IMPRESCRITIBILIDADE DAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

12/08/2018

Coluna Advocacia Pública em Debate / Coordenador Weber Luiz de Oliveira e José Henrique Mouta Araújo

Na semana que passou, em 8 de agosto o Supremo Tribunal Federal definiu a seguinte tese de repercussão geral nos autos do Recurso Extraordinário 852475 (Tema 897):

“São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa”.

Encerra-se e se fecha, por ora - até novas rodadas procedimentais[i] nessa parte da história-, o tema sobre a prescrição das pretensões de ressarcimento de danos causados ao erário público, uma vez que o STF já tinha definido, em relação a danos não caracterizados como de improbidade administrativa, que há prazo prescricional.

Essa a tese assentada no julgamento do Tema n. 666, nos autos do Recurso Extraordinário 669069:

“É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”.

Assim, o Tema 666 tratou apenas de ilícitos civis, faltando, portanto, a definição realizada nessa semana do Tema 897, a respeito dos ilícitos de improbidade administrativa, aqueles caracterizados na Lei 8.429/1992 por quem aufere qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão de atividade pública (art. 9º), por quem causa lesão ao erário (art. 10), por quem atua, comissiva ou omissivamente, na concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário (art. 10-A) ou por quem atenta contra os princípios da Administração Pública (art. 11).

Veja-se a diferenciação realizada pelo Ministro Teori Zavascki na ocasião em que julgou pelo reconhecimento da repercussão geral da prescrição da pretensão de indenização de danos administrativos em relação aos danos civis:

2. Discute-se, no recurso extraordinário, a prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário em face de agentes públicos em decorrência de suposto ato de improbidade administrativa. No exame do RE 669.069-RG (de minha relatoria, DJe de 26/8/2013, Tema 666), o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral de matéria delimitada como a imprescritibilidade da ações de ressarcimento por danos causados ao erário, ainda que o prejuízo não decorra de ato de improbidade administrativa.

No entanto, no julgamento de mérito, firmou-se tese mais restrita, no sentido de que é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil (RE 669.069, de minha relatoria, DJe de 28/4/2016, Tema 666). Tal diretriz não alcança, portanto, as ações de ressarcimento decorrentes de ato de improbidade administrativa.

Em face disso, incumbe ao Plenário desta Corte pronunciar-se acerca do alcance da regra estabelecida no § 5º do art. 37 da CF/88, desta vez especificamente quanto às ações de ressarcimento ao erário fundadas em atos tipificados como ilícitos de improbidade administrativa.

3. Diante do exposto, manifesto-me pela existência de repercussão geral da questão suscitada.

Ainda não disponibilizado o acórdão do RE 852475, importa destacar o quanto noticiado pelo portal do STF:

O julgamento teve início na última quinta-feira (2), quando cinco ministros acompanharam o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, no sentido do desprovimento do recurso do Ministério Público estadual, entendendo aplicar-se ao caso o prazo de prescrição previsto na legislação de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992), de cinco anos. O ministro Edson Fachin, acompanhado da ministra Rosa Weber, divergiu do relator por entender que o ressarcimento do dano oriundo de ato de improbidade administrativa é imprescritível, em decorrência da ressalva estabelecida no parágrafo 5º do artigo 37 da Constituição Federal, e da necessidade de proteção do patrimônio público.

Na sessão desta quarta-feira (8), o julgamento foi retomado com o voto do ministro Marco Aurélio, que acompanhou o relator. Para o ministro, a Constituição não contempla a imprescritibilidade de pretensões de cunho patrimonial. “Nos casos em que o Constituinte visou prever a imprescritibilidade, ele o fez. Não cabe ao intérprete excluir do campo da aplicação da norma situação jurídica contemplada, como não cabe também incluir situação não prevista”, disse.

Já para o ministro Celso de Mello, que votou em seguida, houve, por escolha do poder constituinte originário, a compreensão da coisa pública como um compromisso fundamental a ser protegido por todos. “O comando estabelece, como um verdadeiro ideal republicano, que a ninguém, ainda que pelo longo transcurso de lapso temporal, é autorizado ilicitamente causar prejuízo ao erário, locupletando-se da coisa pública ao se eximir do dever de ressarci-lo”, ressaltou, ao acompanhar a divergência. A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, votou no mesmo sentido.

