HORA IN ITINERE – APLICAÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017 – NUANCES E DISSENSOS JURISPRUDENCIAIS

22/05/2018

 

Coluna Atualidades Trabalhistas/Coordenador: Ricardo Calcini

                                  Com o advento da Lei 13467/2017, a não menos conhecida por REFORMA TRABALHISTA, trouxe consigo a vontade de modificar o conceito que já existia há mais de 70 (setenta) anos quando, as “CLÁSSICAS” horas in itinere por definição, só seriam devidas quando o empregado trabalhasse em local de difícil acesso ou não servido por transporte publico, mesmo quando o empregador fornecesse condução, conforme preceituava o artigo 58, respectivos parágrafos da CLT. 

Acompanhado da antiga redação, fortalecido pelo vigor e entendimento uníssono do nosso Colendo Superior, a Súmula 90 AINDA disciplina os casos que a referida hora será devida, posto que não revogada pela chegada da nova positivação.

Para tanto, citamos a referida Súmula e, logo após, trazemos a nova redação, com o objetivo de demonstrar de maneira inequívoca, o ponto de divergência entre o VELHO e o NOVO:

Súmula nº 90 do TST 

HORAS "IN ITINERE". TEMPO DE SERVIÇO (incorporadas as Súmulas nºs 324 e 325 e as Orientações Jurisprudenciais nºs 50 e 236 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 
I - O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, e para o seu retorno é computável na jornada de trabalho. (ex-Súmula nº 90 - RA 80/1978, DJ 10.11.1978) 
II - A incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada do empregado e os do transporte público regular é circunstância que também gera o direito às horas "in itinere". (ex-OJ nº 50 da SBDI-1  - inserida em 01.02.1995) 
III - A mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento de horas "in itinere". (ex-Súmula nº 324 – Res. 16/1993, DJ 21.12.1993) 
IV - Se houver transporte público regular em parte do trajeto percorrido em condução da empresa, as horas "in itinere" remuneradas limitam-se ao trecho não alcançado pelo transporte público. (ex-Súmula nº 325 – Res. 17/1993, DJ 21.12.1993) 
V - Considerando que as horas "in itinere" são computáveis na jornada de trabalho, o tempo que extrapola a jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo. (ex-OJ nº 236 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)  

...

“Art. 58 - A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite. 

  • 1o Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário no registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários.
  • 2º O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador. 
  • 3º (Revogado).” (GRIFOS NOSSOS)

No sentido e, à luz do que estabelecia as referidas HORAS IN ITINERE, o Doutrinador Mauricio Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho, 6ª edição, Editora Ltr aduz: “O segundo requisito pode consumar-se de modo alternativo (ou- e não e- enfatizam tanto a súmula 90, I do TST, como o novo artigo 58, parágrafo segundo da CLT). Ou se exige que o local de trabalho seja de difícil acesso, ou se exige que, pelo menos, o local de trabalho não esteja servido por transporte publico regular”. 

Ou seja, caberia uma ou outra hipótese prevista no § 2º para obtenção do pagamento da referida verba que, mudou por completo a sua essência, praticamente, tornando-a letra morta. 

Hoje temos que, além do excludente inserto pelo novel §2º e revogação do § seguinte, é cediço que, não serão consideradas horas à disposição quando, por escolha própria, o empregado permanecer na empresa para: 

 (i) práticas religiosas, (ii) descanso, (iii) lazer, (iv) estudo, (v) alimentação, (vi) atividades de relacionamento social, (vii) higiene pessoal, (viii) troca de roupa ou uniforme (quando não houver obrigatoriedade de troca na empresa). 

No entanto, o impasse está instalado quando nos deparamos com a eficácia da lei em comento no tempo (contratos vigentes ou não, á época da promulgação da referida Lei), acompanhados de inúmeras decisões proferidas que ainda mantém viva a regra disposta no art. 58 da Consolidada, além de inúmeras Súmulas Regionais que, em dado momento, deverão sucumbir a NÃO APLICAÇÃO e, por conseguinte, extinção da aplicação como condição vinculada ao ator principal desse cenário, o empregado, quanto às referidas horas in itinere.

Ademais, nunca é demais relembrar que a distribuição do ônus da prova, mudança essa que também tivemos na nova CLT, em seu artigo 818, acompanhando o que o CPC já pregava, certamente dificultarão a concessão do pleito deferido em ação ou, mesmo, no dia-a-dia. 

Assim, restará incompatível o deferimento das horas in itinere, vez que as hipóteses elencadas no alterado artigo 58, trazem inexoravelmente, mudança direta e de sensibilidade ímpar, ao direito que deveria assistir ao trabalhador. 

A atual redação do § 2º do art. 58 da CLT foi inspirada pela maciça jurisprudência que interpretava extensivamente o art. 4º da CLT e que estava retratada nas Súmulas nºs 90 e 320 do TST. 

O texto proposto suprime as horas in itinere porque desconsidera o tempo gasto pelo empregado no transporte casa-trabalho e vice-versa, independente do fornecimento, pelo empregador, da condução e do local que se situa e empresa. 

Mas, o quê fazer com as Súmulas Regionais e demais julgados que, conforme se verifica abaixo àqueles que trazemos ao presente artigo para melhor ilustrar o impasse que permeia a aplicação do artigo 58, lembrando que, não se trata de direito adquirido, é necessário que esteja em plena consonância ao dispositivo legal, como os Tribunais, inclusive o próprio TST, irá administrar a atuação nos casos concretos?

Súmula nº 320 do TST

HORAS "IN ITINERE". OBRIGATORIEDADE DE CÔMPUTO NA JORNADA DE TRABALHO (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

O fato de o empregador cobrar, parcialmente ou não, importância pelo transporte fornecido, para local de difícil acesso ou não servido por transporte regular, não afasta o direito à percepção das horas "in itinere". 

Súmula nº 429 do TST

TEMPO À DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR. ART. 4º DA CLT. PERÍODO DE DESLOCAMENTO ENTRE A PORTARIA E O LOCAL DE TRABALHO - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 
Considera-se à disposição do empregador, na forma do art. 4º da CLT, o tempo necessário ao deslocamento do trabalhador entre a portaria da empresa e o local de trabalho, desde que supere o limite de 10 (dez) minutos diários. 

No mesmo sentido, temos também o TRT18 e o de Mato Grosso do Sul (TRT24), respectivamente: 

SÚMULA N° 17 TEMPO À DISPOSIÇÃO. PERÍODO EM QUE O OBREIRO ESPERA PELO TRANSPORTE FORNECIDO PELO EMPREGADOR. 
O tempo de espera ao final da jornada é considerado à disposição, se o trabalhador depende, exclusivamente, do transporte fornecido pelo empregador. (RA nº 74/2011, DJE – 26.08.2011, 29.08.2011 e 30.08.2011)

SÚMULA Nº 54 HORAS IN ITINERE. EMPREGADO RESIDENTE EM MUNICÍPIO DIVERSO DAQUELE EM QUE ESTABELECIDO O EMPREGADOR.
O preenchimento dos requisitos legais para o recebimento das horas in itinere deve considerar a dificuldade de acesso ao local de trabalho e não a do local de residência do empregado. Preenchidos os requisitos do art. 58, § 2º da CLT e da Súmula 90 do TST, são devidas as horas in itinere. A contratação de empregado residente em município distinto daquele em que se localiza a empresa não enseja o pagamento de horas in itinere, mesmo que o transporte seja fornecido gratuitamente pelo empregador, desde que: a) o local de trabalho, em relação ao município sede, não seja de difícil acesso e b) seja suficiente a existência de mão de obra no município sede da empresa, em relação à demanda de mão de obra desta.
(RA nº 083/2016 – DEJT: 17.06.2016, 20.06.2016, 21.06.2016) 

SÚMULA 13: HORAS IN ITINERE. TRANSPORTE PÚBLICO INTERMUNICIPAL/INTERESTADUAL. A existência de linha de ônibus intermunicipal ou interestadual não elide o direito à percepção das horas in itinere. (TRT24 – Resolução Administrativa 109)

Vale lembrar que, referidas Súmulas ainda não foram formalmente canceladas ou revisadas, sem que houvesse ainda qualquer interpretação efetiva diversa da que ainda remanesce nos Pretorianos.

Além disso e, não menos relevante, o Excelso STF, pela lavra do Eminente Ministro, finado Teori Zavascki, por meio do recurso RE STF 895759/PE que,  autorizava a supressão, mediante negociação coletiva quanto ao pagamento das horas in itinere, ressaltando a importância da via negocial e o princípio da autonomia da vontade coletiva aplicáveis à espécie.

Assim, em época que precedia à própria reforma em cotejo, dispôs a Suprema Corte Pátria: EMENTA : TRABALHISTA. AGRAVOS REGIMENTAIS NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. TRANSAÇÃO DO CÔMPUTO DAS HORAS IN ITINERE NA JORNADA DIÁRIA DE TRABALHO. CONCESSÃO DE VANTAGENS DE NATUREZA PECUNIÁRIA E DE OUTRAS UTILIDADES. VALIDADE. 1. Conforme assentado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 590.415 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe de 29/5/2015, Tema 152), a Constituição Federal “reconheceu as convenções e os acordos coletivos como instrumentos legítimos de prevenção e de autocomposição de conflitos trabalhistas”, tornando explícita inclusive “a possibilidade desses instrumentos para a redução de direitos trabalhistas”. Ainda segundo esse precedente, as normas coletivas de trabalho podem prevalecer sobre “o padrão geral heterônomo, mesmo que sejam restritivas dos direitos dos trabalhadores, desde que não transacionem setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade absoluta”. 2. É válida norma coletiva por meio da qual categoria de trabalhadores transaciona o direito ao cômputo das horas in itinere na jornada diária de trabalho em troca da concessão de vantagens de natureza pecuniária e de outras utilidades.”

Para tal, mais um ingrediente se inclui nessa que não parece ser uma receita simples, o art. 611-A que trata da prevalência do negociado sobre o legislado. Ou seja, ali, com o instituto da prevalência das negociações coletivas sobre o instituto determinado em lei, novo impasse se cria, afinal, como não considerar o que a nossa Carta Magna, em seu art. 5º, XXXVI, traz a respeito quando assim estabelece: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”?

Ou seja, uns dirão que se trata de DIREITO ADQUIRIDO, tantos outros que, a legislação trabalhista não é imutável, pelo contrário, ela carece de uma atualização ao cenário atual que rege as relações de trabalho e, da própria sociedade onde, parcos exemplos do nosso dia-a-dia, guardam relação com as condições destacadas no pretérito artigo 58 da CLT e, respectivos parágrafos.

Conclui-se, sob a ótica dos autores que, a lei na forma que ela fora promulgada e, em vigor que se encontra, deve ser aplicada e seus efeitos devem recair mesmo sobre aqueles contratos que foram celebrados em momento anterior à Reforma Trabalhista, tanto pelo princípio da legalidade como também pelo simples fato de que os contratos de trabalho são de trato sucessivo, ou seja, se renovam no tempo e cada obrigação surge a partir de um novo fato gerador que à luz da legislação em curso gera determinado efeito que no caso em comento deixa de integrar a jornada de trabalho do empregado em qualquer hipótese e, por conseguinte, fatos pretéritos são preservados, mas não há obrigação de manutenção do modelo ou tampouco dos pagamentos sob pena, caso a empresa assim o faça, incorrer em outro tipo de dinâmica que a lei não mais lhe impõe.

 

Imagem Ilustrativa do Post: "Trabalho" // Foto de: Artur Luiz // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/artur_fotos/40582218832

Licença de uso: https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura