Imputabilidade: Lição 17

15/07/2015

Olá, pessoal do Empório do Direito! Esta é mais uma semana juntos no estudo da teoria do crime. Na semana que passou vimos as noções gerais acerca da culpabilidade e definimos como foco para esta o início do estudo sobre seus elementos. Assim, hoje começaremos pelo tema imputabilidade.

Imputabilidade

Imputabilidade pode ser definida como a capacidade que deve reunir o agente para compreender a ilicitude do fato e também comportar-se conforme essa compreensão. Exige-se, então, que o indivíduo demonstre saúde mental e equilíbrio psicológico frente ao caso concreto para gerar reflexos penais. Esse conceito, importante que se diga, é alcançado a partir do momento em que são definidas pelo Código Penal as causas de inimputabilidade. Em outras palavras: a lei penal não conceituou imputabilidade, prevendo, contudo, situações destinadas ao seu afastamento.

 Para a melhor compreensão da imputabilidade, é necessário conhecer os critérios destinados à conclusão da inimputabilidade:

– Biológico: considera apenas a saúde mental do agente, que será classificado como inimputável quando apresentar desenvolvimento mental incompleto ou retardado.

– Psicológico: leva em consideração a capacidade que deve ter o agente de se comportar de acordo com a compreensão que tem dos fatos. Não trabalha com a questão da sanidade mental, mas apenas com a capacidade psicológica de autodeterminação.

– Biopsicológico: como o nome sugere, representa a junção dos outros dois modelos, pois leva em consideração a sanidade mental do agente, assim como sua capacidade psicológica de agir conforme os entendimentos que possui. É a escolha da legislação brasileira, quando, no art. 26, caput, do Código Penal, deixou expresso que a inimputabilidade é definida pelo diagnóstico de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que, ao tempo da ação ou da omissão, tornou o agente inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. É preciso consignar que a menoridade penal é definida apenas por critério biológico, constituindo-se, assim, em exceção ao critério biopsicológico.

CESPE/TJ-ES – No direito penal, o critério adotado para aferir a inimputabilidade do agente, como regra, é o biopsicológico. CORRETO

CEFET/MPE-BA/Promotor de Justiça – O Código Penal Brasileiro adotou o critério biológico em relação à inimputabilidade em razão da idade e o critério biopsicológico em relação à inimputabilidade em razão de doença mental. CORRETO

É a partir dessa constatação que devem as causas de inimputabilidade ser estudas. E são elas: a) doença mental e desenvolvimento mental incompleto ou retardado; b) menoridade; c) embriaguez completa e involuntária.

Doença mental e desenvolvimento mental incompleto ou retardado

Sustenta a doutrina que a expressão doença mental deve ser interpretada de modo amplo, abrangendo as enfermidades patológicas e as toxicológicas. Dessa forma, devem ser assim consideradas todas as alterações mentais ou psíquicas que retiram do indivíduo a capacidade de autodeterminação e de comportamento, ainda que transitórias. É fundamental, entretanto, que o agente seja inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento no momento da conduta (ação ou omissão). Então, vale frisar que é sim possível que pessoas com causas transitórias de alteração psíquica sejam imputáveis na maior parte do tempo.

Especificamente quanto ao desenvolvimento mental incompleto, é preciso enfatizar que alguns grupos não tem a necessária maturidade para a compreensão da ilicitude dos fatos que praticam, como, por exemplo, os silvícolas. Os menores para a lei penal também são presumidamente imaturos, sofrendo, por isso, os reflexos de legislação especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente, pois tidos como inculpáveis.

Os denominados retardados, por sua vez, não tem idade mental compatível com a cronológica, e isso pode se dar de variadas maneiras, como, por exemplo, alguns surdos-mudos. De toda forma, todos os maiores para a lei penal são presumidamente imputáveis, devendo essas questões serem definidas por perícia médica para que se estabeleça a inimputabilidade.

Mas é sempre importante lembrar que para que o agente seja declarado inimputável por doença mental e desenvolvimento mental incompleto ou retardado, é preciso que no momento da conduta fique estabelecido que não possuía inteira capacidade de autodeterminação. Como efeito, torna-se inculpável. Na eventualidade de ter apenas diminuída sua capacidade de autocontrole, fala-se em semi-imputabilidade.

CESPE/AGU – O CP prevê uma redução de pena para aquele que, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não seja inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, circunstância que enseja uma menor reprovabilidade da conduta do agente comprovadamente naquelas condições. Tem-se, nesse caso, a denominada semi-imputabilidade, também nominada pelos doutrinadores como responsabilidade penal diminuída. CORRETO

Bastante importante é conhecer as consequências atinentes ao inimputável e ao semi-imputável são as seguintes: a) absolvição imprópria para os inimputáveis desde que a instrução processual evidencie que praticaram fato típico e ilícito. Fala-se em absolvição imprópria porque, em que pese não poderem sofrer condenação, devem ser submetidos à medida de segurança consubstanciada em internação em estabelecimento hospitalar ou tratamento ambulatorial; b) os semi-imputáveis, por sua vez, são condenados caso cometam fato típico e ilícito, com a possibilidade, entretanto, de o juiz aplicar redução de pena (um a dois terços) e até mesmo, entendendo que o agente necessita de especial tratamento curativo, substituir a prisão pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos. A esse sistema, que impede que as sanções sejam cumulativas, determinando que o agente cumpra pena ou medida de segurança, dá-se o nome de vicariante, também tido como unitário.

CESPE/PF – Considere que João, maior de dezoito anos de idade, tenha praticado crime de natureza grave, sendo, por consequência, processado e, ao final, condenado. Considere, ainda, que, no curso da ação penal, tenha sido constatado pericialmente que João, ao tempo do crime, tinha reduzida a capacidade de compreensão ou vontade, comprovando-se a sua semi-imputabilidade. Nessa situação, caberá a imposição cumulativa de pena, reduzida de um terço a dois terços e de medida de segurança. ERRADO

Menoridade

A Constituição Federal, no art. 28, trabalhando espécie de presunção absoluta, considera que os menores de 18 anos não tem maturidade suficiente para compreender o caráter ilícito de seus comportamentos. Trata-se de critério puramente biológico, o qual, repisa-se, não admite prova em contrário. A maioridade penal do agente, conforme doutrina majoritária, fica determinada no primeiro instante do dia do seu aniversário.

CESPE/TJ-CE – De acordo com o entendimento do STJ, aquele que pratica um crime no mesmo dia em que tenha completado dezoito anos é considerado inimputável. ERRADO

UPENET/PM-PB – Digamos que o menor de 18 (dezoito) anos “A” atire dolosamente contra a vítima que vem a falecer após a maioridade de “A”. Sobre o fato narrado, o tempo do crime e a regra geral adotada no Código Penal brasileiro, analise os itens a seguir: O Código Penal não pode ser aplicado, uma vez que deve ser considerado o momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. CORRETO

CESPE/TJ-DF – Em relação à menoridade penal, o Código Penal adotou o critério puramente biológico, considerando penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos de idade, ainda que cabalmente demonstrado que entendam o caráter ilícito de seus atos. CORRETO

Muitos discutem a natureza de cláusula pétrea do dispositivo, tendo, recentemente, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados entendido como tema passível de emenda.

É importante também asseverar que diante da aprovação em primeira votação da PEC 171 (1º de julho), que estabelece idade penal a partir dos 16 anos no que tange os crimes hediondos, tem-se que o critério biopsicológico da imputabilidade pode ser mitigado, eis que para alguns crimes consideraria a lei que o agente tem imputabilidade, presumindo desenvolvimento mental incompleto para outros. Não pretendendo explorar aqui todas as razões pelas quais se entende descabida a alteração, a quebra do critério biopsicológico, entretanto, deve ser enfatizada como empecilho.

Embriaguez completa e involuntária

Embriaguez é a intoxicação aguda do organismo em razão do álcool ou substancia de efeitos análogos. O indivíduo tem desorientação psico-sensorial e sofre importante abalo de consciência, o que faz com que essa espécie de inimputabilidade também seja chamada embriaguez fisiológica. Chama-se atenção para o fato de que a embriaguez patológica, do alcoolista, é consequência da constante duração dos efeitos fisiológicos do álcool no corpo, fazendo com que seja equiparada à doença mental, que pode levar à inimputabilidade pelo art. 28, caput, do Código Penal. Não sendo caso de embriaguez crônica, exige o art. 28, §1º, do Código Penal que seja completa e proveniente de caso fortuito.

A doutrina classifica em três os estágios da embriaguez, sendo que no primeiro, a fase da euforia, o agente sofre alterações intelectuais por conta da excitação, mas que não são suficientes para lhe tornar inimputável. Já na segunda fase, da agitação, a intoxicação causa desorientação psico-sensorial significativa, comprometendo o senso crítico e deixando o agente, em regra, bastante agressivo. Na terceira fase, a do coma, o indivíduo tem forte sensação de sono, o que lhe tira a capacidade para condutas comissivas e pode, dependendo das condições, levar-lhe até à óbito. Considera a doutrina que a embriaguez é completa a partir da constatação dos efeitos da segunda fase.

Ato contínuo, reconhecida a embriaguez completa, há de se investigar, para a constatação da inimputabilidade, se foi proveniente de caso fortuito ou força maior. Considera-se efeito de caso fortuito quando o indivíduo não toma conhecimento de que está exposto ao álcool ou substancia de efeito análogo. Na força maior o agente não tem controle sobre a situação inebriante, quando, por exemplo, é forçado a ingerir álcool ou qualquer outra substância que lhe comprometa a consciência. Mas se a embriaguez for voluntária (quando bebe por vontade própria, mas sem intenção de praticar crimes), preordenada (substancia serve de estímulo encorajador – é causa agravante de pena) ou até mesmo culposa (quando sequer pretendia embriagar-se) não haverá inimputabilidade. Importante lembrar que a embriaguez incompleta e involuntária não exclui a imputabilidade, mas causa especial diminuição de pena (um a dois terços), conforme art. 28, §2º, do Código Penal.

Em síntese: 1) embriaguez completa e involuntária – gera inimputabilidade; 2) embriaguez voluntária, preordenada ou culposa (mesmo que completa) – não é causa de inimputabilidade; 3) embriaguez involuntária e completa – causa especial de diminuição de pena.

CESPE/DPE-ES – É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, tenha sido, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. CORRETO

CESPE/TJ-PB – A embriaguez, ainda que voluntária, que cause ao agente de crime plena incapacidade de entender o caráter ilícito do fato é motivo de isenção de pena. ERRADO

Questão importante surge quando se atenta para o fato de que aquele que está completamente embriagado, enquadrado em quaisquer das espécies quanto à origem, não tem autodeterminação, o que, a teor do art. 26, caput, do Código Penal, lhe tornaria inimputável, já que o dispositivo não faz qualquer exigência acerca do motivo do estado alterado de consciência. Ou seja, mesmo aqueles completamente embriagados de maneira voluntária, preordenada ou culposa não tem inteira capacidade de entender o caráter ilícito da conduta que praticam ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Para essa questão invoca-se a chamada teoria da actio libera in causa. Por ela entende-se que “a causa da causa também é a causa do que foi causado”. Ou seja, como o agente, ao tempo da conduta, de fato não tinha a capacidade exigida como condição para a imputabilidade, nessas hipóteses considera-se o dolo ou a culpa no momento anterior ao da embriaguez, quando o agente iniciou o consumo da substância capaz de lhe alterar a autodeterminação. Assim, o elemento subjetivo anterior ao estado de embriaguez é lançado para o instante da conduta e aproveitado. Não há motivos para a aplicação dessa teoria quando a embriaguez é involuntária, haja vista que sendo proveniente de caso fortuito ou força maior a situação não dá ao agente a possibilidade de escolha.

MPE-SP/Promotor de Justiça – A actio libera in causa se caracteriza quando o agente comete o crime em estado de embriaguez não proveniente de caso fortuito ou força maior. CORRETO

Por fim, é de se destacar que o art. 28, I, do Código Penal enfatiza que a emoção e a paixão não provocam inimputabilidade. Emoção é o estado transitório de forte perturbação psíquica. O medo, a alegria são exemplos de emoções. Já a paixão é excitação que prorroga seus efeitos, como o amor, o ciúme, o ódio. Ambas as sensações podem ser classificadas como sociais, quando seus reflexos são bem vistos pela sociedade (amor) ou antissociais (raiva).

Embora não sejam causas de inimputabilidade, pode a emoção, quando violenta, ser causa atenuante de pena. Especificamente quanto aos crimes de lesão corporal e homicídio a violenta emoção é causa de diminuição de pena configurando a forma privilegiada dessas condutas.

CESPE/DPE-ES – Excluem a imputabilidade penal a emoção, a paixão e a embriaguez culposa pelo álcool ou substância de efeitos análogos. ERRADO

Assim finalizamos mais uma lição. Semana que vem veremos o segundo elemento da culpabilidade, a potencial consciência da ilicitude.

Grande abraço e bons estudos!


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Marcelo Pertille é Especialista em Direito Processual Penal e Direito Público pela Universidade do Vale do Itajaí, Advogado e Professor de Direito Penal de cursos de graduação em Direito e da Escola do Ministério Público de Santa Catarina.

 


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