IMPEACHMENT: Apontamentos à decisão do STF na ADPF n. 378 – Por Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia, Diogo Bacha e Silva e Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira

23/12/2015

O Supremo Tribunal Federal concluiu um dos mais importantes julgamentos do período democrático pós-1988 com a ADPF 378[1]. Escrevemos, aqui mesmo, sobre a decisão monocrática proferida pelo Min. Edson Fachin que suspendeu a tramitação na Câmara dos Deputados, do processo de impeachment. Ali, então, reconstruímos o pedido formulado em sede de ADPF pelo PC do B (Partido Comunista do Brasil), artigo para o qual remetemos o leitor[2].

Em 16 de Dezembro, iniciou-se o julgamento da mencionada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, de número 378, que busca tornar a interpretação da Lei 1.079/50 compatível com a Constituição da República de 1988.

A primeira questão a relembrar é que, mesmo sendo um processo de controle concentrado de constitucionalidade, a interpretação não é destituída de um “caso concreto”[3], razão pela qual a intervenção do Supremo Tribunal Federal se legitima na medida em que busca concretizar as garantia de direitos fundamentais, da separação de poderes, tal qual adotada pela Constituição, e, sobretudo, da própria supremacia da Ordem constitucional como um todo, contra a adoção de processo legislativo de impeachment em desacordo com essa Ordem. Há que se constatar, ainda, que a ADPF foi ajuizada após a adoção de rito inconstitucional por parte da Presidência da Câmara dos Deputados.

Em causa, portanto, estava: (1) as garantias do contraditório e da ampla defesa com a possibilidade da Presidente da República apresentar defesa antes do recebimento da denúncia pela Presidência da Câmara dos Deputados; (2) a aplicação das causas de suspeição e impedimento para o Presidente da Câmara dos Deputados que conduzirá o processo; (3) a formação da Comissão Especial da Lei 1.079/50 que emitirá parecer prévio sobre a admissibilidade da denúncia, nos seguintes aspectos: a) se a forma de composição da Comissão admitiria representantes dos blocos parlamentares; b) se a forma de eleição da Comissão Especial seria votação ostensiva ou secreta; (4) que toda atividade probatória deve ser desenvolvida pela acusação em primeiro lugar e depois pela defesa e que a manifestação da denunciada deve ser o último ato de instrução; (5) se o Senado Federal também poderia verificar a admissibilidade da denúncia ou se deveria apenas acatar a autorização da Câmara dos Deputados; (6) se a admissão do impeachment perante a Mesa do Senado deve passar ou não pelo crivo do plenário com o quórum de 2/3 (dois terços); (7) e a não aplicação do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e do Senado Federal por ser matéria reservada à lei específica.[4]

O relator – originário do processo – Min. Edson Fachin foi o primeiro a apresentar seu voto em 16/12/2015. Para iniciar sua fundamentação quanto aos aspectos discutidos na presente ação, o Min. Fachin aduz que “não cabe ao STF editar normatização sobre a matéria; sob o pálio da autocontenção, é apenas de filtragem constitucional que aqui se cogita, isto é, incidência plena da Constituição e exame da Lei 1.079/50 à luz de princípios e regras constitucionais hoje vigentes”[5]. Sustenta, primeiramente, que a intervenção do Supremo Tribunal Federal deve ser apenas de análise de compatibilidade material do rito definido pela Lei 1.079/50 com os parâmetros constitucionais e não criação ex nihilo do procedimento a ser adotado. Dessa forma, passa, então, o Ministro a tecer considerações acerca da compreensão da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal que, seguramente, se aplicam mesmo em processos dessa índole. Ora, estipula o Ministro que “a extensão da amplitude da defesa guarda íntima pertinência com a intensidade de interferência na esfera jurídica processual”, sendo o impeachment um processo que visa a impor pena política ao Presidente da República, eleito democraticamente, então há de se concluir que seguramente as garantias processuais se aplicam de maneira mais extensa possível, tal é o alto grau de intensidade na esfera jurídica da democracia.

Para averiguar a incidência ou não de defesa prévia em relação ao ato de recebimento da denúncia de impeachment, o Min. Edson Fachin analisa os papéis constitucionalmente delimitados para a Câmara dos Deputados e para o Senado Federal: tendo a Constituição delimitado o papel da Câmara dos Deputados como autorizativo da denúncia para o fim de processamento e julgamento pelo Senado Federal, então há que se consignar a existência de dois processos com a necessária amplitude da ampla defesa e do contraditório inerente ao sistema bicameral e à natureza do processo de impeachment. Contudo, mesmo tendo chegado a essas premissas, o Min. Edson Fachin entende desnecessária a defesa prévia em relação ao ato de recebimento da denúncia pelo Presidente da Câmara dos Deputados, uma vez que haveria possibilidade de defesa anterior ao primeiro parecer da Comissão Especial, o que já satisfaria a exigência da garantia constitucional do devido processo legal: “Não se reconhece, contudo, que a exigência de defesa prévia ao recebimento da denúncia constitua derivação necessária da cláusula do devido processo legal, na medida em que, reconhecido o direito de manifestação anterior à aprovação do primeiro parecer proferido pela Comissão Especial, há contraditório prévio à admissibilidade conclusiva. O devido processo legal, nessa ótica, é respeitado”.

Essa foi a tônica, também, do voto do Min. Luis Roberto Barroso que inaugurou a divergência em alguns pontos, mas que, quanto a esse ponto, também indeferiu a necessidade de defesa prévia, mantendo-se os parâmetros da defesa estabelecida no caso Collor[6], já que, nos termos do seu voto, “a apresentação de defesa prévia não é uma exigência do princípio constitucional da ampla defesa: ela é exceção, e não a regra no processo penal”, tendo, ainda, a Lei 1.079/50 em muitas ocasiões possibilitado a manifestação do denunciado. Este ponto teve unanimidade do Supremo Tribunal Federal[7].

Há, neste ponto, uma incoerência da conclusão com as premissas. Veja-se que não houve, no âmbito do STF, qualquer discordância quanto à amplitude da intervenção do processo de impeachment na esfera jurídica não só da denunciada, mas da ordem constitucional como um todo, da separação de poderes, do sistema presidencialista de governo, do projeto republicano. Não obstante, o Supremo Tribunal Federal entendeu desnecessária a defesa prévia em relação ao recebimento da denúncia, traindo a garantia da ampla defesa com que confere a maior amplitude possível dos meios e recursos a ela inerentes. Se, pois, mesmo no âmbito de um processo de responsabilização jurídico-criminal se exige o exercício da defesa antes do recebimento da peça acusatória, sob pena de nulidade absoluta do processo que não respeitar, quanto o mais deveria dizer para o processo de responsabilização por crime político da mais alta autoridade política do Poder Executivo, eleito por milhões de votos.

De qualquer forma, para compreendermos a conclusão da ampla defesa é preciso mencionar o caso Collor[8]. O ano era 1992. Saídos de anos e anos de um regime ditatorial, víamos, agora, diante de uma oportunidade de consolidar nossa democracia, readquirida pela obra da Constituição de 1988, depois de intensos movimentos em torno da abertura democrática. Fundamental nesse processo de afirmação e reafirmação de democracia e da constitucionalização de 1988[9] foi o processo de impeachment sofrido pelo Presidente Collor.

Uma denúncia oferecida, em 01 de Setembro de 1992, por Barbosa Lima Sobrinho e Marcello Lavenère incriminava o Presidente, eleito em 1990, Fernando Collor de Mello, da prática de crime de responsabilidade, consistente em ter recebido de forma indevida dinheiro em esquema de corrupção montado para o favorecimento do próprio Presidente e de pessoas a ele ligadas[10]. Tal denúncia foi posterior a CPMI que, através de relatório final, incriminou também o Presidente[11].

O então Presidente da Câmara dos Deputados, naquela oportunidade, resolveu questão de ordem definindo algumas regras para a tramitação do processo de impeachment, dentre as quais ressaltam-se: a) à Câmara dos Deputados competiria a admissão ou não da acusação, em sendo positiva, comunicar-se-á o Senado Federal da decisão que processaria e julgaria; b) definiu que a Lei 1.079/50 aplicar-se-ia com a exceção dos atos que traduzem tipicamente processo, posto que, em sua interpretação, o processo e o julgamento seria da competência privativa do Senado Federal; c) a comissão especial da Câmara dos Deputados teria sete sessões para apresentar seu parecer, após a matéria seguiria ao plenário para admissão ou não da acusação em voto ostensivo e nominal, com o quorum de 2/3 para aprovação; d) considerou-se inaplicável o art. 188 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados que impunha a votação secreta.

Contra tal ato, o Presidente da República impetrou Mandado de Segurança n. 21.564[12] perante o STF com a seguinte argumentação: 1) a decisão de admissibilidade do impeachment é da competência da Câmara dos Deputados e deve ser feita por meio de escrutínio secreto ante o art. 188, inc. II do RICD, já que a Constituição delegou ao plano regimental ao não dispor de que forma se realizaria a votação, secreta ou ostensiva; 2) deveria haver aplicação da defesa no prazo de 20 (vinte) dias e a dilação probatória do art. 22 da Lei 1.079/50, aplicando-se por analogia o art. 217 do RICD.

Em causa, portanto, o Supremo Tribunal Federal teve que enfrentar o papel redefinido pela Constituição de 1988 para ser exercido pela Câmara dos Deputados no processo de impeachment, assim como a aplicação ou não da ampla defesa e como seria seu exercício, bem como a forma que seria realizada a votação. Em primeiro lugar, estabeleceu o Supremo Tribunal Federal que o Senado Federal é quem realizará o juízo de pronúncia e o julgamento, cabendo à Câmara dos Deputados o juízo de admissibilidade da acusação que, mesmo sendo juízo político, necessita da garantia da ampla defesa como insculpido na Constituição, observadas as limitações de fato de que a pronúncia só se realizará no Senado Federal. Nessa medida, a defesa deveria ocorrer no prazo de até 10 (dez) sessões, nos termos do art. 217 do RICD aplicável por analogia. Por último, definiu o Supremo Tribunal Federal que a votação em plenário deve ser nominal e em aberto, consoante o art. 23 da Lei 1.079/50[13].

Voltando ao ano de 2015, como corolário da ampla defesa e do devido processo legal, o Min. Edson Fachin entendeu que é direito do denunciada participar posteriormente à atividade acusatória desenvolvida pelo parlamento, sendo que o interrogatório do acusada deve ser o ato final da instrução probatória, sendo acompanhado pela divergência do Min. Barroso e, quanto a este último ponto, pela unanimidade dos membros do STF[14].

Três outros pontos foram objeto de convergência entre todos os ministros do Supremo Tribunal Federal em relação ao voto do relator, quais sejam: 1) a possibilidade de que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 38 da Lei 1.079/50, possa ser aplicado subsidiariamente, sem que implique em ofensa à reserva legal do art. 85, parágrafo único, da Constituição, desde que veiculem matéria interna corporis, ou seja, matéria destinada à auto-organização interna dos órgãos legislativos e sendo elas compatíveis com o conteúdo da Constituição e com os preceitos legais. É bom lembrar, no entanto, que o Min. Sepúlveda Pertence, quando do julgamento do caso Collor, já alertava para as consequências de se deixar a normatização do processo de impeachment para os quadrantes regimentais: “reduzir o processo de impeachment a matéria regimental, em qualquer de suas fases, é deixar tudo nas mãos do Congresso Nacional: o poder de elaborar e o poder de alterar a qualquer momento, até na iminência de um caso determinado, as regras do jogo e, em princípio, excluir o controle do Poder Judiciário sobre os atos de intepretação e aplicação, porque tudo se reduziria à decisão parlamentar de questões interna corporis, de alçada puramente regimental”. Em questão, portanto, é se as regras do jogo do impedimento serão ou não respeitadas, de acordo com os ditames da Constituição e da lei de regência.

2) Unanimemente, o Supremo Tribunal Federal também considerou que, por mais que o art. 38 da Lei 1.079/50 tenha previsto a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal ao rito de impeachment, não se aplicam as hipóteses de impedimento e suspeição aplicáveis aos magistrados ao processo de impeachment, eis que, de acordo com o relator, Min. Fachin, a Constituição deu contornos jurídico-políticos ao processo de responsabilização do Presidente da República e não apenas jurídico. Ainda, há uma diferença substancial entre os magistrados e os parlamentares, já que estes estariam sujeitos, além da Constituição e das leis, também à vontade de seus representados. Daí decorre que não se poderia exigir imparcialidade e suas decisões seriam motivadas com base em convicções político-partidárias e não exclusivamente jurídicas.

3) Por fim, também, o STF, de forma unânime, definiu que não é preciso que o Senado Federal abstenha-se de assumir a função acusatória, já que não se aplicam as garantias de processo criminal comum ao procedimento de índole marcadamente política. Ademais, ao Senado Federal competiria, segundo o voto do Min. Luis Roberto Barroso, apurar a verdade dos fatos em busca do interesse público.

Os pontos de divergência entre o voto do Min. Edson Fachin e o Min. Luis Roberto Barroso foram, de fato, determinantes para a conclusão do Supremo Tribunal Federal acerca do processo de impeachment. Entre eles, está, novamente, o papel constitucional exercido pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal[15]

No Mandado de Segurança 21.564, rel. Min. Octavio Galotti e rel. para o acórdão Min. Carlos Velloso, o Supremo Tribunal Federal já havia decidido que a Câmara dos Deputados, no atual contorno constitucional, exerce apenas o juízo político de admissibilidade da acusação (art. 51, inc. I da CF/88), sem qualquer função acusatória. Com efeito, o processo e o julgamento será exercido pelo Senado Federal, a quem competirá decidir pela perda do cargo e pela inabilitação política por até 8 (oito) anos, com o quórum de 2/3 (art. 52, parágrafo único, da Constituição Federal). Quanto ao papel atribuído à Câmara dos Deputados fica bem evidente que, tanto o Min. Edson Fachin quanto o Min. Barroso, chegam à mesma conclusão dando interpretação aos arts. 23, 80 e 81 de que não pode a Câmara dos Deputados funcionar como tribunal de pronúncia, senão que apenas admitir ou não a denúncia de crime de responsabilidade.

A questão, então, não decidida no caso Collor é se, uma vez ocorrida a admissibilidade positiva na Câmara dos Deputados, estaria o Senado Federal obrigado a processar e julgar o Presidente da República ou se, ao revés, poderia o Senado Federal realizar uma nova admissibilidade do processo de impedimento.

Com supedâneo no texto do art. 86, entende o Min. Edson Fachin que “inexiste competência para o Senado Federal rejeitar a autorização da Câmara dos Deputados”, deve ela instaurar o procedimento, com a consequência do afastamento do Presidente de suas funções pelo prazo de até 180 (cento e oitenta) dias, sendo impossível à Mesa do Senado Federal proferir novo juízo de admissibilidade, resta a obrigatoriedade da formação da Comissão acusadora que, diante do silêncio da Constituição, fica a formação delegada ao RISF e, por conseguinte, a obrigatoriedade de se levar o libelo acusatório ao plenário que decidirá pela procedência ou não[16]. Veja-se que o voto do Min. Edson Fachin, neste ponto, pretende apegar-se apenas à literalidade do texto que, não obstante sua conclusão, nada diz a respeito da possibilidade do Senado Federal realizar novo juízo de admissibilidade.[17]

O Min. Luis Roberto Barroso interpreta diferentemente o papel do Senado Federal, à luz de métodos hermenêuticos tradicionais. Sumariando as conclusões, pelo elemento histórico, quer afirmar o Min. Barroso que o novo papel dado à Câmara dos Deputados é proferir uma condição de procedibilidade da denúncia, possibilitando a abertura do processo no Senado Federal e não um juízo de pronúncia que acarretaria, automaticamente, o afastamento do Presidente da República.

