Honorários sucumbenciais e direito intertemporal, segundo o STJ. Mais coerência, por favor – Por André Gustavo Salvador Kauffman

20/09/2016

Coordenador: Gilberto Bruschi

Coerência. A rigidez com o inimigo e a condescendência com o amigo, postura tão comum na cena política brasileira, talvez seja o exemplo mais atual de incoerência da nossa sociedade. No ambiente acadêmico, independente do objeto pesquisado, o estudioso pode falir no intento de defender uma ideia se forem encontradas incoerências na tese defendida. Lembro-me bem dos saudosos tempos de mestrando na PUC/SP como cada professor com que tive a satisfação de aprender cobrava coerência dos alunos. “Se você disse aquilo como defende isso?”. Na jurisprudência é rotineiro ler julgados sobre o mesmo tema com fundamentos e conclusões diametralmente opostas, muitas vezes provenientes de um mesmo Tribunal. O comportamento contraditório é um desvio caráter. A incoerência acadêmica redunda em desprestígio autoral. A jurisprudência incoerente corrói a isonomia, propaga a litigiosidade e promove a injustiça.

Atento a isso, o Código de Processo Civil de 2015 (“CPC-15”) materializou um dever para todas as Cortes brasileiras. Ele está estampado no art. 926 que assim determina: “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. Se a norma de conduta social da coerência se perdeu no labirinto da jurisdição, o legislador a tornou regra expressa, cabendo ao juiz, necessariamente, observá-la (art. 8.º CPC-15 c/c art. 5.º do Decreto-lei 4.657/42).

Infelizmente, porém, ainda nos primeiros meses de vigência do CPC-15 já identificamos incoerência jurisprudencial em um ponto importantíssimo: a regra de direito intertemporal dos honorários de sucumbência.

O Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) possui um entendimento jurisprudencial antigo sobre o tema, segundo o qual em matéria de honorários advocatícios a lei aplicável é aquela em vigor quando da data da prolação da sentença. Apenas como exemplo remeto o leitor aos vários acórdãos existentes sobre a matéria (RESP 783.208/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, RESP 542.056/SP, Min. Luiz Fux, RESP 487.570/SP, Min. Francisco Falcão e RESP 439.014/RJ, Min. Franciulli Netto) todos citados no julgado recente, cuja ementa, em parte, segue abaixo transcrita:

“HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NATUREZA JURÍDICA. LEI NOVA. MARCO TEMPORAL PARA A APLICAÇÃO DO CPC/2015. PROLAÇÃO DA SENTENÇA.

(...)

6. O Superior Tribunal de Justiça propugna que, em homenagem à natureza  processual  material  e  com  o  escopo  de preservar-se o direito adquirido, as normas sobre honorários advocatícios não são alcançadas  por  lei  nova. A sentença, como ato processual que qualifica o nascedouro do direito à percepção dos honorários advocatícios, deve ser considerada o marco temporal para a aplicação das regras fixadas pelo CPC/2015.

(...)

(STJ, REsp 1465535/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 21/06/2016, DJe 22/08/2016) 

Por consequência desse entendimento, a parte que moveu em 2014 ação para anular uma duplicata com valor de um milhão de reais poderá ter que pagar ao menos cem mil reais de honorários ao advogado da parte contrária (art. 85§ 2.º) se a sentença for proferida após 18 de março de 2015, ou seja, já na vigência do CPC-15. Lembremos que, quando distribuída, referida causa estava sujeita à fixação de honorários de sucumbência por equidade, conforme o art. 20, § 4.º do Código de Processo Civil de 1973 (“CPC-73”), norma interpretada por pacífica jurisprudência segunda a qual “em sua apreciação equitativa, nada impede que o magistrado arbitre honorários em valores inferiores ou superiores aos que resultaria da observância dos limites indicados no § 3º do art. 20 do CPC (mínimo de 10% e máximo de 20%)” (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1237578/CE, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 21/03/2013, DJe 04/04/2013). Por isso mesmo eram usais sentenças de improcedência gerando honorários advocatícios que representavam 5% (REsp 1603732/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 08/09/2016) ou mesmo um valor fixo muito inferior a 1% da pretensão econômica da causa (REsp 1506837/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 17/12/2015). Nitidamente, a interpretação dada pela jurisprudência ao CPC-73 gerava um risco de pagamento de honorários sucumbência pela improcedência bem inferior à literalidade do CPC-15.

Ainda assim, mesmo se tratando de lei posterior mais onerosa ao litigante do que a lei anterior, segundo o entendimento tradicional jurisprudencial do STJ, em matéria de direito transitório envolvendo honorários de sucumbência, não prevalece a lei em vigor quando da propositura da ação, mas sim a lei em vigor quando da prolação da sentença.

