Por José Carlos Porciúncula – 06/04/2017 [1]
1. Introdução
É comum dizê-lo, mas convém não esquecer: já em 1985 (portanto, há mais de trinta anos), Günther Jakobs observava que nos sistemas jurídicos contemporâneos existem leis criminalizadoras que não seguem a lógica do Direito Penal Clássico ou Direito Penal do Cidadão (Bürgerstrafrecht). Tais leis, se vistas em conjunto, formam um corpus, cujos traços marcantes consistem na exacerbada antecipação da punibilidade (sem a correspondente redução da pena cominada ao delito) e na relativização das garantias materiais e processuais típicas de um Estado de Direito[2]. Estas leis regem-se por propósitos eficientistas, não estando preocupadas em otimizar esferas de liberdade[3]. Por meio delas, assinalava Günther Jakobs, o Estado não pretende dialogar com cidadãos, mas ameaçar inimigos. Não se trata da prevenção de delitos, mas sim da “neutralização de uma fonte de perigo, como em relação a um animal selvagem (...)”[4]. De acordo com Jakobs, os âmbitos nos quais o Direito Penal do Inimigo (Feindstrafrecht) se manifesta de forma mais evidente são os delitos sexuais, o tráfico ilícito de entorpecentes, a delinqüência econômica e, par excellence, a criminalidade organizada e o terrorismo.
Ao voltarmos os olhos para o nosso ordenamento jurídico, o diagnóstico de Jakobs parece se confirmar com impressionante exatidão[5], notadamente quando analisamos a recente Lei 12.850/13. Nela estão presentes todas aquelas características elencadas por Jakobs como próprias de um Direito Penal do Inimigo (Feindstrafrecht). Não seria exagerado, pois, se disséssemos, com profundo lamento, que a Lei 12.850/13 representa uma das mais vigorosas expressões, no ordenamento jurídico pátrio, de tal tendência emergencial e autoritária[6].
Neste trabalho, não apontaremos os inúmeros desafios constitucionais e dogmáticos que, a nosso sentir, encontram-se por trás de cada um dos artigos da Lei 12.850/13. As considerações críticas aqui expostas cingir-se-ão ao domínio da delação premiada (art. 4º da Lei 12.850/13). Trataremos de demonstrar que a delação premiada, enquanto instituto que adquiriu notoriedade com a, assim denominada, “luta contra o crime organizado”[7], também representa uma clara manifestação de um Direito Penal do Inimigo (Feindstrafrecht), violador das mais elementares e caras garantias de um Estado Democrático de Direito[8] [9].
2. Delação premiada e violação do Princípio do Estado de Direito (art. 1º, caput, da CF)
Não é preciso nenhum tour de force para perceber que o instituto da delação premiada viola frontalmente o princípio do Estado de Direito (Rechtsstaatsprinzip). Constitui dimensão essencial de tal princípio a noção de que o Estado deve perseguir os delitos, mas, por óbvio, não pode fazê-lo a qualquer preço[10]. Não é dado ao Estado, a pretexto de evitar a impunidade, valer-se, por exemplo, de meios imorais para tanto, equiparando-se, em certa medida, ao próprio delinqüente[11]. Como bem diz Winfried Hassemer, não é permitido ao Estado utilizar os meios empregados pelos criminosos, se não quer perder, por razões simbólicas e práticas, a sua superioridade moral[12]. E é justamente essa proeminência moral que é posta em xeque com a delação premiada: por meio de tal instituto, vê-se um Estado inescrupuloso, que estimula a traição e a deslealdade por meio da oferta de vantagens, fazendo do vício uma virtude, numa clara inversão de valores[13] [14].
Os efeitos daí decorrentes são devastadores: um Estado que abre mão de seus fundamentos éticos perde qualquer legitimidade para exigir dos seus cidadãos comportamentos adequados ao Direito[15]. Pois se o fizesse, incorreria em evidentíssimo venire contra factum proprium! Em termos de funções da pena, isso se traduz, fundamentalmente, numa completa eliminação da finalidade de prevenção-geral positiva, entendida como fortalecimento de valores ético-sociais por meio do castigo[16]. De fato, qualquer sentença condenatória que esteja assentada na violação de valores ético-sociais (como ocorre, por exemplo, no caso de sentenças condenatórias que tomem por base a palavra de delatores “comprados” pelo Estado) será absolutamente inidônea para a preservação de tais valores[17].
Em síntese, pode-se dizer que a finalidade de prevenção-geral positiva da pena somente pode ser alcançada quando a condenação se dá “com as mãos limpas”[18]. Por isso mesmo, deve o Estado encarar a proibição de utilização de meios imorais (cujo exemplo mais eloqüente seria a delação premiada) para a persecução e punição de delitos como uma espécie de “imperativo de autopurificação”[19].
Note-se que o próprio Código Penal Brasileiro valora negativamente a traição, a deslealdade. Com efeito, recorde-se que a traição é uma qualificadora do crime de homicídio; e o abuso de confiança, que nada mais é do que a traição,[20] qualifica o furto. Como é possível, então, que o ordenamento jurídico pátrio valore o mesmo fato (a traição), ora negativamente (como no homicídio e no furto), ora positivamente (como na delação)?
Num claro intuito de dar ares de eticidade à delação premiada, certos autores a tem comparado aos institutos da desistência voluntária, do arrependimento eficaz e do arrependimento posterior (arts. 15 e 16 do CP)[21]. Dizem: assim como ocorre em tais institutos, na delação premiada o Estado confere ao delinqüente a possibilidade de abandonar a sua empreitada ou, quando não, de se arrepender, de refazer seus laços com a sociedade, bastando, para tanto, que colabore efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, e que determinado(s) resultado(s) advenha(m) daí[22]; em troca, poderá até mesmo ser isento de pena.
Nada obstante, tal comparação parece-nos manifestamente inadequada. Senão vejamos. Ao longo da História do Direito Penal, várias teorias procuraram fundamentar a ausência de pena na desistência voluntária e no arrependimento eficaz. De acordo com a antiga “teoria político-criminal” (kriminalpolitische Theorie) ou “teoria da ponte de ouro” (Lehre von der goldenen Brücke), predominante na jurisprudência do Tribunal do Império Alemão (Reichsgericht), a desistência voluntária e o arrependimento eficaz constituem um estímulo para que o autor abandone a execução do fato ou, quando não, evite o resultado[23]. Já para a “teoria da graça ou do prêmio” (Gnaden- oder Prämientheorie), a ausência de punição na desistência voluntária e no arrependimento eficaz consiste numa recompensa ao autor por ter suspendido a execução do fato ou evitado o resultado[24]. Como expressam os adeptos dessa teoria, aquele que desiste voluntariamente ou evita o resultado compensa (em parte) a impressão juridicamente perturbadora de seu fato e, por isso mesmo, merece indulgência[25]. Por fim, pode-se fazer referência à “teoria dos fins da pena” (Strafzwecktheorie), considerada, hoje, dominante[26]. Segundo seus defensores, na desistência voluntária e no arrependimento eficaz a ausência de pena justifica-se pela inexistência de necessidades de prevenção especial e geral. Como argumenta Roxin, “a periculosidade da tentativa (...) já é eliminada pelo próprio autor que desiste; ademais, a impressão de uma perturbação jurídica, que ainda pode trazer consigo a punibilidade de tentativas carentes de perigo, é igualmente eliminada pela voluntariedade da desistência. O autor que desiste a tempo e de forma voluntária não subministra um mau exemplo para a coletividade, senão que, até certo ponto, confirma a vigência do Direito que, no final, ainda prevalece em seu comportamento”[27].
Mutatis mutandis, no arrependimento posterior a redução da pena explica-se por uma diminuição das necessidades de prevenção especial e geral, dada a reparação do dano ou restituição da coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente.
Ora, na delação premiada, ao contrário do que ocorre na desistência voluntária, no arrependimento eficaz e no arrependimento posterior, nem sempre é possível justificar-se a ausência de pena (ou sua redução) em razão da inexistência (ou abrandamento) de necessidades de prevenção especial e geral.
Tome-se o exemplo mais comum do delator que não só aponta os membros da organização criminosa (identificando as infrações penais por eles praticadas), como também revela a sua estrutura hierárquica. Ora, em tal hipótese, não há que se falar na diminuição da periculosidade do sujeito[28]. O simples fato de se prestar certas declarações não é prova da ausência de periculosidade, nem sequer demonstração de que se deseja percorrer o longo caminho da reintegração social. E isso é empiricamente demonstrável! Recorde-se o emblemático caso do mafioso Baldassare Di Maggio, membro da organização criminosa siciliana Cosa Nostra. Ao ser preso, acusado da prática de uma série de homicídios, Di Maggio resolveu tornar-se um collaboratore di giustizia, um pentito, ajudando a polícia italiana a capturar o seu antigo chefe, Salvatore Riina. Entretanto, tempos depois, descobriu-se que Di Maggio, mesmo após o seu (suposto) arrependimento, continuou cometendo novos crimes, tendo-se provado contra ele outros três homicídios.