Pelo elemento literal da Constituição de 1988, o Min. Barroso conclui que cabe à Câmara dos Deputados apenas uma parte de um momento pré-processual, não instaurando, por si própria, o processo, apenas concedendo autorização para tal que se instauraria no Senado Federal. Nessa medida, entender que o Senado Federal estaria obrigado à instauração do processo é dar elemento vinculante onde a própria Constituição não o fez; interpretar a atual Constituição retrospectivamente ao regime das anteriores onde estaria literalmente consignado que a Câmara dos Deputados determinaria a abertura do processo – ora, se a Constituição de 1988 dispõe de forma diversa, então alguma razão deve haver para isso. De outro modo, sendo o Senado Federal o único órgão competente para processar e julgar a denúncia, estaria, aí também, incluída a competência para um exame preliminar de admissibilidade da mesma. Por último, a conclusão da obrigatoriedade do Senado Federal processar e julgar teria que ser válida também para o Supremo Tribunal Federal na hipótese de crime comum, o que afetaria a independência dos poderes republicanos. É dizer, a se seguir a orientação do Min. Fachin, havendo denúncia de crime comum contra Presidente da República, uma vez feito o juízo de admissibilidade na Câmara seria o STF obrigado a proceder ao julgamento, sem possibilidade de fazer juízo formal de admissibilidade. Tanto numa como noutra hipótese a Câmara estaria revestida de função já dentro do processo, o que não é compatível com o que diz a Constituição ao estabelecer que o processo, em si, apenas começa no Senado ou no STF. Ora, fazer o juízo de admissibilidade é a primeira manifestação de qualquer juiz em qualquer processo – se o processo de impeachment possui algum sentido jurídico ao lado do político, então dever seguir minimamente as regras básicas de teoria do processo.

Um olhar sistemático, segundo o Min. Barroso, também levaria à conclusão de que o Senado Federal pode exercer um juízo de admissibilidade, vale dizer, sendo nosso sistema bicameral, nos termos do art. 44 da CR/88, então há que se concluir que uma Casa não se subordina à outra. Não faria sentido pensar que uma Casa tenha que exercer um trabalho meramente homologatório de outra.

Logicamente, ainda, para o Min. Barroso, não faria sentido que a suspensão das funções da Presidência seria posterior, se a instauração do processo pelo Senado Federal fosse ato meramente homologatório.

Também, segundo o voto do Min. Luis Roberto Barroso, o Supremo Tribunal Federal teria, em obter dictum, no Mandado de Segurança 21.564 do caso Collor, afirmado que a denúncia seria recebida ou não pelo Senado Federal, o que implicaria, obviamente, o exame da admissibilidade, formal e material, da denúncia, inclusive tendo o Supremo Tribunal Federal editado, em sessão administrativa, documento que visualizaria possíveis questões enfrentadas no Senado por ocasião do impedimento do Presidente Collor. Daí que, segundo o Min. Barroso, tal decisão incorporou-se à nossa ordem constitucional de tal modo que eventual modificação infringiria a segurança jurídica[18].

Assim, deve-se incluir uma etapa de admissibilidade prévia no Senado Federal, reinterpretando-se o art. 24 da Lei 1.079/50 para, utilizando-se da analogia com os arts. 44, 45, 46, 47, 48 e 49 da Lei 1.079/50 que cuida da competência do Senado Federal para processar e julgar em crime de responsabilidade os ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral da República, estabelecer que, recebida a denúncia proveniente da Câmara dos Deputados, formar-se-á comissão especial no âmbito do Senado Federal para emitir parecer prévio sobre a viabilidade da denúncia também com relação ao Presidente da República que será submetida à votação ostensiva e nominal perante o plenário, sendo aprovada por maioria simples.

Daí que o Min. Barroso dissentiu da própria inicial que pretendia fosse tal incumbência ou da mesa do Senado Federal ou, ainda, com o quórum de 2/3 (dois terços) dos membros do Senado Federal. O relator originário, Min. Fachin, de outro lado, entendia apenas pela obrigatoriedade do Senado processar e julgar, no que foi seguido pelos Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes que restaram vencidos.

Com efeito, o voto do relator originário, Min. Edson Fachin, no tocante a tal questão, transformaria o Senado Federal em mero órgão executório da decisão de recebimento da denúncia pela Câmara dos Deputados, em desacordo, sejam aos termos presentes nos arts. 51, I e 52, I da CR/88, seja à decisão no caso Collor.

A outra divergência entre o relator originário e o Min. Luis Roberto Barroso que, em grande medida, estabelece os parâmetros constitucionais do processo de impeachment, foi a questão da composição da Comissão Especial do processo de impedimento, que se destina a elaborar um parecer preliminar acerca da admissibilidade da denúncia, prevista nos arts. 19 e seguintes da Lei 1.079/50.

Nos termos da fundamentação do MIn. Edson Fachin, a Constituição da República, no art. 58, delegou a composição das comissões para o Regimento Interno de cada casa congressual. Nessa medida, estabelece o relator que “eventuais dúvidas acerca das comissões militam em favor da auto-organização do Legislativo, com efeito, nessas circunstâncias, há um dever de deferência do Estado-juiz para com o Parlamento, desde que respeitados o devido processo legal e os direitos das minorias parlamentares”.

Dito isso, o relator considerou que na formação da Comissão Especial tanto pode ser realizada pela indicação feita pelos líderes a ser submetida ao Plenário, quanto a concorrência entre chapas oficiais e avulsas, realizariam o comando constitucional. Dissentindo, o Min. Luis Roberto Barroso entende que, nos termos textuais do RICD com a delegação recebida pela Constituição, a indicação é feita pelos líderes partidários ou dos blocos parlamentares e que viola a autonomia partidária pensar que a indicação deveria ser realizada de fora para dentro, razão pela qual inviável a candidatura avulsa.

