileira . Acesso em 03.11.2018.

[3] CARNELUTTI, Francesco. AS misérias do Processo Penal / Francesco Carnelutti – Campinas, SP: Saraiva Editora 2012, página 155.

 

Imagem Ilustrativa do Post: illustration of gray wire // Foto de: izhar khan // Sem alterações

Disponível em: https://www.pexels.com/photo/illustration-of-gray-wire-690800/

Licença de uso: https://www.pexels.com/photo-license/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura