Sempre que eu falo em advocacia criminal, procuro realçar a importância da estratégia sobre a transpiração. Não que o estudo da dogmática, da jurisprudência, da filosofia do direito, enfim, seja menos importante para uma bem-sucedida carreira na advocacia criminal. É muito importante. O esforço em busca do conhecimento é, invariavelmente, recompensado na advocacia criminal.
O que eu quero dizer, na verdade, é que a advocacia criminal pressupõe um atuar estratégico, inteligente e sensível aos movimentos das outras partes. Muitas vezes, a absolvição ou a condenação do acusado define-se no detalhe e o criminalista, por isso mesmo, deve estar atento a tudo o que acontece no procedimento. O conhecimento é a base. A estratégia determina a atitude.
Mas como estar focado no detalhe para identificar a estratégia processual mais adequada, se o profissional sequer consegue resolver as suas questões pessoais? Por que eu tenho medo de falar? E de falhar? Por que eu sinto angústia diante dos desafios da profissão? Por que eu tenho a sensação de que nunca estou preparado para o enfrentamento das questões sempre árduas da advocacia criminal?
A pressa e a correria do dia-a-dia não permitem que façamos a necessária reflexão sobre os rumos da nossa advocacia, sobre a qualidade da nossa prestação de serviço, sobre as reais dificuldades que encontramos para o exercício profissional. Não pensamos em nós mesmos e nas nossas relações com os outros. Não pensamos nas raízes das nossas misérias, dos nossos medos, das nossas falsas crenças.
Conhece-te a ti mesmo.
Em 2017, a Escola de Criminalistas reuniu cerca de 90 profissionais da advocacia criminal no Hotel Samuara, em Caxias do Sul/RS. De sexta a domingo, foram realizadas atividades voltadas para o autoconhecimento, para o desenvolvimento de habilidades, para o crescimento individual de cada um dos participantes.
A utilização da metodologia da Improvisação Aplicada mostrou, na chegada, a importância de estarmos abertos para o novo e como devemos observar nossos próprios atos e nossa concepção a respeito dos nossos erros. Na sequência, os participantes puderam refletir sobre a forma como lidam com a frustração, com os desafios, com a pressão. Na intervenção sobre “Refazer as malas de viagem”, veio uma dinâmica que propôs a revisão dos itens que são entregues pelas pessoas próximas para carregarmos na nossa jornada pela vida, de modo a levarmos apenas o “peso” que devemos suportar. Com o psicodrama, o público pode entrar em contato com as suas potencialidades, com as suas forças, com seus mitos, identificando aquela personagem que representa o avatar da minha superação, aquele que me faz vencer o desafio. A metáfora da Defesa Pessoal versus Defesa Processual trouxe a importância da transposição simbólica da tríade base, postura e atitude para o trabalho do criminalista no Processo Penal. O encontro com juristas e a discussão sobre a advocacia criminal encerraram os debates sobre como atuar de forma artesanal na advocacia.
Um lugar paradisíaco cercado de silêncio e desafios. Um lugar para não ter pressa. Em silêncio, ter tempo para sentir o próprio corpo, ouvir o som da própria respiração, perceber os batimentos do coração, as sensações da pele. Um momento para entrar em contato com as questões mais profundas. Submergir para dentro de si mesmo e emergir com novas perguntas.
Nos dias 17 a 19 de agosto de 2018, tudo será novamente preparado. O Hotel Samuara será palco, mais uma vez, de novas dinâmicas, novas reflexões, novos desafios e novas descobertas.
A hora do encontro.
O IV Curso de Plenário do Tribunal do Júri será realizado durante a II Imersão em Advocacia Artesanal. Dando sequência aos temas tratados nas três primeiras edições, farei a exposição das questões controvertidas das duas fases do procedimento, dos pontos relativos à preparação do julgamento e o enfretamento de tudo o que importa para a boa atuação no Plenário do Tribunal do Júri. A novidade desta edição do curso será a realização de um Júri de Demonstração, com a presença dos advogados José Fernando Gonzales e Ezequiel Vetoretti, nos papéis de promotor e assistente da acusação, tendo ao meu lado, na defesa, o advogado Leonardo Santiago. Haja...