Na sessão de hoje, o ministro Luís Roberto Barroso, que já havia acompanhado o relator na semana passada, reajustou seu voto e se manifestou pelo provimento parcial do recurso, restringindo no entanto a imprescritibilidade às hipóteses de improbidade dolosa, ou seja, quando o ato de improbidade decorrer em enriquecimento ilícito, favorecimento ilícito de terceiros ou causar dano intencional à administração pública. O ministro Luiz Fux, que também já havia seguido o relator, reajustou seu voto nesse sentido. Todos os ministros que seguiram a divergência (aberta pelo ministro Edson Fachin) alinharam seus votos a essa proposta, formando assim a corrente vencedora.

Integraram a corrente vencida os ministros Alexandre de Moraes (relator), Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que mantiveram os votos já proferidos na semana passada, e o ministro Marco Aurélio[ii].

 

Tal solução jurisdicional é a de melhor direito?

Acredita-se que sim, mormente quanto se destacou sobre o elemento dolo como pressuposto da imprescritibilidade, restando claro que o que se busca é o jus puniendi estatal apenas quando se comprova condutas lesivas a entidade pública de forma ostensiva, fraudulenta, com burla à ordem jurídica e malogrante do erário e éticas públicas.

Essa a textualidade do art. 37, § 5º, da Constituição Federal: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.

Por mais que se possa defender que o texto não é a norma, e que esta se extrai da interpretação, há um limite linguístico inescapável no caso analisado, porquanto o texto constitucional é translúcido ao ressalvar as ações de ressarcimento que causem prejuízos ao erário como fora do âmbito da prescrição.

Significa dizer, o constituinte originário, sabedor da propensão congênita infelizmente existente no Estado brasileiro a respeito da malversação da coisa pública, quis deixar expresso que não se admitiria que ações de ressarcimento pudessem ser inexitosas em razão do transcurso do tempo.

A propósito, Raymundo Faoro, em Os Donos do Poder, é mais uma vez oportuno:

A comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios, como negócios privados seus, na origem, como negócios públicos depois, em linhas que se demarcam gradualmente. O súdito, a sociedade, se compreendem no âmbito de um aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos casos extremos. Dessa realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder, institucionalizada num tipo de domínio: o patrimonialismo, cuja legitimidade assenta no tradicionalismo – assim é porque sempre foi[iii].

 

Ora, sendo já “lugar comum” que a ideia de impunidade é um insumo a balizar condutas ímprobas, a decisão da Suprema Corte em interpretar o texto constitucional de modo a assentar sobre a imprescritibilidade das ações de improbidade administrativa de ressarcimento que causem danos ao erário, é um fundamento adicional para ordem jurídica que poderá limitar a atuação criminosa (caráter didático da norma) e possibilitar a reversão de valores em favor das combalidas contas públicas brasileiras.

Assim se espera, talvez por ingenuidade!

 

Notas e Referências

[i] Temo utilizado por Conrado Hubner Mendes, ao dispor sobre os diálogos pelos poderes constituídos até a chegada de uma resposta provisória. Extrai-se de seu pensamento: “Numa sequência de perguntas e respostas, talvez consiga sintetizar sem mais rodeios: A última palavra sobre direitos importa? Sim, mas menos do que se supunha. Importa para quê? Para firmar decisões com pretensão de maior durabilidade; para resolver, ainda que temporariamente, uma demanda por decisão coletiva que valha para todos. Qual, então, o critério de escolha da autoridade detentora dessa prerrogativa? A confiança da comunidade na instituição que tenha maior probabilidade de produzir melhor decisão. E se essa instituição for, comparativamente, menos democrática do que as alternativas? Mesmo que se aceite a hipótese da qualidade mais ou menos democrática de instituições isoladas, dentro da lógica da separação dos poderes, aquela que for ‘mais democrática’, caso discorde, sempre poderá responder. Se outra, de fato, for ‘mais democrática’, dificilmente poderá ser derrotada por muito tempo. A última palavra, portanto, é apenas parte da história, não toda ela”. Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação. Tese apresentada ao Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Ciência Política. Disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-05122008-162952/pt-br.php. Acesso em 10.08.2018.

[ii] Disponível em: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=386249. Acesso em 10.08.2018.

[iii] Os donos do poder, 5ª ed., São Paulo: Editora Globo, 2012, p. 819.

 

 

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