Com essa premissa bem delineada, recordemos que o CPC-15 criou os chamados honorários sucumbenciais recursais (§ 11, art. 85). Acerca de aplicação desta novidade no tempo, na véspera da entrada em vigor da nova lei, o STJ editou o que denominou como enunciado administrativo n.º 7, que traz o seguinte teor: “Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC.”. Sem aqui perquirir a legalidade dos tais enunciados administrativos, na prática eles vêm sendo usados nos julgamentos do STJ, como abaixo exemplificamos:

“Concernente aos honorários advocatícios, conforme o Enunciado Administrativo n. 7 deste Superior Tribunal de Justiça, somente nos recursos interpostos contra decisão publicada  a partir de 18 de março   de   2016,   será  possível  o  arbitramento  de  honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do novo Código de Processo Civil.”

(STJ, EDcl no AgRg no AREsp 489.160/RS, Rel. Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 14/06/2016, DJe 17/06/2016)

Donde podemos concluir que, segundo o entendimento que começa a se formar, diferente do que ocorre com relação aos honorários sucumbenciais ordinários, a lei aplicável para os honorários sucumbenciais recursais é a aquela em vigor quando da publicação da decisão recorrida. Portanto, segundo o STJ, nenhum recurso julgado sob a égide do CPC-15 poderá ensejar a aplicação do seu § 11 do art. 85 caso ele tenha sido interposto antes da entrada em vigor da nova lei ou, ainda que depois, caso esteja voltado contra decisão proferida na vigência do CPC-73.

Aqui identificamos a incoerência. Segundo o STJ, pouco importa que a ação tenha sido proposta sob a égide de um sistema de honorários sucumbenciais ordinários menos onerosos para as partes, a lei aplicável é aquela do dia da sentença. Por outro turno, ainda segundo o STJ, justamente por serem mais onerosos ao recorrente, os honorários sucumbenciais recursais apenas se aplicam aos recursos interpostos contra decisões proferidas já na vigência do CPC-15. Eis o paradoxo. Pouco importa a data da propositura da ação. Muito importa a data da interposição do recurso (ou da publicação da decisão recorrida).

O leitor que me prestigia lendo até aqui poderá discordar: em ambos os entendimentos a lei em vigor é a da data da sentença! Ora, mas o que é a decisão do Tribunal senão um novo julgamento? O art. 1.008 do CPC-15 assenta que “o julgamento proferido pelo tribunal substituirá a decisão impugnada no que tiver sido objeto de recurso”, conceito muito parecido com o contido no art. 512 do CPC-73, segundo o qual “o julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso”. Então, se prevalece a lei em vigor na data da sentença para a fixação dos honorários advocatícios ordinários por qual razão não prevalece a lei da data do acórdão, na fixação dos honorários sucumbenciais recursais?

Não responderemos a essa pergunta. De forma alguma queremos que os leitores abstraiam destas linhas uma posição definitiva de nossa parte sobre o direito intertemporal e os honorários advocatícios sucumbenciais no CPC-15, sejam ordinários ou recursais. O foco aqui é a busca pela coerência jurisprudencial e, apenas sob esse aspecto, se o STJ optar por manter sua jurisprudência e, com ela, aplicar as mudanças dos honorários sucumbenciais ordinários aos processos ajuizados antes de 18 de março de 2016, também assim deve proceder com relação aos honorários sucumbenciais recursais, cancelando o enunciado administrativo n.º 7. Caso contrário, ou seja, alterando o entendimento jurisprudencial acerca do tema, que não aplique as regras de honorários do CPC-15 a processos ajuizados e recursos interpostos contra decisões publicadas antes de 18 de março de 2015. Porém deixo claro nossa profunda dúvida sobre qual seria a melhor interpretação.

Ambas as posições trazem argumentos favoráveis e contrários e, para jogar ainda mais lenha nessa fogueira, podemos debater em outra oportunidade se os honorários sucumbenciais possuem natureza de remuneração e, portanto, são norma de direito material em vez de processual, com todos os efeitos de irretroatividade daí decorrentes. Tema instigante que, talvez, um dos autores que publicam nesta coluna queira enfrentar futuramente.

Finalizo registrando que a depender do caminho que trilhar a jurisprudência muitas empresas deverão alterar seus critérios de provisão. Ações outrora inofensivas ao empresário carecerão de análise criteriosa sobre a contingência. Por isso mesmo nossa intenção com essas singelas linhas é ver crescer o debate em torno de tão relevante tema e, o quanto antes, identificar a pacificação da jurisprudência em torno dele, o que permitirá a necessária previsibilidade das decisões judiciais acerca de tão relevante tema.. .


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