Também não é possível falar-se, na mencionada hipótese, na ausência de necessidade de prevenção-geral positiva, seja ela entendida como fortalecimento de valores ético-sociais por meio da pena[29] (1), seja compreendida como demonstração da inviolabilidade do ordenamento jurídico[30] (2). (1) Na medida em que o delator pratica uma conduta manifestamente antiética, subministrando um mau exemplo para a coletividade, tais necessidades permanecem vivas. (2) Na medida em que o delator recebe benefícios por sua conduta (podendo até mesmo ser «agraciado» com o perdão judicial), a delação premiada passa a ser vista pela comunidade como uma espécie de license to violate the law[31], diminuindo-se, significativamente, a crença na inquebrantabilidade do ordenamento jurídico, razão pela qual tais necessidades permanecem vivas.
3. Delação premiada e violação dos princípios da obrigatoriedade, da legalidade (art. 5º, XXXIX, da CF) e da igualdade (art. 5º, caput, da CF)
A Lei 12.850/13, ao prever a possibilidade do Ministério Público não oferecer denúncia contra o delator (art. 4º, § 4º), relativizou o princípio da legalidade (na modalidade obrigatoriedade da ação penal)[32], adotando o princípio da oportunidade (rectius: discricionariedade regrada). Como se sabe, a lei 9.099/95 já havia mitigado o princípio da obrigatoriedade, ao admitir a transação nas infrações penais de menor potencial ofensivo. Mas o que a Lei 12.850/13 traz de novo, e que nos parece abstruso, é a adoção do princípio da discricionariedade regrada para o delito de organização criminosa![33]
Expliquemos as razões de nosso inconformismo. Historicamente, o princípio da obrigatoriedade surge em diversos diplomas processuais penais como garantia de que o Ministério Público, enquanto parte do Poder Executivo (subordinado ao Monarca e, por isso mesmo, visto com extrema desconfiança), perseguiria todo delito, independentemente da pessoa que o cometera[34]. E mais: tal princípio assentava-se na velha noção de justiça retributiva, segundo a qual dever-se-ia perseguir e punir, sem exceção, qualquer violação à lei penal[35]. Isso resta meridianamente claro quando lemos autores como Hobbes ou Kant. De fato, dizia Hobbes no Leviathan: “As leis penais determinam as penas devidas aos seus infratores e estão dirigidas unicamente aos servidores públicos obrigados à execução das penas”[36]. Numa linha muito próxima, pode-se ler em Kant: “A lei penal é um imperativo categórico” (“das Strafgesetz ist ein kategorischer Imperativ”)[37]. Trata-se, por óbvio, da premissa maior da conclusão racional «o delinqüente deve ser punido», que justamente por ser um imperativo categórico é incondicional (ao contrário dos imperativos hipotéticos, condicionais)[38].
Com a substituição da velha teoria retributiva[39] por teorias da prevenção geral e especial (segundo as quais a pena não é um fim em si mesmo, mas uma necessidade social), o princípio da obrigatoriedade perde, em parte, o seu fundamento material. Isso porque o Estado já não mais se preocupará com a persecução e punição de quaisquer crimes, mas somente daqueles em que estejam presentes necessidades de prevenção geral e especial[40]. De qualquer sorte, nas atuais democracias constitucionais o princípio da obrigatoriedade não foi deixado de lado, pois razões de igualdade exigem que o legislador determine previamente os pressupostos da sanção penal[41], não deixando a cargo das autoridades responsáveis pela persecução a decisão de quem deve ser punido em um caso concreto. As exceções a tal princípio costumam resultar da aplicação do princípio constitucional da proporcionalidade[42], a partir de uma demonstração de que, em certas situações, a pena não se faz necessária[43].
No Brasil, como já se disse, o próprio legislador estabeleceu exceções ao princípio da obrigatoriedade, o que se deu por meio dos arts. 98, I, da CF e 76 da Lei 9.099/95, que previram, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, a possibilidade de o Ministério Público deixar de oferecer ação penal, propondo, em seu lugar, a transação. E isso é perfeitamente justificável, pois um sistema (processual) penal que se paute por ideais preventivos já não estará preocupado com o esclarecimento de todos os delitos ou mesmo com a punição de todos os culpados; desde o princípio, já não será assunto seu todo tipo de criminalidade. Do contrário, estaria movendo-se por considerações retributivas e, seguramente, não estaria realizando nenhum serviço à liberdade[44].
Entretanto, o que nos parece verdadeiramente teratológico é a introdução em nosso sistema, por meio do art. 4º, § 4º, da Lei 12.850/13, do princípio da discricionariedade regrada para o delito de organização criminosa! Tem-se aí evidentíssima inconstitucionalidade, pois o art. 98, I, da CF limitou a possibilidade de consenso no processo penal às infrações penais de menor potencial ofensivo![45]
Veja-se que em alguns acordos de delação premiada firmados no bojo da “Operação Lava-Jato”, o Ministério Público Federal se compromete a não propor novas ações penais decorrentes dos fatos que são objeto do compromisso, bem como a suspender por 10 (dez) anos todos os processos em tramitação contra os delatores, numa claríssima violação dos princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade.
4. Delação premiada e violação do princípio da igualdade II (art. 5º, caput, da CF). A incompatibilidade da delação premiada com o art. 59, II, do CP.
Parece estar fora de qualquer dúvida que a prática da delação premiada implica em superlativa violação ao princípio da igualdade (art. 5º, caput, da CF). De fato, resulta flagrantemente iníquo que delatores, possivelmente aqueles que mais contribuíram para a organização criminosa (pois, se assim não fosse, não teriam muito a dizer e não despertariam o interesse do Ministério Público para a propositura de um acordo) recebam penas significativamente menores do que indivíduos que, por exemplo, tiveram uma participação absolutamente marginal no grupo.
Note-se, ainda, que o quantum da pena estabelecida para o delator (se não for o caso de não oferecimento da denúncia ou de perdão judicial) não guardará qualquer relação com a sua culpabilidade e com necessidades de prevenção geral e especial, explicando-se somente por uma razão pragmática, qual seja: a colaboração processual para fins probatórios![46]. A toda evidência, tem-se aí incontornável incompatibilidade com o art. 59 do CP, que dispõe: “O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos”.
5. Delação premiada e violação dos princípios da igualdade III (art. 5º, caput, da CF), da paridade de armas e do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF).
O princípio da paridade de armas (Waffengleichheit, em alemão; igualdad de armas, em espanhol; parità delle armi, em italiano) representa a manifestação de uma necessária igualdade das partes no processo penal[47]. Uma de suas condições de realização encontra-se na atribuição à defesa da mesma dignidade e dos mesmos poderes que o Ministério Público[48]. Deverá existir, pois, uma simetria entre ação e reação, imputação e defesa[49]. Como dizia Frederico Marques, “Dentro das necessidades técnicas do processo deve a lei propiciar a autor e réu uma atuação processual em plano de igualdade, deve dar a ambas as partes análogas possibilidades de alegação e prova”[50].
Não é demais lembrar que essa par conditio consiste num dos requisitos fundamentais do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF). Como já assinalou o Ministro Marco Aurélio, relator do RMS 21.884-DF: “acusação e defesa devem estar em igualdade de condições (...) A par conditio é inerente ao devido processo legal”. E mais recentemente, assinalou Sua Excelência: o “tratamento igualitário das partes é a medula do devido processo legal” (HC 83.255-SP, rel. Min. Marco Aurélio, 2003).
Ora, está claro que a delação premiada, enquanto meio de prova exclusivo da acusação[51], viola frontalmente e a um só tempo os princípios da igualdade (na modalidade paridade de armas) e do devido processo legal (due process of law).
6. Delação premiada e violação do princípio da irretroatividade da lei (processual) penal mais gravosa.
No Brasil, tem-se assistido a inúmeros acordos de delação premiada cujos objetos consistem em supostos fatos criminosos ocorridos antes da Lei 12.850/13[52]. Por óbvio, em relação ao delator, o art. 4º da referida lei apresenta-se como norma penal mais favorável. Entretanto, o mesmo não pode ser dito em relação ao delatado: aqui se está diante de norma penal que retroage para prejudicar o réu, em flagrante violação ao princípio da legalidade, na modalidade irretroatividade da lei penal mais gravosa (lex gravior).
Poder-se-ia questionar se o art. 4º da Lei 12.850/13 realmente contém norma de natureza material ou se, pelo contrário, trata-se de norma de caráter processual. Apesar da notória dificuldade em se realizar tal distinção, costuma-se considerar como material toda norma que diga respeito à ampliação ou restrição do ius puniendi[53]. Não é por outra razão que doutrina e jurisprudência classificam a prescrição penal como instituto de Direito material[54]. Desde esse ponto de vista, parece inquestionável que o art. 4º da Lei 12.859/13 possui natureza material, pois implica em evidente expansão do poder punitivo do Estado.
De qualquer sorte, ainda que se quisesse classificar o art. 4º da Lei 12.850/13 como norma processual penal, o certo é que também aqui vigoraria o princípio da irretroatividade da lei (processual) penal mais gravosa. Com efeito, doutrina e jurisprudência vêm, ao longo dos anos, percebendo que a velha máxima tempus regit actum não pode vigorar, sem exceção, para qualquer norma de caráter processual penal. Como assinala Américo Taipa de Carvalho, a aplicação indiscriminada da máxima tempus regit actum parte da obtusa compreensão de que as normas processuais possuem natureza meramente adjetiva, ignorando, portanto, que tais normas podem afetar diretamente a Direitos e Garantias fundamentais[55]. É o que se passa a demonstrar.
Estabelece o art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. E o inciso XL desse mesmo artigo dispõe que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Trata-se da positivação no ordenamento jurídico pátrio do princípio da legalidade, na modalidade irretroatividade da lei penal mais gravosa (nullum crimen, nulla poena sine lege praevia). Uma interpretação literal dos referidos dispositivos poderia conduzir-nos à disparatada conclusão de que se trata de uma garantia que somente abarca a lei penal material. Entretanto, se analisarmos a gênese histórica de tal princípio, que surge como salvaguarda frente a possíveis arbitrariedades do legislador, veremos que ele também abarca leis processuais penais que possam afetar diretamente a direitos fundamentais dos imputados. Aliás, essa parece ser a exata compreensão do Supremo Tribunal Federal, que no HC 96.905-RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 01/08/2011, proclamou que a garantia constitucional do due process of law abrange, em seu conteúdo material, o “direito de não ser processado e julgado com base em leis ‘ex post facto’”. Por sua vez, a Corte Constitucional Alemã (Bundesverfassungsgericht), apesar de entender que, em termos gerais, o princípio da irretroatividade somente é válido para leis penais mais gravosas, reconhece que, em certas situações, pode também ser válido para leis processuais penais[56]. Por fim, cabe mencionar a advertência feita pela Suprema Corte Americana em Collins v. Youngblood: “no que diz respeito à lei processual que afeta questões de substância ou de direito substantivo, o verdadeiro alcance não é estender a cláusula [de proibição de retroatividade] à lei processual, mas advertir que a mera classificação de uma lei com o rótulo de processual, em oposição à lei material, não exclui automaticamente tal lei do alcance da cláusula”[57].
Da mesma forma, a doutrina vem insistindo na validade do princípio da irretroatividade também para normas que, embora possuam natureza processual, impliquem na restrição de garantias fundamentais dos imputados. Na Alemanha, por exemplo, Günther Jakobs observa que “o princípio de legalidade, e com ele a proibição de retroatividade, deve chegar até onde seja necessária a garantia da objetividade. Por isso, tal proibição não se desfaz diante do Direito Processual”[58]. Na Espanha, por sua vez, Mir Puig é categórico ao afirmar que “(...) las normas procesales que restrinjan el contenido de derechos y garantías del ciudadano no pueden ser retroactivas”[59]. Ainda em terras Ibéricas, Cobo del Rosal e Vives Antón sustentam que “en todos aquellos casos en que una ley procesal posterior al delito suponga una disminución de las garantías o implique cualquier clase de restricción a la libertad, no regirá la regla tempus regit actum, sino que se aplicará la legislación vigente en el momento de realizarse la infracción, presupuesto material al que tales consecuencias ‘procesales’ se hallan, indiscutiblemente, ligadas”[60]. No Brasil, Grandinetti, já em 1998, sustentava que “Se a norma processual contém dispositivo que, de alguma forma, limita direitos fundamentais do cidadão, materialmente assegurados, já não se pode defini-la como norma puramente processual, mas como norma processual com conteúdo material ou norma mista. Sendo assim, a ela se aplica a regra de direito intertemporal penal e não processual”[61]. Por sua vez, Aury Lopes Jr., depois de advertir corretamente que não se pode pensar o Direito Penal e o Direito Processual Penal como compartimentos estanques[62], afirma que “as regras da retroatividade da lei penal mais benéfica devem ser compreendidas dentro da lógica sistêmica, ou seja, retroatividade da lei penal ou processual penal mais benéfica e vedação de efeitos retroativos da lei (penal ou processual penal) mais gravosa ao réu. Portanto, impõe-se discutir se a nova lei processual penal é mais gravosa ou não ao réu, como um todo. Se prejudicial, porque suprime ou relativiza garantias (...) limitar-se-á a reger os processos relativos às infrações penais consumadas após a sua entrada em vigor”[63]. Nessa mesma linha, Gustavo Badaró anota que “Todas as normas que disciplinam e regulam, ampliando ou limitando, direitos e garantias pessoais constitucionalmente assegurados, mesmo sob a forma de leis processuais, não perdem o seu conteúdo material (...) Assim, quanto ao direito processual intertemporal, o intérprete deve, antes de mais nada, verificar se a norma, ainda que de natureza processual, exprime garantia ou direito constitucionalmente assegurado ao suposto infrator da lei penal. Para tais institutos, a regra de direito intertemporal deverá ser a mesma aplicada a todas as normas penais de conteúdo material, qual seja a da anterioridade da lei, vedada a retroatividade da lex gravior”[64]. Rubens Casara e Antônio Pedro Melchior, por seu turno, advertem que “Somente as normas tipicamente procedimentais, como aquelas destinadas a reger meros atos de comunicação processual, sem desdobramentos no conjunto de garantias (...) podem ser regidas pela máxima do tempus regit actum. A regra, porém, é a irretroatividade da norma, sempre que esta representar uma garantia contra a opressão”[65]. E, por fim, mas não com menor ênfase, Paulo Queiroz defende que
“a irretroatividade da lei penal deve também compreender, pelas mesmas razões, a lei processual penal, a despeito do que dispõe o art. 2° do Código de Processo Penal, que determina, como regra geral, a aplicação imediata da norma, vez que deve ser (re) interpretado à luz da Constituição Federal. Portanto, sempre que a nova lei processual for prejudicial ao réu, porque suprime ou relativiza garantias – v.g., adota critérios menos rígidos para a decretação de prisões cautelares, veda a liberdade provisória mediante fiança, restringe a participação do advogado ou a utilização de algum recurso etc. -, limitar-se-á a reger as infrações penais consumadas após a sua entrada em vigor; afinal, também aqui, a lei deve cumprir sua função de garantia, de sorte que por norma processual menos benéfica se há de entender toda disposição normativa que importe em diminuição de garantias, e, por mais benéfica, a que implique o contrário: aumento de garantias processuais”[66].
7. Subversão dos papéis atribuídos aos sujeitos no Processo Penal
A delação premiada produz uma séria subversão dos papéis tradicionalmente atribuídos aos sujeitos no Processo Penal. Senão, vejamos.
A) Os imputados, sejam eles culpados ou inocentes, temerão os custos e os riscos de um processo penal e, certamente, sentir-se-ão impulsionados (rectius: coagidos!) a celebrar acordos de delação premiada, abdicando, assim, de importantes direitos consagrados em nossa Constituição, a exemplo da presunção de inocência, do contraditório e da ampla defesa (todos, como se sabe, conformadores do due process of law)[67].
B) Os advogados agilizarão o seu trabalho e, ainda assim, manterão o padrão de seus honorários, correndo-se o sério risco de que, na busca de um rápido acordo priorizem interesses pessoais em detrimento do benefício de seus clientes. Defesa e acusação unirão esforços para que o imputado se declare culpado, numa claríssima desnaturação do sistema acusatório[68] [69], entendido como spettacolo dialettico[70], cujas características marcantes encontram-se não só na rígida separação entre juiz e acusação, como também no contraditório e na possibilidade de resistência (defesa)[71].
C) O Ministério Público renunciará ao seu papel constitucional de demonstrar em juízo e em contraditório a responsabilidade penal dos acusados. Em seu lugar, tentará agir diretamente sobre os suspeitos, visando torná-los colaboradores e, assim, fonte de prova[72]. Entre as várias formas de pressioná-los a aceitar o acordo de delação premiada seguramente ocuparão um lugar de “destaque” a abjeta prática do overcharging e, inclusive, como demonstra a experiência comparada, a não menos ignominiosa ameaça de imputar crimes a familiares[73].
D) Os magistrados apoiarão a delação premiada, pois ela implicará uma significativa redução do seu trabalho, e sentir-se-ão inclinados a sentenciar de forma mais severa todo aquele que “ouse” insistir na demonstração de sua inocência[74]. Em perfeita simbiose com o Ministério Público, e numa autêntica quebra do sistema acusatório, decretarão prisões provisórias sem qualquer traço de cautelaridade, cujo único objetivo será forçar o indivíduo a aceitar um acordo de delação premiada.
D) A sociedade sentir-se-á absolutamente satisfeita e aplaudirá a adoção de tais medidas excepcionais. Dirá que elas são necessárias ao “combate” de crimes de altíssima gravidade, que supostamente “põem em cheque” os fundamentos do Estado Democrático de Direito. Entretanto, não perceberão o paradoxo daí resultante[75]: para combater delitos que pretensamente ameaçam as bases do Estado Democrático de Direito, violar-se-ão inúmeros Direitos Fundamentais, alicerces do próprio Estado Democrático de Direito![76]
8. Risco de sobrevalorização das declarações do delator.
Um dos maiores riscos da delação premiada é, certamente, o de sobrevalorização das declarações do delator. Por óbvio, poder-se-ia objetar que esse risco não existe, pois o art. 4º, § 16, da Lei 12.850/13 determina que “Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador”. Aliás, antes mesmo desse dispositivo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já era pacífica no sentido de que a “chamada de co-réu” não tem valor probatório algum se isoladamente considerada[77]. De mais a mais, trata-se de regra presente também em ordenamentos jurídicos alienígenas. Assim, nos Estados Unidos, as declarações do delator não têm valor probatório per se, exigindo-se uma corroborating evidence[78]. Por sua vez, na Itália, o art. 192 comma 3 do Codice di Procedura Penale estabelece que “Le dichiarazioni rese dal coimputato del medesimo reato o da persona imputata in un procedimento connesso a norma dell’art. 12 sono valutate unitamente agli altri elementi di prova che ne confermano l’attendibilità”[79].