Ora, em sendo assim, fica ainda latente uma questão importante levantada para a continuidade do processo de impeachment. O que ocorre se o plenário rejeitar a nomeação dos componentes realizados pelos líderes partidários? A resposta a tal indagação nos parece bem explicada por Thomaz Pereira[19]. Em primeiro lugar, a aprovação ou rejeição dos membros da Comissão Especial é da exclusiva competência do plenário e não da mesa da Câmara dos Deputados. Em segundo lugar, ou há uma modificação dos nomes a serem submetidos para aprovação ou, ainda, há uma modificação dos líderes. Em qualquer caso, tem-se que a saída para o impasse é política e não envolve, de qualquer forma, a intervenção do Poder Judiciário.

De outro modo, muito embora reconheça o Min. Edson Fachin que o exercício do Poder Público deve se submeter à publicidade de seus atos, já que decorre do direito do cidadão de fiscalizar os atos praticados pelos poderes republicanos, e que a Constituição mesmo determina as exceções ao princípio da publicidade dos atos, entende que seria constitucional a determinação regimental de votação secreta para a formação da Comissão Especial e que não compete ao Poder Judiciário intervir quando o texto constitucional deixa margens para múltiplas interpretações, resultando em uma deferência a autonomia dos poderes e, ao mesmo tempo, uma atitude de autocontenção judicial. Divergindo, o Min. Luis Roberto Barroso decide pelo voto aberto para a formação da Comissão Especial com o fundamento de que a Constituição não estabeleceu nenhuma exceção ao voto aberto no processo de impeachment. Sendo um processo de tamanha magnitude institucional que visa a destituir Chefe do Executivo, necessário que se realize de acordo com a maior transparência possível e o voto aberto é o que melhor se adequa a tais objetivos. Ademais, é preciso que o processo de impedimento seja compatível com os princípios democrático, republicano e representativo que apenas o voto aberto possibilitaria. Por último, estabelece que o voto aberto foi a “ratio” da decisão do caso Collor.

Ademais, a interpretação que o Min. Fachin e, nesse ponto, acompanhado pelos Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli fazem dos arts. 85-86 quanto à natureza secreta da votação na formação da Comissão contraria a jurisprudência construída há anos pelo próprio STF – quando não, afirmada por estes mesmos Ministros – no sentido de que a regra nas votações no Parlamento é a da publicidade e isso em razão de que seus membros não agem em nome próprio, mas sim como representantes. Votações, quaisquer que sejam, apenas poderiam ser secretas quando expressamente a Constituição o dissesse e aí nem a lei ou menos ainda um Regimento Interno poderia inovar, pois que estaria indo de encontro à Constituição.[20] Foi o que decidiu o Min. Fachin no MS. n. 33.908 (que tratou da prisão do Senador Delcídio do Amaral):

A publicidade dos atos de exercício de poder a regra estabelecida pela Constituição (art. 37), tanto para o Poder Executivo, Judiciário ou Legislativo. Isso decorre do principio republicado e da própria expressão do estado democrático de direito, onde vige a possibilidade de controle por parte dos titulares do poder (art. 3o, da CR). A Constituição estabelece hipóteses excepcionais em relação às quais essa regra é excepcionada. (…) Não havendo menção no art. 53, §2o [assim como não o há no art. 86] da Constituição à natureza secreta da deliberação ali estabelecida, há de prevalecer o principio democrático que impõe a indicação nominal do voto dos representantes do povo, entendimento este que foi estabelecido pelo próprio Poder Legislativo, ao aprovar a EC no 35/2001. Sendo assim, não há liberdade à Casa Legislativa em estabelecer, em seu regimento, o caráter secreto dessa votação, e, em havendo disposição regimental em sentido contrario, sucumbe diante do que estatui a Constituição como regra (decisão liminar proferida em 25.11.2015; grifos nossos).

Sobre a forma de composição da Comissão, isto é, sobre a divergência entre os Ministros a respeito de se poderia haver “chapa avulsa”, já tratamos do tema aqui no Empório em texto supracitado:

A formação de Comissões Parlamentares, sejam elas Permanentes ou Temporárias, obedece a uma regra básica: “Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa” (§1º do art. 58 da Constituição). A indicação dos nomes que comporão qualquer Comissão é feita pelos líderes dos partidos/blocos partidários e, aqui especificamente, nos termos do art. 19 da lei 1079/50, está ainda sujeita a votação. Não há possibilidade de “candidaturas avulsas” (...) – isso viola não apenas a Constituição e a lei 1079/50 já citadas, como também o art. 12 da lei n. 9.096/95 e o art. 33 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Vale citar também precedente mencionado no pedido de cautelar na ADPF citada: STF, MS 24849. Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, DJ. 29.09.2006 e ADI. 1363.[21]

De forma que a decisão do STF dá curso à construção iniciada com os Mandados de Segurança no caso Collor – ainda como inúmeras outras ações envolvendo crimes de responsabilidade contra Governadores e Prefeitos desde 1988 (pelo menos). Não que o Tribunal esteja atavicamente preso ao passado, contudo, caso o STF quisesse romper com os precedentes que criou – procedendo a um overruling – , precisaria assumir o respectivo ônus argumentativo: teria que trazer a ratio decidendi definida no caso anterior (ou nos casos, se se somam processos similares envolvendo outros titulares de cargo do executivo) e mostrar os acertos e desacertos ali tomados face a uma renovada compreensão da Constituição. O que não pode é violar a integridade de sua história institucional decidindo como que a partir de um grau zero de interpretação. A metáfora do “romance em cadeia” de Ronald Dworkin,[22] mais uma vez, precisa ser retomada: apenas precedentes que mostrem coerência precisam ser seguidos; no entanto, haver um precedente impõe a obrigação de que seu seguimento ou não seja fundamentado – nesse sentido o Novo CPC, art. 489, §1o, IV e V.[23]

Nunca é demais lembrar, ultrapassadas as questões atinentes ao rito e à competência, que o instituto constitucional do Impeachment, como na nossa tradição do presidencialismo, não se confunde com o instituto parlamentarista da moção de censura ou de desconfiança, nem sequer se confunde com o instituto do recall.

No caso do Impeachment, embora a decisão política caiba, sobretudo, ao Senado, é constitucionalmente necessária, além da garantia do devido processo, a caracterização do crime de responsabilidade, nos termos da Constituição e da Lei 1.079/50 naquilo que essa lei foi recepcionada pela Constituição[24].

Ou seja, sem a caracterização do crime de responsabilidade (que somente existe no Direito brasileiro vigente como crime doloso), o que há é abuso de poder, violação da separação de poderes, portanto, da lei e da Constituição. Não é impeachment, é golpe de Estado.

Em outros termos, afastar uma Presidente da República eleita tão somente porque se discorda das escolhas políticas dela é inconstitucional. O sistema presidencialista não admite essa hipótese de perda do mandato.

O futuro do processo de impeachment dependerá, efetivamente, de como serão respeitadas as garantias constitucionais do devido processo legal, da separação de poderes e do sistema de governo presidencialista adotado pela Constituição, cuja incumbência de proteção não é só do Supremo Tribunal Federal, mas de todos os poderes republicanos e de cada um de seus membros, mas, principalmente, de nós mesmos cidadãos de um Estado Democrático de Direito.


Notas e Referências:

[1] Para saber como se posicionou cada um dos onze ministros em relação a cada ponto controvertido consultar: http://jota.info/stf-define-o-rito-do-processo-de-impeachment-da-presidente-dilma-rousseff, acesso em 21 de Dezembro de 2015.

[2] Disponível em: http://emporiododireito.com.br/controle-judicial-do-processo-legislativo-de-impeachment.

[3] Aprendemos com Friedrich Müller que a construção da norma-decisão depende sempre da reconstrução do caso concreto (MÜLLER, Friedrich. Metodologia do Direito Constitucional. Trad. Peter Naumann. 4ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010; cf. também: CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade; CARVALHO NETTO, Menelick. Legitimidade e efetividade como tensão constitutiva (conflito concreto) da normatividade constitucional. In: LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto e ALBUQUERQUE, Paulo de Menezes (orgs.) Democracia, Direito e Política: Estudos Internacionais em Homenagem a Friedrich Müller. Florianópolis: Conceito, 2006) Com Habermas e Günther, ainda, que toda decisão jurisdicional é tributária de um discurso de aplicação do direito que depende da consideração de todas as circunstâncias do caso concreto (GÜNTHER, Klaus. The sense of appropriateness. New York: State University of New York, 1993; HABERMAS, Jürgen. Facticidad y Validez: sobre el derecho y el Estado democrático de derecho em términos de teoría del discurso. Trad. Manuel Jimenez Redondo. 6ª ed. Madri: Trotta, 2010). Logo, sempre há um “caso” e nunca o controle concentrado de constitucionalidade é meramente “abstrato” e nem se desenvolve a partir de um processo “objetivo” (BACHA E SILVA, Diogo. Ativismo no controle de constitucionalidade: a transcendência dos motivos determinantes e a (i)legítima apropriação do discurso de justificação pelo Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Arraes, 2013).

[4] Sobre o último ponto, cabe lembrar o que diz a Súmula Vinculante n. 46: A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são de competência legislativa privativa da União.

[5] Para o que se segue, ver o voto do Min. Fachin, disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=306518

[6] Nos termos da ementa que apresentou o Min.. Barroso, item 2.3: “[...] 2.3 A ampla defesa do acusado no rito da Câmara dos Deputados deve ser exercida no prazo de dez sessões (RI/CD, art. 218, § 4º), tal como ocorreu no caso Collor (MS 21.564, Rel. para o acórdão Min. Carlos Velloso). Caso assim não se entenda, deve ser aplicado por analogia o prazo de 20 (vinte) dias previsto no art. 22 da Lei 1.079/50”. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=306648.

[7] A Ata do julgamento está disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=306674.

[8] Sobre a decisão proferida pelo caso Collor e a interpretação do STF, ainda que com alguma diferença de ênfase, ver: STRECK, Lenio Luiz, CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade, BAHIA, Alexandre. Comentários ao art. 86. In: CANOTILHO, J.J. Gomes, MENDES, Gilmar Ferreira, SARLET, Ingo Wolfgang, STRECK, Lenio Luiz (orgs.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014.  p. 1287 e ss.

[9] A democracia e a constitucionalização são, conforme Habermas, um processo de aprendizagem histórico, não linear e sujeito a tropeços, embora capaz de se autocorrigir (HABERMAS, Jürgen. Constitutional democracy: a paradoxical union of contradictory principles? Political Theory, v. 29, n. 6, dec. 2001, p. 766-781; também, CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Democracia sem espera e processo de constitucionalização: uma crítica aos discursos oficiais sobre a chamada transição política brasileira. In: CATTONI, Marcelo (org.) Constitucionalismo e História do Direito. Belo Horizonte: Pergamum, 2011. p. 208-209; BACHA E SILVA, Diogo, BAHIA, Alexandre. Necessidade de Criminalizar a homofobia no Brasil: porvir democrático e inclusão de minorias. Revista da Faculdade de Direito- UFPR, Curitiba, vol. 60, n. 2, maio/ago 2015, p. 31-60; CARVALHO NETTO, Menelick de. A Constituição da Europa. In: SAMPAIO, José A. Leite (Coord.). Crise e desafios da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2004).

[10] Verificar, pois, a petição de oferecimento da denúncia em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD03SET1992SUP.pdf.

[11] Relatório final disponível no seguinte sítio eletrônico: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/20-anos-do-impeachment/20-anos-do-impeachment-do-presidente-fernando-collor.

[12] Acórdão disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/sobrestfconhecastfjulgamentohistorico/anexo/ms21564.pdf.

[13] Veja-se o inteiro teor da ementa do julgado: CONSTITUCIONAL. "IMPEACHMENT". PROCESSO E JULGAMENTO: SENADO FEDERAL. ACUSAÇÃO: ADMISSIBILIDADE: CÂMARA DOS DEPUTADOS. DEFESA. PROVAS: INSTÂNCIA ONDE DEVEM SER REQUERIDAS. VOTO SECRETO E VOTO EM ABERTO. RECEPÇÃO PELA CF/88 DA NORMA INSCRITA NO ART. 23 DA LEI 1079/50. REVOGAÇÃO DE CRIMES DE RESPONSABILIDADE PELA EC 4/61. REPRISTINAÇÃO EXPRESSA PELA EC N. 6/63. C.F., ART. 5., LV; ART. 51, I; ART. 52, I; ART. 86, "CAPUT", PAR.1., II, PAR.2.; EMENDA CONSTITUCIONAL N. 4, DE 1961; EMENDA CONSTITUCIONAL N. 6, DE 1.963. LEI N. 1.079/50, ART. 14, ART. 23. I. - "IMPEACHMENT" DO PRESIDENTE DA REPUBLICA: COMPETE AO SENADO FEDERAL PROCESSAR E JULGAR O PRESIDENTE DA REPUBLICA NOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE (C.F., ART. 52, I; ART. 86, PAR.1., II), DEPOIS DE AUTORIZADA, PELA CÂMARA DOS DEPUTADOS, POR DOIS TERCOS DE SEUS MEMBROS, A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO (C.F., ART. 51, I), OU ADMITIDA A ACUSAÇÃO (C.F., ART. 86). E DIZER: O "IMPEACHMENT" DO PRESIDENTE DA REPUBLICA SERÁ PROCESSADO E JULGADO PELO SENADO. O SENADO E NÃO MAIS A CÂMARA DOS DEPUTADOS FORMULARA A ACUSAÇÃO (JUÍZO DE PRONUNCIA) E PROFERIRA O JULGAMENTO (C.F., ART. 51, I; ART. 52, I; ART. 86, PAR.1., II, PAR.2.). II. - NO REGIME DA CARTA DE 1988, A CÂMARA DOS DEPUTADOS, DIANTE DA DENUNCIA OFERECIDA CONTRA O PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXAMINA A ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO (C.F., ART. 86,"CAPUT"), PODENDO, PORTANTO, REJEITAR A DENUNCIA OFERECIDA NA FORMA DO ART. 14 DA LEI 1079/50. III. - NO PROCEDIMENTO DE ADMISSIBILIDADE DA DENUNCIA, A CÂMARA DOS DEPUTADOS PROFERE JUÍZO POLÍTICO. DEVE SER CONCEDIDO AO ACUSADO PRAZO PARA DEFESA, DEFESA QUE DECORRE DO PRINCÍPIO INSCRITO NO ART. 5., LV, DA CONSTITUIÇÃO, OBSERVADAS, ENTRETANTO, AS LIMITAÇÕES DO FATO DE A ACUSAÇÃO SOMENTE MATERIALIZAR-SE COM A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO, NO SENADO. NESTE, E QUE A DENUNCIA SERÁ RECEBIDA, OU NÃO, DADO QUE, NA CÂMARA OCORRE, APENAS, A ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO, A PARTIR DA EDIÇÃO DE UM JUÍZO POLÍTICO, EM QUE A CÂMARA VERIFICARA SE A ACUSAÇÃO E CONSISTENTE, SE TEM ELA BASE EM ALEGAÇÕES E FUNDAMENTOS PLAUSIVEIS, OU SE A NOTICIA DO FATO REPROVAVEL TEM RAZOAVEL PROCEDENCIA, NÃO SENDO A ACUSAÇÃO SIMPLESMENTE FRUTO DE QUIZILIAS OU DESAVENCAS POLITICAS. POR ISSO, SERÁ NA ESFERA INSTITUCIONAL DO SENADO, QUE PROCESSA E JULGA O PRESIDENTE DA REPUBLICA, NOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE, QUE ESTE PODERA PROMOVER AS INDAGAÇÕES PROBATORIAS ADMISSIVEIS. IV. - RECEPÇÃO, PELA CF/88, DA NORMA INSCRITA NO ART. 23 DA LEI 1079/50. VOTAÇÃO NOMINAL, ASSIM OSTENSIVA (RI/CÂMARA DOS DEPUTADOS, ART. 187, PAR.1., VI). V. - ADMITINDO-SE A REVOGAÇÃO, PELA EC N. 4, DE 1961, QUE INSTITUIU O SISTEMA PARLAMENTAR DE GOVERNO, DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE NÃO TIPIFICADOS NO SEU ARTIGO 5., COMO FIZERA A CF/46, ART. 89, V A VIII, CERTO E QUE A EC N. 6, DE 1.963, QUE REVOGOU A EC N. 4, DE 1961, RESTABELECEU O SISTEMA PRESIDENCIAL INSTITUIDO PELA CF/46, SALVO O DISPOSTO NO SEU ART. 61 (EC N. 6/63, ART. 1.). E DIZER: RESTABELECIDO TUDO QUANTO CONSTAVA DA CF/46, NO TOCANTE AO SISTEMA PRESIDENCIAL DE GOVERNO, OCORREU REPRISTINAÇÃO EXPRESSA DE TODO O SISTEMA. VI. - MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO, EM PARTE, PARA O FIM DE ASSEGURAR AO IMPETRANTE O PRAZO DE DEZ SESSÕES, PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA.