Para as demais atividades da Imersão, grandes palestrantes confirmaram participação.
O criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, virá falar da sua experiência na advocacia criminal em casos de grande repercussão. A psicóloga Marta Echenique trará os recursos do psicodrama para o trabalho de reflexão sobre a atuação profissional de cada participante. Mônica Delfino, psicóloga, fará seu trabalho em torno da crítica ao modo de ser de cada um e o reflexo disso no seu modo de fazer a advocacia. O músico Thedy Correa, da banda Nenhum de Nós, fará sua palestra “O impacto da música na vida das pessoas”. Outras atrações ainda serão anunciadas, especialmente para as duas festas realizadas nas noites de sexta e no sábado.
Autoconhecimento e prática da advocacia artesanal num ambiente que favorece o desligamento do mundo externo e sua frenética velocidade. Mais uma vez, de sexta a domingo, todos serão convidados a estarem em contato com grandes palestrantes, fazendo a troca de experiências e tendo o melhor convívio com colegas de todos os recantos do País.
Rubem Alves, no início do livro “Ostra feliz não faz pérola”, conta a história da ostra solitária que, diferentemente das demais, entoava um canto triste, deprimido, enquanto todas as outras deixavam sair um verdadeiro canto gregoriano, alegre, feliz. A ostra solitária, no entanto, não sentia tristeza ou depressão, mas dor. Era a dor que a fazia cantar daquele jeito e tudo porque um minúsculo grão de areia entrara no interior da concha e estava, agora, com suas pontas e cantos, machucando a carne macia e exposta da pobre ostra, causando-lhe, pois, a dor insuportável.
Como a ostra solitária não conseguia livrar-se do grão de areia, fez com que seu corpo produzisse uma substância para envolvê-lo, de tal forma que sua superfície irregular fosse toda coberta e a dor cessasse. Enquanto a ostra solitária entoava seu canto triste, o corpo fazia seu trabalho, recobrindo o grão e atenuando o sofrimento.
Rubens Alves narra a situação da ostra sofredora, que transforma o motivo da dor em pérola, fazendo um paralelo com as dificuldades da vida que acarretam sofrimento às pessoas, mas que, ao mesmo tempo, representam oportunidades de crescimento, fortalecimento e superação. A ostra infeliz produz a pérola, assim como a pessoa que encara de frente os problemas da vida, também se torna mais forte para enfrentar os novos desafios.
O advogado da área criminal sabe que é parte do seu ofício ter que lidar com a dor e o sofrimento das pessoas envolvidas no drama humano tratado em cada processo. Certamente, por isto, o "canto" do advogado criminalista tenha um quê de tristeza, de melancolia, característica presente em muitos livros que retratam este profissional como alguém solitário, ensimesmado, aturdido com as questões mais profundas da existência.
O criminalista sente a dor do seu cliente e da família, assim como não está infenso às dores de quem sofreu a perda e, nessa condição, também sofre. Em cada crime atendido, o contato próximo com a insustentável leveza do humano, demasiado humano. Nos acusados de crimes, o homem perverso, mas amável para seus filhos; o assassino frio da pobre vítima, mas zeloso cuidador dos próprios pais; o estuprador terrível, mas com profundo senso de proteção da natureza; criminosos, enfim, que levam em si toda a miséria e altruísmo em forma de potência.
O criminalista, portanto, vive com múltiplos grãos de areia a machucarem a própria carne e a entristecerem seu canto, estando sempre diante da inescapável tarefa de fazer a pérola, o que só pode acontecer pelo autoconhecimento.
Conhece-te.
Mais não digo.
Imagem Ilustrativa do Post: Cooler - Nevera // Foto de: Jorge González // Sem alterações
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