A exigência de uma prova corroborativa poderia, de fato, excluir o risco de sobrevalorização das declarações do delator. Entretanto, a experiência tem demonstrado a implementação de uma série de artifícios e argumentos falaciosos que buscam contornar tal regra. Entre os artifícios encontram-se (A) a solicitação para que o próprio delator apresente documentos que, supostamente, corroborariam a veracidade de suas declarações e (B) a corroboração mútua (mutual corroboration). Entre os argumentos falaciosos que se destinam à usurpação de tal regra encontra-se (C) a alegação de que a exigência de uma prova corroborativa, em tais casos, violaria o princípio do livre convencimento fundamentado.
(A) Uma prática bastante comum é a de se requisitar ao próprio delator a apresentação de elementos (por exemplo: documentos) que possam corroborar as suas declarações. A toda evidência, trata-se de estratagema utilizado com a finalidade de se contornar o real alcance da norma insculpida no art. art. 4º, § 16, da Lei 12.850/13. Senão vejamos. A exigência legal de que nenhuma sentença condenatória seja proferida com base, única e exclusivamente, nas palavras do delator, fazendo-se necessária prova corroborativa dos fatos por ele apresentados, nada mais é do que uma solução para o problema do vício de origem de suas declarações[80]. Justamente por serem provenientes de uma fonte de prova espúria, já que suspeita, as declarações do delator são vistas com absoluta cautela e desconfiança, somente adquirindo credibilidade por meio de uma confirmação proveniente de uma fonte independente[81]. Ora, se assim é, qualquer elemento que provenha do delator não poderá ser considerado como uma autêntica prova corroborativa, por ausência daquela independência à qual se fez referência. Elementos trazidos pelo próprio delator serão elementos derivados de uma fonte espúria e, portanto, espúrios.
(B) Outra prática recorrente é a da corroboração mútua (mutual corroboration). Trata-se de um artifício que consiste em considerar as declarações de um delator como prova corroborativa das declarações de outro delator, e vice-versa. Mas isso é absurdo: de fato, se as declarações do delator são vistas, pelo próprio legislador, com desconfiança e cautela, pois, repita-se, configuram elementos que provêm de fonte suspeita, como admitir que sua corroboração ocorra com base em elementos que ostentam a mesma natureza impura e, portanto, a mesma debilidade?[82] Por isso mesmo, como proclamou recentemente o eminente Ministro Celso de Mello, relator da PET 5.700/DF, “(...) o Estado não poderá utilizar-se da denominada ‘corroboração recíproca ou cruzada’, ou seja, não poderá impor condenação ao réu pelo fato de contra este existir, unicamente, depoimento de agente colaborador que tenha sido confirmado, tão somente, por outros delatores (...)”.
(C) Por fim, enfrentemos a alegação de que a exigência de uma prova corroborativa, nesses casos, violaria o princípio do livre convencimento fundamentado, numa espécie de retorno ao sistema das provas legais ou tarifadas. Esta é uma alegação verdadeiramente equivocada, pois o art. 4º, § 16, da Lei 12.850/13 não pretendeu instituir nenhuma hierarquia entre as provas, mas apenas estabelecer um controle epistemológico sobre as declarações provenientes do delator, justamente em razão da debilidade ontológica de tal fonte. Por isso mesmo, adotou um regime de prova legal negativa: não estabeleceu o que seria necessário para a condenação; considerou apenas que as declarações do delator são insuficientes per se para a condenação do delatado, sendo imprescindível para tanto a existência de provas corroborativas[83]. Trata-se de uma questão de restrição legal (e não de hierarquia!) da prova, instituída, repita-se, em razão do diminuto grau de confiabilidade das palavras do delator e como garantia do delatado.
9. Voluntariedade da delação, prisão cautelar, overcharging e bluffing
O art. 4º da Lei 12.850/13 estabelece como um dos requisitos da delação premiada a “voluntariedade”. Entretanto, e paradoxalmente, a experiência tem demonstrado que inúmeros acordos de delação são celebrados por indivíduos que se encontram presos cautelarmente e que, portanto, estão submetidos a um grau tal de pressão que se torna impossível constatar qualquer traço de voluntariedade em suas decisões[84]. A (humana) tentação de se ver livre de uma situação verdadeiramente degradante faz com que, não raras vezes, o sujeito admita a prática de crimes, inventando fatos e apontando inocentes como culpados. Acordos de delação celebrados em tais condições dificilmente podem ser classificados como voluntários.
Considere-se ainda a seguinte situação: o indivíduo decide celebrar um acordo de delação premiada porque sabe que o exercício do seu direito de defesa poderá implicar um tratamento mais severo por parte do juiz. Também nesses casos não é possível falar-se em voluntariedade. Aliás, em Bordenkircher v. Hayes, a Suprema Corte Americana declarou a impossibilidade de se punir mais severamente aquele que não adere ao Plea Bargaining e decide fazer uso do seu direito constitucional de defesa[85]. E em United States v. Pearce, a Corte Federal de Apelação do 4º Circuito proclamou que o juiz não pode fazer uso do seu sentencing power para colocar os indivíduos numa posição tal que se vejam obrigados a fazer “unfree choices”[86].
Para além dessas hipóteses, há outras situações que certamente tem a capacidade de suprimir a voluntariedade de um acordo de delação premiada. Pense-se nas detestáveis, porém freqüentes práticas do A) overcharging e B) bluffing. A) No overcharging, o Ministério Público imputa ao sujeito crimes dos quais sabe que é inocente. Também é bastante comum o sobredimensionamento do número de imputações. Por exemplo, desconsidera-se a continuidade delitiva, atribuindo-se ao sujeito um crime por cada ação praticada; ou até mesmo ignora-se o concurso aparente de normas, numa tentativa de punir o mesmo fato duas vezes (bis in idem). Tudo isso somente para compelir o sujeito a um acordo. B) No bluffing, por sua vez, o Ministério Público, como a própria expressão indica, blefa a respeito de supostas provas que possui contra o sujeito, atemorizando-o e constrangendo-o a celebrar um acordo sob um véu de ignorância (veil of ignorance). Parece óbvio que, nesses casos, é impossível falar-se em voluntariedade[87].
Foi exatamente por isso que em Brady v. Maryland, a Suprema Corte Americana pronunciou-se pela inadmissibilidade de confissão obtida por meio do uso abusivo do poder de acusar (charging power). Através da, assim denominada, Brady Rule, a Corte estabeleceu a proibição do bluffing e a consequente obrigação da acusação de apresentar todas as evidências favoráveis ao sujeito, evitando-se, assim, a realização de confissões in the dark[88]. Em absoluta consonância com tal decisão, a regra 11 das Federal Rules of Criminal Procedures determina que a validade do guilty plea depende não só do seu caráter voluntário, mas também do conhecimento que o sujeito possui da situação. Na realidade, a própria voluntariedade do acordo está condicionada ao conhecimento do sujeito: sua decisão somente será considerada voluntária se ele tinha plena consciência das circunstancias do acordo. De fato, como observa Petegorsky, “Rather than treating “knowing” and “voluntary” as two separate criteria, the [Supreme] Court generally treats them as one requirement, asking whether a guilty plea meets the ´knowing and voluntary´ standard”[89].
Já em People v. Musselwhite, a Suprema Corte da Califórnia observou que “Lies told (…) to a suspect under questioning can affect the voluntariness of an ensuing confession (…)”[90].
Ora, mutatis mutandis, tais considerações devem ser válidas também para acordos de delação premiada. A higidez de um acordo dependerá de sua voluntariedade e, por isso mesmo, da plena consciência da situação por parte do sujeito. Por certo, recentemente, para estupefação geral, ilustres membros do Ministério Público Federal anunciaram, com enorme regozijo, que lançaram “um grande 171” na “cabeça” de presos na Operação Lava Jato. Por meio de um trick, consistente na divulgação de notícias falsas de que determinados sujeitos estariam prestes a fazer ou já teriam feito um acordo de delação, pretendiam obter a celebração de novos acordos[91]. A coação aqui é manifesta: logo após a divulgação desses boatos, inaugura-se uma espécie de “corrida pela delação”, pois cada sujeito, isoladamente considerado, sabe que quanto maior o número de acordos de delação celebrados, menores serão as suas chances com o Ministério Público[92]. As portas se fecham, notadamente quando se tratam de sujeitos que possuem as mesmas informações: o acordo de um implicará necessariamente no desinteresse por parte do Ministério Público em negociar com o outro. Transforma-se, assim, o processo penal numa espécie de “mercado persa”, onde o lema parece ser “first in, best out!” (“quem chegar primeiro, leva!”)[93].
10. Um conúbio deveras cruel: prisão cautelar e delação premiada
Tornam-se cada vez mais freqüentes os casos em que prisões são decretadas somente para forçar o indivíduo a se tornar um delator. Tais medidas, por óbvio, não tem qualquer traço de cautelaridade, servindo apenas como forma de coagir o sujeito a celebrar um acordo. Aliás, prova disso é que, recentemente, um ilustre membro do Ministério Público Federal declarou que “passarinho para cantar precisa estar preso”. Não se faz necessário discorrer a respeito da patente ilegalidade de tais prisões. De qualquer sorte, registre-se aqui que, para evitar esse lamentável fenômeno, o legislador italiano estabeleceu expressamente no art. 274 lett. a do Codice di Procedura Penale que “(...) Le situazioni di concreto ed attuale pericolo [periculum libertatis, JCP] non possono essere individuate nel rifiuto della persona sottoposta alle indagini o dell'imputato di rendere dichiarazioni (...)”.
11. Uma triste, porém inevitável conclusão: delação premiada como manifestação de um Direito Penal do Inimigo (Feindstrafrecht).
A exposição que se acaba de fazer não deixa dúvidas a respeito do acerto de nossa hipótese inicial de trabalho: a delação premiada consiste num instituto que se rege por uma lógica eficientista e que implica na violação de inúmeras garantias constitucionais (materiais e processuais). Por isso mesmo, pode ser caracterizada como manifestação de um Direito Penal do Inimigo. Quod erat demonstrandum.
A delação premiada é um perfeito exemplo dessa lancinante realidade. Temos a obrigação de denunciá-la como um instrumento fundamentalmente imoral, inconstitucional e irracional. Enfim, ultrajante![94]
Notas e Referências:
[1] O autor agradece sinceramente os comentários, observações e sugestões dos eminentes Professores Geraldo Prado, Paulo Queiroz, Rômulo Moreira, Ademar Borges, Artur Ferrari e Vinícius Arouck.
[2] Cfr. Jakobs, Kriminalisierung im Vorfeld einer Rechtsgutsverletzung in ZStW 97, 1985, págs. 753 e ss. (em sentido crítico). Posteriormente, numa linha descritiva, Jakobs, Das Selbstverständnis der Strafrechtswissenschaft vor den Herausforderungen der Gegenwart (Kommentar) in Eser/Hassemer/Burkhardt (edts.), Die Deutsche Strafrechtswissenschaft vor der Jahrtausendwende, München, 2000, pág. 52; o mesmo, Personalität und Exklusion im Strafrecht in Spinellis-FS, Athen, 2001, págs. 447 e ss.; o mesmo, Derecho penal del ciudadano y Derecho penal del enemigo in Jakobs/Cancio Meliá, Derecho penal del enemigo, Madrid, 2003, págs. 19 e ss.; o mesmo, Terroristen als Personen im Recht? in ZStW 117, 2005, págs. 838 e ss.; o mesmo, Feindstrafrecht? Eine Untersuchung zu den Bedingungen von Rechtlichkeit in HRRS 2006, págs. 289 e ss.; o mesmo, La Pena Estatal: Significado y Finalidad, Navarra, 2006, págs. 167 e ss. Da (já) extensa bibliografia sobre o tema cfr. as seguintes coletâneas de artigos: Cancio Meliá/Gómez-Jara Díez (edts.), Derecho Penal del Enemigo. El Discurso Penal de la Exclusión, vols. I e II, Buenos Aires, 2006; Vormbaum (edt.), Kritik des Feindstrafrechts, Berlin, 2009. Cfr., ademais, os trabalhos de Pérez del Valle, Zur rechtsphilosophischen Begründung des Feindstrafrechts in Jakobs-FS, págs. 515 e ss.; Polaino Navarrete, Die Funktion der Strafe beim Feindstrafrecht in Jakobs-FS, págs. 529 e ss.; Polaino-Orts, Derecho Penal del Enemigo. Fundamentos, Potencial de Sentido y Límites de Vigencia, Barcelona, 2009; o mesmo, La legitimación constitucional de un Derecho penal sui generis del enemigo frente a la agresión a la mujer in InDret 3, 2008, págs. 1 e ss.; González Cussac, El renacimiento del pensamiento totalitario en el seno del Estado de derecho: la doctrina del Derecho penal del enemigo in RP 19, 2007, págs. 52 e ss.; Gracia Martín, Consideraciones críticas sobre el actualmente denominado “Derecho penal del enemigo” in RECPC 7, 2005, págs. 1 e ss.; Cancio Meliá, ¿«Derecho penal» del enemigo? in Derecho penal del enemigo, págs. 57 e ss.; Muñoz Conde, De la tolerancia cero al Derecho penal del enemigo, Managua, 2005; Demetrio Crespo, Del «Derecho penal liberal» al «Derecho penal del enemigo» in Serta: In memoriam Alexandri Baratta, págs. 1.027 e ss.; Sousa e Brito, O inimigo em Direito Penal in RLD 2007, págs. 77 e ss.; Portilla Contreras, El Derecho penal y procesal del “enemigo”. Las viejas y nuevas polítias de seguridad frente a los peligros internos-externos in Bacigalupo-LH , Tomo I, págs. 693 e ss.; Zaffaroni, El enemigo en el Derecho penal, Buenos Aires, 2006; Jiménez Redondo, El diablo como persona en derecho. Sobre la idea de Günther Jakobs de “Derecho penal del enemigo” in Vives Antón-LH, Tomo II, Valencia, 2009, págs. 1.061 y ss.; Pawlik, Der Terrorist und sein Recht. Zur rechtstheoretischen Einordnung des modernen Terrorismus, München, 2008; Aponte, Krieg und Feindstrafrecht, Baden-Baden, 2002; o mesmo, Krieg und Politik – Das Politische Feindstrafrecht im Alltag in HRRS 2006, págs. 297 e ss.; Greco, Feindstrafrecht, Zürich, 2010; Bung, Feindstrafrecht als Theorie der Normgeltung und der Person in HRRS 2006, págs. 63 e ss.; o mesmo, Zurechnen-Können, Erwarten-Dürfen und Vorsorgen-Müssen. Eine Erwiderung auf Günther Jakobs in HRRS 2006, pp. 317 y ss.; Arnold, Entwicklungslinien des Feindstrafrechts in 5 Thesen in HRRS 2006, págs. 303 e ss.; Malek, Feindstrafrecht – Einige Anmerkungen zur Arbeitsgruppe “Feindstrafrecht – Ein Gespenst geht um im Rechtsstaat” auf dem 30. Strafverteidigertag 2006 in HRRS 2006, págs. 316 e ss. Também Silva Sánchez, em 2001, apontava para a presença nos sistemas jurídicos de todo o mundo de um “Direito Penal de Terceira Velocidade”, cuja característica marcante consistiria na relativização das garantias processuais e na flexibilização das regras de imputação. Cfr. Silva Sánchez, La Expansión del Derecho Penal. Aspectos de la política criminal en las sociedades postindustriales, 2ª ed., Madrid, 2001, págs. 163 e ss.
[3] Jakobs, Kriminalisierung im Vorfeld einer Rechtsgutsverletzung, pág. 756.
[4] Jakobs, La Pena Estatal, págs. 168-169.
[5] Em termos gerais, considera acertado o diagnóstico de Jakobs, Ragués i Vallès, El «Derecho penal del enemigo» en la Expansión del Derecho Penal in Robles Planas/Sánchez –Ostiz Gutiérrez (coords.), La crisis del Derecho penal contemporâneo, Barcelona, 2010, págs. 91 e ss.
[6] Moccia, Prospettive non ‘emergenziali’ di controlo dei fatti di criminalità organizzata. Aspetti dommatici e di politica criminale in Moccia (edt.), Criminalità Organizzata e Risposte Ordinamentali: Tra Efficienza e Garanzia, Napoli, 1999, p. 151, resume a questão em termos absolutamente precisos: “La legislazione penale contro la criminalità organizzata rappresenta uma tipica espressione di normativa emergenziale, con tutti i difetti che connotano questo tipo di provvedimenti: aprossimazione, caoticità, rigorismo repressivo, simbolicità, caduta in termini di garanzie”. Numa mesma linha, cfr. Rovito, Mentalità emergenziale e crimine organizzato: profili storici in Criminalità Organizzata e Risposte Ordinamentali, págs. 11 e ss., com um interessantíssimo excursus histórico sobre o tema; Zaffaroni, Il crimine organizzato: una categorizzazione fallita in Criminalità Organizzata e Risposte Ordinamentali, págs. 84 e ss. Sobre a problemática do, assim denominado, “Direito Penal Emergencial” cfr. Moccia, La perenne emergenza: tendenze autoritarie nel sistema penale, Napoli, 2011, passim. Sica, Direito penal de emergência e alternativas à prisão, São Paulo, 2002, passim. Sobre a problemática do “processo penal emergencial” cfr. Chouckr, Processo Penal de Emergência, Rio de janeiro, 2002, passim. Cardoso Pereira, Agente encubierto como medio extraordinario de investigación, Perspectivas desde el garantismo procesal penal, Bogotá, 2013, págs. 183 e ss.
[7] É certo, como observa Ferrajoli, Diritto e Ragione: Teoria del Garantismo Penale, 9ª ed., Roma/Bari, 2008, pág. 625, que “(...) la pratica dela contrattazione e dello scambio tra confessione e delazioni da una parte e impunità o riduzioni di pena dall´altra è sempre stata uma tentazione ricorrente nella storia del diritto penale (...)”. Mas também é correto, como assinalam alguns autores, que tal instituto ganha notoriedade no campo da “luta contra o crime organizado e contra o terrorismo”. Cfr. Kneba, Die Kronzeugenregelung des § 46 StGB, Berlin, 2011, em especial, págs. 29-30; Foffani/Orlandi, Organisierte Kriminalität und Kriminelle Organisationen in Italien in Gropp/Sinn (edts.), Organisierte Kriminalität und Kriminelle Organisationen. Präventive und repressive Maßnahmen vor dem Hintergrund des 11. September 2001, Baden-Baden, 2007, pág. 244; Fiore, Modelli di intervento sanzionatorio e criminalità organizzata: pericolose illusioni e inquietanti certezze della recente legislazione antimafia in Criminalità Organizzata, pág. 266.
[8] Nesse sentido, cfr. Roxin/Schünemann, Strafverfahrensrecht. Ein Studienbuch, 28ª ed., München, 2014, § 14/19.
[9] Como bem resume Ferrajoli, Diritto e Ragione, pág. 780, ao discorrer sobre o patteggiamento penale: “Ne risulta scardinato l’intero sistema delle garanzie: il nesso causale e proporzionale tra la pena e il reato, dato que la misura dela prima dipenderà, bem più che dalla gravita del secondo, dell´abilità negoziale della difesa, dallo spirito d’avventura dell’imputato e dalla discrezionalità dell’accusa; i principi di uguaglianza, di certeza e di legalità penale, non esistendo nessun criterio legale che condizioni la severità o l’indulgenza del pubblico ministero e che disciplini la partita da lui ingaggiata con l’imputato; l’inderogabilità del giudizio, che vuol dire infungibilità della giurisdizione e delle sue garanzie, nonché l’obbligatorietà dell’azione penale e l’indisponibilità delle situazioni penali, eluse di fatto dal potere del pubblico ministero di mandar libero l’imputato che si dichiari colpevole; la presunzione d’innocenza e l’onere accusatorio della prova, negati sostanzialmente se non formalmente dal primato assegnato alla confessione interessata e dal ruolo di subordinazione dell’indiziato assegnato all´accusa e magari alla difesa; il principio del contraddittorio, che richiede il conflitto e la netta separazione dei ruoli tra le parti processuali”.
[10] Cfr. Jung, Der Kronzeuge – Garant der Wahrheitsfindung oder Instrument der Überführung? in ZRP 1986, pág. 40; Volk, Grundkurs StPO, 5ª ed., München, 2006, § 3/1.
[11] Zaffaroni, Il crimine organizzato: una categorizzazione fallita, pág. 85.
[12] Hassemer, Rechtsstaatliche Grenzen bei der Bekämpfung der Organisierten Kriminalität in Freiheitliches Strafrecht, Berlin, 2001, pág. 173: “Der Staat braucht, auch im Angesicht der Bevölkerung, eine moralische Überlegenheit über das Verbrechen, die sich nicht nur normativ begründet, sondern auch praktisch-symbolisch zeigt. Er darf verbrecherische Methoden nicht verwenden, weil er sonst diese Überlegenheit und damit langfristig seine Glaubwürdigkeit und das Vertrauen der Bevölkerung in die rechtliche Ordnung des Staates gefährdet”. Já antes, Radbruch, Grenzen der Kriminalpolizei in Sauer-FS, Berlin, 1949, pág. 125; Schmidt, Lehrkommentar zur Strafprozessordnung und zum Gerichtsverfassungsgesetz, vol. II, Göttingen, 1957, pág. 358.
[13] Consideram imoral e/ou antiética a figura da delação premiada, entre outros, Paeffgen, Strafprozess im Umbruch oder: Vom unmöglichen Zustand des Strafprozessrechts in StV 1999, pág. 627; Zaffaroni, Il crimine organizzato: una categorizzazione fallita, pág. 85; Sancinetti, Exigencias mínimas de la dogmática del hecho punible en la parte general de los Códigos Penales in RDPC 8, 2001, pág. 258; Bitencourt/Busato, Comentários à Lei de Organização Criminosa, São Paulo, 2014, págs. 115 e ss.; Moreira, Curso temático de Direito Processual Penal, 2ª ed., Curitiba, 2010, págs. 366 e ss.; Gomes/Cervini, Crime Organizado, São Paulo, 1995, págs. 132 e ss.; Silva Franco, Crimes Hediondos, 5ª ed., São Paulo, 2005, pág. 359; Coutinho/Carvalho, Acordos de delação premiada e o conteúdo ético mínimo do Estado in Revista Jurídica 54, 2006, págs. 91 e ss.; Camargo Penteado, Delação Premiada in Faria Costa/Marques da Silva (coords.), Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais. Visão Luso-Brasileira, São Paulo, 2006, págs. 638 e ss.
[14] Não é por acaso que, em inglês, utiliza-se a expressão “to rat on someone” para significar “delatar alguém”.
[15] Cfr. Zaffaroni/Batista/Alagia/Slokar, Direito Penal Brasileiro, vol. I, 2ª ed., Rio de Janeiro, 2003, pág. 243.
[16] Nesse sentido, Welzel, Das Deutsche Strafrecht, 11ª ed., Berlin, 1969, pág. 5.
[17] Cfr. Dencker, Verwertungsverbote im Strafprozess. Ein Beitrag zur Lehre von den Beweisverboten, Köln, 1977, págs. 60 e ss.
[18] A expressão é de Radbruch, Grenzen der Kriminalpolizei, pág. 125.
[19] A expressão é de Dencker, Verwertungsverbote im Strafprozess, pág. 65.
[20] Hungria, Comentários ao Código Penal, vol. VII, 2ª ed., Rio de Janeiro, 1958, pág. 42: “Abuso de confiança (...) Consiste na traição, por parte do agente, da confiança (...)”.
[21] Na Alemanha, traçam um paralelo entre a delação premiada e o instituto da desistência voluntária (tanto na tentativa inacabada quanto na tentativa acabada), Behrendt, Überlegungen zur Figur des Kronzeugen im Umweltstrafrecht in GA 1991, pág. 338; Hoyer, Die Figur des Kronzeugen – Dogmatische, verfahrensrechtliche und kriminalpolitische Aspekte in JZ 1994, págs. 238 e ss.; Fabel, Geldwäsche und tätige Reue, Marburg, 1997, pág. 173.
[22] Tais resultados estão elencados nos diversos incisos do art. 4º da Lei 12.850/13. Como determina a própria norma, para que o benefício seja concedido, basta que um dos resultados ocorra.
[23] Defendem tal teoria, entre outros, Feuerbach, Kritik des Kleinschrodischen Entwurfs zu einem peinlichen Gesetzbuche für die Chur-Pfalz-Bayerischen Staaten, Tomo II, Giesen, 1804, págs. 102 e ss.; von Liszt, Lehrbuch des deutschen Strafrechts, 1ª ed., Berlin, 1881, pág. 143; Puppe, Der halbherzige Rücktritt in NStZ 1984, pág. 490; Weinholt, Rettungsverhalten und Rettungsvorsatz beim Rücktritt vom Versuch, Baden-Baden, 1990, págs. 31-32; Cuello Calón, Derecho Penal. Parte General, 18ª ed., Barcelona, 1981, pág. 649; Antón Oneca/Rodríguez Muñoz, Derecho Penal. Parte General, 2ª ed., Madrid, 1986, pág. 412; Bruno, Direito Penal – Parte Geral, Tomo II, 3ª ed., Rio de Janeiro,1967, págs. 245-246; Fragoso, Lições de Direito Penal, 7ª ed., Rio de Janeiro, 1985, pág. 256; Bitencourt, Manual de Direito Penal – Parte Geral, vol. I, 6ª ed., São Paulo, 2000, pág. 365; Dotti, Curso de Direito Penal – Parte Geral, 4ª ed., São Paulo, 2012, pág. 423).
[24] Defendem tal teoria, Bockelmann, Wann ist der Rücktritt vom Versuche freiwillig? in NJW 1955, pág. 1.421; Jescheck/Weigend, Lehrbuch des Strafrechts. AT, 5ª ed., Berlin, 1996, pág. 539; Rodríguez Mourullo, Derecho Penal. Parte General, vol. I, Madrid, 1977, págs. 130-131.
[25] Cfr., por todos, Jescheck/Weigend, Lehrbuch des Strafrechts, pág. 539.
[26] Assim, Roxin, Strafrecht. AT, Tomo II, München, 2003, § 30/4: “Herrschend ist heute die Strafzwecktheorie” (“Dominante, hoje, é a teoria dos fins da pena”). Em sua versão “clássica”, a teoria dos fins da pena foi adotada pelo Tribunal de Justiça Federal Alemão (Bundesgerichtshof). Cfr. BGHSt 9, 48 (52); 14, 75 (80).
[27] Roxin, Strafrecht. AT II, § 30/7, defendendo uma versão “modificada” da teoria dos fins da pena (modifizierte Strafzwecktheorie). Na mesma linha, Bloy, Die dogmatische Bedeutung der Strafausschließungs- und Strafaufhebungsgründe, Berlin, 1976, págs. 158 e ss.; Krauß, Der strafbefreiende Rücktritt vom Versuch in JuS 1981, pág. 888; Lampe, Rücktritt vom Versuch „mangels Interesses” – BGHSt 35, 184 in JuS 1989, pág. 610; Rudolphi en Rudolphi/Horn/Günther/Samson, SK, 8ª ed., Neuwied/Kriftel/Berlin, 2005, § 24/4; Schönke/Schröder, Strafgesetzbuch Kommentar, 27ª ed., München, 2006, § 24/1 e ss.;
[28] Nesse sentido, Kneba, Die Kronzeugenregelung des § 46 StGB, pág. 129.
[29] Assim, Welzel, Das Deutsche Strafrecht, pág. 5.
[30] Assim, por exemplo, Roxin, Strafrecht. AT, Tomo I, München, 2006, § 3/26.
[31] A expressão é de Pound, Criminal Justice in America, New York, 1930, pág. 184, referindo-se ao plea bargaining. Apenas uma observação: sabemos que a delação premiada não possui exata correspondência com o instituto do plea bargaining. Entretanto, é inegável que possuem semelhanças.
[32] Cfr. Pacelli, Curso de Processo Penal, 19ª ed., São Paulo, 2015, pág. 836.
[33] Também em sentido crítico, Bitencourt/Busato, Comentários à Lei de Organização Criminosa, pág. 134.
[34] Roxin/Schünemann, Strafverfahrensrecht, § 14/2.
[35] Roxin/Schünemann, Strafverfahrensrecht, § 14/2; Roxin/Arzt/Tiedemann, Einführung in das Strafrecht und Strafprozessrecht, 6ª ed., München, 2013, pág. 115.
[36] Hobbes, Leviathan, or The Matter, Forme and Power of Common-Wealth Ecclesiasticall and Civil, Cambridge/New York, 1991, pág. 197. Sobre o tema cfr. Hruschka, Kant, Feuerbach und die Grundlagen des Strafrechts em Puppe-FS, Berlin, 2011, págs. 17 e ss.
[37] Kant, Die Metaphysik der Sitten in Immanuel Kant. Werke in sechs Bänden, vol. IV, Darmstadt, 1960, pág. 453. Sobre o fundamento do princípio da legalidade processual em Kant cfr. Hruschka, Die Notwehr im Zusammenhang von kants Rechtslehre em ZStW 115, 2003, pág. 218; o mesmo, Kant, Feuerbach und die Grundlagen des Strafrechts, págs. 17 e ss. Cfr., ainda, Byrd/Hruschka, Kant zu Strafrecht und Strafe im Rechtsstaat em JZ, 2007, págs. 960 e ss.
[38] Cfr. Hruschka, Kant, Feuerbach und die Grundlagen des Strafrechts, págs. 29 e ss.
[39] Quando dizemos “velha teoria retributiva” não ignoramos que muitos autores ainda a defendem. Cfr., por exemplo, Pawlik, Person, Subjekt, Bürger: Zur Legitimation von Strafe, Berlin, 2004, passim; o mesmo, Das Unrecht des Bürgers. Grundlinien der Allgemeinen Verbrechenslehre, Tübingen, 2012, em especial, págs. 82 e ss.; Zaczyk, Zur Begründung der Gerechtigkeit menschlichen Strafens em Eser-FS, München, 2005, págs. 207 e ss.; Köhler, Strafrecht. Allgemeiner Teil, Berlin/Heidelberg/New York, 1997, págs. 48 e ss.; Moore, Placing Blame: A Theory of Criminal Law, Oxford/New York, 1997, págs. 83 e ss.
[40] Cfr. Roxin/Schünemann, Strafverfahrensrecht, § 14/2.
[41] Nesse sentido, Hassemer, Legalität und Opportunität im Strafverfahren in Freiheitliches Strafrecht, págs. 71-72.
[42] Os loci classici onde se discorre, com propriedade, sobre o princípio da proporcionalidade são: Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt a. M., 1985, passim; Clérico, Die Struktur der Verhältnismäßigkeit, Baden-Baden, 2001, passim; Bernal Pulido, El principio de proporcionalidad y los Derechos fundamentales, 3ª ed., Madrid, 2007, passim; Mendes, O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: novas leituras em RDJ, vol. I, n˚ 5, 2001, págs. 2 e ss.; Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática transformadora, São Paulo, 1996, págs. 200 e ss.; Silva, O proporcional e o razoável em RT 798, 2002, págs. 23 e ss. No que se refere à sua repercussão em matéria penal cfr. Lagodny, Strafrecht vor den Schranken der Grundrechte, Tübingen, 1996, passim; Appel, Verfassung und Strafe. Zu den verfassungsrechtlichen Grenzen staatlichen Strafens, 1998, págs. 171 e ss., 577 e ss.; Mir Puig, El principio de proporcionalidad como fundamento constitucional de límites materiales del Derecho Penal em Vives Antón-LH II, pp. 1.357 y ss.; Feldens, Direitos Fundamentais e Direito Penal – A Constituição Penal, 2ª ed., Porto Alegre, 2012, passim.
[43] Cfr. Roxin/Schünemann, Strafverfahrensrecht, § 14/2.
[44] Cfr. Bottke, La actual discusión sobre las finalidades de la pena in Roxin-LH, Barcelona, 1997, pág. 65. No Brasil, por todos, Scarance Fernandes, Processo Penal Constitucional, 6ª ed., São Paulo, 2010, pág. 186.
[45] Cfr. Giacomolli, O devido processo penal. Abordagem conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica, 2ª ed., São Paulo, 2015, pág. 304.
[46] Cfr. Moccia, La perenne emergenza, págs.. 179-180.
[47] Assim, Tucci, Teoria do Direito Processual Penal, São Paulo, 2003, pág. 203
[48] Ferrajoli, Diritto e Ragione, pág. 597.
[49] Assim, Giacomolli, O devido processo penal, pág. 135.
[50] Frederico Marques, Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, 4ª ed., Rio de Janeiro, 1971, pág. 97.
[51] Numa linha muito próxima cfr. Denny, Der Kronzeuge unter besonderer Berücksichtigung der Erfahrungen mit Kronzeugen in Nordiland em ZStW 103, 1991, pág. 275.
[52] Por óbvio, aqui não se ignora que, antes mesmo da Lei 12.850/13, outros diplomas legais já contemplavam o instituto da delação premiada (embora cada um deles contivesse requisitos próprios para a concessão do benefício). Assim, podemos citar: art. 7º da Lei 8.072/90; art. 6º da Lei 9.034/95; art. 4º. da Lei 9.269/96; arts. 13 e 14 da Lei 9.807/99; art. 41 da Lei 11.343/06; art. 2º da Lei 12.683/12, que deu nova redação ao § 5º do art. 1º da Lei 9.613/98. O que se está aqui a indagar é o seguinte: como é possível que, no âmbito da “Operação Lava Jato”, acordos de delação premiada tenham sido firmados com base na Lei 12.850/13, se tais acordos tratam de supostos fatos criminosos ocorridos antes da vigência dessa lei? Essa é a questão!
[53] Nesse sentido, por exemplo, Manzini, Trattato di Diritto Processuale Penale Italiano secondo il nuovo codice, vol I, Torino, 1931, págs. 68-69. No Brasil, por exemplo, Espínola Filho, Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, vol. I, Rio de Janeiro, 1954, pág. 180; Machado, Prescrição Penal, São Paulo, 2000, págs. 123 e ss.
[54] Assim, STF AI 795.670/SC, Rel. Min. Celso de Mello. Na doutrina, por todos, Mir Puig, Derecho Penal. PG, 7ª ed., Barcelona, 2004, pág. 751.
[55] Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, 2ª ed., Coimbra, 1997, pág. 259.
[56] BVerfGE 113, 273 (308). Sobre tal questão cfr. Jahn, Rechtstheoretische Grundlagen des Gesetzesvorbehaltes im Strafprozessrecht in Kudlich/Montiel/Schuhr, Gesetzlichkeit und Strafrecht, Berlin, 2012, págs. 223 e ss.
[57] Collins v. Youngblood 497 U.S. 37 (1990).
[58] Jakobs, Strafrecht. AT, 2ª ed., Berlin/New York, 1993, § 4/57.
[59] Mir Puig, Derecho Penal. PG, pág. 122.
[60] Cobo del Rosal/Vives Antón, Derecho Penal. PG, 5ª ed., Valencia, 1999, pág. 107.
[61] Grandinetti, O Processo Penal em Face da Constituição, Rio de Janeiro, 1998, pág. 137.
[62] De fato, como afirma Volk, Strafprozessrecht, 3ª ed., München, 2002, pág. 2: “Die beiden Rechtsgebiete [Derecho penal y Derecho procesal penal] sind unter der Klammer ´Strafrecht´ miteinander verblockt. Genauer: sie sind funktional aufeinander bezogen und voneinander abhängig. Ein Straf-Recht ohne Prozeβ gibt es nicht”. É justamente com base nessa compreensão que alguns autores alemães defendem um “Sistema Integral do Direito Penal” (gesamtes Strafrechtssystem), formado pela “união funcional” entre as categorias do fato punível, do processo penal e da determinação da pena. Cfr. Wolter, Zur Dogmatik und Rangfolge von materiellen Ausschlußgründen, Verfahrenseinstellung, Absehen und Mildern von Strafe: Strukturen eines ganzheitlichen Strafrechts-, Strafprozeß- und Strafzumessungssystems in Wolter/Freund (edts.), Straftat, Strafzumessung und Strafprozess im gesamten Strafrechtssystem, Heidelberg, 1996, págs. 1 e ss.; Freund, Zur Legitimationsfunktion des Zweckgedankens im gesamten Strafrechtssystem in Straftat, Strafzumessung und Strafprozess im gesamten Strafrechtssystem, págs. 43 e ss (padecendo, entretanto, de um perigo “umfassender Zweckgedanke”). Não custa aqui observar que o projeto de um “Sistema Integral do Direito Penal” (gesamtes Strafrechtssystem) não se confunde com a antiga noção de Von Liszt de uma “Ciência Conjunta do Direito Penal” (gesamte Strafrechtswissenschaft).
[63] Lopes Jr., Direito Processual Penal, págs. 249-250.
[64] Badaró, Processo Penal, 3ª ed., São Paulo, 2015, pág. 95.
[65] Casara/Belchior, Teoria do Processo Penal Brasileiro, vol. I, Rio de Janeiro, 2013, pág. 264.
[66] Queiroz, Curso de Direito Penal. Parte Geral, vol. 1, 8ª ed., Salvador, 2012, págs. 141-142.
[67] Sobre a abrangência do princípio do due process of law, cfr. o expressivo aresto proferido pelo Supremo Tribunal Federal no HC 96.905-RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 01/08/2011: “A garantia constitucional do ‘due process of law’ abrange, em seu conteúdo material, elementos essenciais à sua própria configuração, dentre os quais avultam, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis ‘ex post facto’; (f) direito à igualdade entre as partes (paridade de armas e de tratamento processual); (g) direito de não ser investigado, acusado processado ou condenado com fundamento exclusivo em provas revestidas de ilicitude, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude derivada (RHC 90.376/RJ, Rel. Min. Celso de Mello - HC 93.050/RJ, Rel. Min. Celso de Mello); (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito de não se autoincriminar nem de ser constrangido a produzir provas contra si próprio (HC 69.026/DF, Rel. Min. Celso de Mello - HC 77.135/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão - HC 83.096/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie - HC 94.016/SP, Rel. Min. Celso de Mello - HC 99.289/RS, Rel. Min. Celso de Mello); (l) direito de ser presumido inocente (ADPF 144/DF, Rel. Min. Celso de Mello) e, em conseqüência, de não ser tratado, pelos agentes do Estado, como se culpado fosse, antes do trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória (RTJ 176/805-806, Rel. Min. Celso de Mello); e direito à prova”.
[68] Essa é a crítica de Rosett/Cressey, Justice by Consent: Plea Bargains in the American Courthouse, Philadelphia, 1976, pág. 105, a respeito do plea bargaining. No mesmo sentido, Rodríguez García, La Justicia Penal Negociada. Experiencias de Derecho Comparado, Salamanca, 1997, pág. 99.
[69] Como diz Prado, Da delação premiada: aspectos de direito processual in Em torno da Jurisdição, Rio de Janeiro, 2010, pág. 73: “Não há na delação premiada nada que possa, sequer timidamente, associá-la ao modelo acusatório de processo penal”. Esse autor lembra ainda que “o Processo Penal com o núcleo acusatório (...) foi consagrado pela Constituição de 1988” (pág. 73).
[70] Cfr. Cordero, Procedura Penale, 8ª ed., Milano, 2006, pág. 97.
[71] Sobre as demais características do sistema acusatório cfr., por exemplo, Langbein, The Origins of Adversary Criminal Trial, Oxford/New York, 2003, passim; Prado, Sistema Acusatório. A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais, 3ª ed., Rio de Janeiro, 2005, passim; Lopes Jr., Direito Processual Penal, 10ª ed., São Paulo, 2013, págs. 107 e ss.
[72] Cfr. Prado, Da delação premiada, págs. 72-73.
[73] Cfr. os dados estatísticos trazidos por Finkelstein, A Statistical Analysis of Guilty Plea Practices in the Federal Courts in HLR 89, 1975, págs. 309-310, a respeito da ocorrência de tais lamentáveis práticas no âmbito do plea bargaining.
[74] Parece não restar dúvidas de que, nesse contexto, o direito de defesa transforma-se num autêntico insulto.
[75] Goldstein, Incompleteness: the proof and paradox of Kurt Gödel, New York, 2005, pág. 91, ressalta a importância da formulação de paradoxos para a demonstração das fissuras e inconsistências de uma teoria: “Paradoxes have often been found lurking about in the deepest places of thought. Their presence is often the signal (like the canary dying?) that we have managed, sometimes unwittingly, to stumble on a deep and problematic place, a fissure in the foundations”.
[76] Aqui cabe a advertência de Nietzsche, Jenseits von Gut und Böse. Vorspiel einer Philosophie der Zukunft, Leipzig, 1886, § 146: “Aquele que luta contra monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você” (no original: “Wer mit Ungeheuern kämpf, mag zusehn, daß er nicht dabei zum Ungeheuer wird. Und wenn du lange in einem Abgrund blickst, blickt der Abgrund auch in dich hinein”. Ou quem sabe de Augusto dos Anjos, em Versos Íntimos: “Acostuma-te à lama que te espera! O Homem, que, nesta terra miserável, Mora, entre feras, sente inevitável necessidade de também ser fera”.
[77] Sobre o tema cfr. Fragoso, Jurisprudência Criminal, vol. II, 3ª ed., São Paulo, 1979, págs. 804 e ss.
[78] Cfr. Frahm, Die allgemeine Kronzeugenregelung. Dogmatische Probleme und Rechtspraxis des § 46b StGB, Berlin, 2014, págs. 263 e ss.; Hoyer, Die Figur des Kronzeugen, pág. 237.
[79] Sobre o tema cfr. Ruggiero, L´attendibilità delle dichiarazioni dei collaboratori di giustizia nella chiamata in correità, Torino, 2012, págs. 45 e ss.; Fassone, La valutazione dela prova nei processi di criminalità organizzata in Grevi (Org.), Processo Penale e Criminalità Organizzata, Roma/Bari, 1993, págs. 241 e ss.
[80] Assim, Ruggiero, L´attendibilità delle dichiarazioni dei collaboratori di giustizia nella chiamata in correità, pág. 46.
[81] Cfr. Ruggiero, L´attendibilità delle dichiarazioni dei collaboratori di giustizia nella chiamata in correità, pág. 46.
[82] Certeiramente, Badaró, Processo Penal, pág. 460.
[83] Cfr. Badaró, Processo Penal, pág. 458. Sobre o regime de prova legal negativa cfr. Magalhães Gomes Filho, Direito à prova no Processo Penal, São Paulo, 1997, págs. 31 e ss.
[84] Cfr. Ruggiero, L´attendibilità delle dichiarazioni dei collaboratori di giustizia nella chiamata in correità, págs. 164 e ss.
[85] Bordenkircher v. Hayes, 434 U.S. 357, 363 (1978).
[86] United States v. Pearce, 191 F.3d 488 (4th Cir. l999).
[87] Como apontam com precisão Roberts/Stratton, The Tyranny of Good Intentions. How Prosecutors and Law Enforcement are Trampling the Constitution in the Name of Justice, New York, 2000, págs. 87-90: “Prosecutors declare that they will push for ‘maximum penalties’ involving long prison sentences and huge fines. They might threaten freezes or forfeiture of the accused’s assets unless the accused ‘cooperates’ with the government. It can become too much to bear. The resolve to keep one’s name clean gives way to the desire to end a Kafkaesque travail. The prosecutor’s unethical tactics might cause the defendant to give up any expectation of a fair trial. At this point, he calls his lawyer and gives his okay to working out deal (…) By making facts malleable, plea bargaining enables prosecutors to supplement weak evidence with psychological pressure”.
[88] Brady v. Maryland 373 U.S. 83 (1963). Sobre o tema cfr. Petegorsky, Plea Bargaining in the Dark: the duty to disclose exculpatory Brady evidence during plea bargaining in Fordham Law Review 81, 2013, pág. 3.603 e ss.
[89] Petegorsky, Plea Bargaining in the Dark, pág. 3.608.
[90] People v. Musselwhite 17 Cal. 4th 1216, 1240 (1998).
[91] Confira-se a entrevista em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/214735-puxando-o-fio.shtml
[92] Para uma profunda compreensão do «jogo processual» cfr. Morais da Rosa, Guia compacto do Processo Penal conforme a teoria dos jogos, 3ª ed., Florianópolis, 2016, passim.
[93] Sobre tal fenômeno no âmbito do Plea Bargaining cfr. Hagan/Bernstein, The Sentence Bargaining of Upperworld and Underworld Crime in Ten Federal District Courts in Law and Society Review 13 (2), 1979, pág. 471.
[94] Essa é a opinião de Husak, Overcriminalization. The Limits of the Criminal Law, Oxford/New York, 2008, pág. 23, a respeito do instituto do plea bargaining: “Few knowledgeable commentators are prepared to defend the justice of plea bargaining. The practice has been denounced as ‘absolutely and fundamentally imoral’, ‘a disaster’, ‘unfair and irrational’, and ‘outrageous’”. Aqui, mais uma vez, gostaríamos de insistir que sabemos que a delação premiada não corresponde ao instituto do plea bargaining. Entretanto, é inegável a semelhança entre ambos, inclusive em termos de consequências negativas para os Direitos Fundamentais.
José Carlos Porciúncula é Doutor em Direito Penal pela Universidade de Barcelona (Espanha), com período Doutoral na Universidade de Bonn (Alemanha). Ganhador do Prêmio Extraordinário de Doutorado 2012-2013, concedido pela Comissão de Doutorado da Universidade de Barcelona, em razão da autoria da Tese “La «exteriorización de lo interno»: sobre la relación entre lo «objetivo» y lo «subjetivo» en el tipo penal” (publicada em 2014 pela editora espanhola Atelier sob o título “Lo «objetivo» y lo «subjetivo» en el tipo penal: hacia la «exteriorización de lo interno»”). Professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP/DF). Advogado criminalista.
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