(STF - MS: 21.564 DF, Relator: OCTAVIO GALLOTTI, para o acórdão Min. Carlos Velloso, Data de Julgamento: 23/09/1992, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 27-08-1993) Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/sobrestfconhecastfjulgamentohistorico/anexo/ms21564.pdf

[14] A Ata do julgamento está disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=306674.

[15] O Min. Luis Roberto Barroso conduziu o voto vencedor, razão pela qual será o relator para o acórdão. Foi publicado no próprio sítio do Supremo Tribunal Federal a ementa que, salvo eventuais modificações posteriores, deverá ser a ementa definitiva do acórdão da ADPF 378 que reproduzimos na íntegra o ponto de destaque quanto ao papel do Senado Federal: [...]3. RITO DO IMPEACHMENT NO SENADO (ITENS “G” E “H”): 3.1. Por outro lado, há de se estender o rito relativamente abreviado da Lei nº

1.079/1950 para julgamento do impeachment pelo Senado, incorporando-se a ele uma etapa inicial de instauração ou não do processo, bem como uma etapa de pronúncia ou não do denunciado, tal como se fez em 1992. Estas são etapas essenciais ao exercício, pleno e pautado pelo devido processo legal, da competência do Senado de “processar e julgar” o Presidente da República.

3.2. Diante da ausência de regras específicas acerca dessas etapas iniciais do rito no Senado, deve-se seguir a mesma solução jurídica encontrada pelo STF no caso Collor, qual seja, aplicação das regras da Lei nº 1.079/1950 relativas a denúncias de impeachment contra Ministros do STF ou contra o PGR (também processados e julgados exclusivamente pelo Senado).

3.3. Conclui-se, assim, que a instauração do processo pelo Senado se dá por deliberação da maioria simples de seus membros, a partir de parecer elaborado por Comissão Especial, sendo improcedentes as pretensões do autor da ADPF de (i) possibilitar à própria Mesa do Senado, por decisão irrecorrível, rejeitar sumariamente a denúncia; e (ii) aplicar o quórum de 2/3, exigível para o julgamento final pela Casa Legislativa, a esta etapa inicial do processamento[...]” (destaque nosso) (Disponível em:< http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF__378__Ementa_do_voto_do_ministro_Roberto_Barroso.pdf>, acesso em 21 de Dezembro de 2015.

[16] Entendendo pela obrigatoriedade do Senado Federal processar e julgar diante do juízo positivo de admissibilidade está FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2015. p. 937.

[17] “Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”.

[18] Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=306648.

[19] Disponível em http://jota.info/o-passado-e-o-futuro-do-impeachment.

[20] A questão, nos parece, até é o inverso, como dissemos noutro texto: “Nos termos do art. 188, §2º do RICD, veda-se o escrutínio secreto para autorização do processo de impedimento, aplicável também para a formação da comissão especial e todo e qualquer ato que diga respeito ao processo de impedimento dos altos cargos republicanos. Mais do que isso, o art. 23 da lei 1.079/50 é explícito em exigir a votação aberta: ‘Encerrada a discussão do parecer, será́ o mesmo submetido a votação nominal, não sendo permitidas, então, questões de ordem, nem encaminhamento de votação’” (http://emporiododireito.com.br/controle-judicial-do-processo-legislativo-de-impeachment).

[21] http://emporiododireito.com.br/controle-judicial-do-processo-legislativo-de-impeachment.

[22] DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. 2a ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005; cf. também: PEDRON, Flávio Quinaud. Sobre a semelhança entre interpretação jurídica e interpretação literária em Ronald Dworkin. Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 8, n. 15, p. 15-139, 1.° sem. 2005; BAHIA, Alexandre Melo Franco. A interpretação jurídica no Estado Democrático de Direito: contribuição a partir da teoria do discurso de Jürgen Habermas. In: CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade (org.). Jurisdição e hermenêutica constitucional no Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 301-357.

[23] A questão da coerência com precedentes é um dos tópicos de destaque no Novo CPC. Sobre isso cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco, PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015; e: STRECK, Lenio Luiz e ABBOUD, George. O que é isto- o precedente judicial e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013.

[24] Sobre a natureza do crime de responsabilidade ver:  STRECK, Lenio Luiz, CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Comentários ao art. 85. In: CANOTILHO, J.J. Gomes, MENDES, Gilmar Ferreira, SARLET, Ingo Wolfgang, STRECK, Lenio Luiz (orgs.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014.p. 1286 e 1287. Com efeito, Leonardo Isaac Yarochewsky defende, também, a natureza jurídico-política do processo de impeachment: Processo de impeachment tem natureza mista: política/jurídica. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2015-dez-18/yarochewsky-impeachment-natureza-mista-politicajuridica>, acesso em 21 de Dezembro de 2015.


 

Imagem Ilustrativa do Post: STF julga rito do impeachment // Foto de: Agência Brasil Fotografias // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/fotosagenciabrasil/23167334023 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura