Honorários Advocatícios em Requisição de Pequeno Valor 

27/05/2018

Coluna: Advocacia Pública em Debate / Coordenadores: Weber Luiz de Oliveira e José Henrique Mouta Araújo

O Código de Processo Civil de 2015 dispõe no art. 85, § 7º que “Não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada”.

A controvérsia jurídica se refere ao termo “precatório”, no sentido de abranger ou não a requisição de pequeno valor (RPV).

A respeito, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina julgou recentemente o Tema 4 de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), assentado tese do seguinte teor: “Cabe fixação de honorários advocatícios no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, se esta não cumprir a requisição de pequeno valor no prazo de 2 meses previsto no art. 535, § 3º, II do CPC/15, inclusive no caso de RPV antecipada da parte incontroversa”.

O julgamento ocorreu nos autos do Agravo de Instrumento n. 4017466-37.2016.8.24.0000, em 09.05.2018, tendo sido provido, ainda, o recurso do Estado de Santa Catarina que impugnava a determinação do juízo de primeiro grau de impor honorários já no início do cumprimento de sentença. O acórdão ainda não foi publicado.

Contudo, os fundamentos defendidos pelo ente estatal e acolhidos no julgamento podem ser condensados em: 1. regimes jurídico-processuais do CPC/1973 e do CPC/2015; 2. natureza jurídica dos precatórios; 3. violação aos princípios da causalidade e da sucumbência; 4. distinguishing com o RE 420.816-PR.

Sobre o primeiro fundamento é sabido que existe uma regulamentação constitucional para o pagamento de valores pelas Fazendas Públicas, consubstanciados no art. 100 e, no particular, no seu § 3º. Eis as redações: 

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

  • 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.

No regime do CPC/1973 foi editada a súmula 517 do Superior Tribunal de Justiça, interpretando o art. 475-J[i], dispondo o seguinte: “São devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário, QUE SE INICIA APÓS A INTIMAÇÃO DO ADVOGADO DA PARTE EXECUTADA”.

Vale dizer, na execução de devedores privados se entendeu que os honorários advocatícios somente serão devidos após oportunizar ao executado o pagamento no prazo de 15 dias.

No regime do CPC/2015 o art. 523, § 1º é claro ao enunciar que “Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento”.

E, no que pertine à Fazenda Pública, a disciplina do CPC/2015 está contida nos arts. 534 e 535, inexistindo regulamentação sobre o cabimento de honorários, sendo que, inclusive, é estabelecido no art. 535, § 3º, II, que “o pagamento de obrigação de pequeno valor será realizado no prazo de 2 (dois) meses CONTADO DA ENTREGA DA REQUISIÇÃO”.

Houve, portanto, uma uniformização entre os devedores privados e públicos, no sentido de que ambos somente serão condenados em honorários advocatícios no cumprimento de sentença se não efetivarem o pagamento a tempo e modo regulares.

Assim, os entes públicos somente podem pagar se instados a tanto, sob pena de ofensa à disciplina constitucional e legal, como também em obediência à isonomia e impessoalidade que deve reger os pagamentos de débitos judiciais das pessoas jurídicas de direito público.

O segundo fundamento é atinente à natureza jurídica dos precatórios.

Inexiste diferença ontológica entre precatório e RPV. Não é em razão do valor que irá se modificar o regime de pagamento de débitos públicos, com a inclusão de honorários advocatícios para RPV.

Quando quis o CPC diferenciar, o fez expressamente, não dispondo sobre honorários advocatícios na espécie em análise.

A correta interpretação do art. 85, § 7º, do CPC, não restringe o termo “precatório” apenas a débitos de elevados valores, incluindo-se, de igual modo, as RPV’s.

Veja-se que o STF já assentou que no período de graça – por inexistir mora -, tanto para precatório quanto para RPV, não há incidência de juros, e, por conseguinte, outro encargo dos débitos não pode incidir, como os honorários.

A respeito, foi editada a súmula vinculante n. 17: “Durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos”.

O STJ, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.143.677, definiu o Tema 291: “Não incide juros moratórios entre a elaboração dos cálculos e o efetivo pagamento da requisição de pequeno valor – RPV”.

A interpretação do STF[ii] e do STJ é que o termo “precatórios” se aplica à RPV, de modo que, igual e ontologicamente, aplica-se, também quanto aos honorários, a Súmula Vinculante 17 para a RPV.

Não há, destarte, mora, nos termos em que disciplina o Código Civil:

Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.

Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. 

O terceiro fundamento a contribuir pela conclusão de não cabimento de honorários em RPV, quando paga no tempo devido, é relativo à ausência de sucumbência ou causalidade.

Inexiste causa a fundamentar a condenação em honorários. Pelo exeqüente, em razão da lei impor o manejo do cumprimento para o recebimento do seu crédito. Pelo executado, em razão da lei impor que se deve aguardar aquele cumprimento de sentença.

Quanto à sucumbência, não se vislumbra, com o cumprimento de sentença e o seu pagamento, parte vencida, porquanto o que se tem são apenas procedimentos executivos – intimação e requisição de pagamento -, decorrentes de imposição da lei. Falta contencioso instaurado.

Por fim, o quarto fundamento se assenta no distinguishing com o RE 420.816-PR, que estabeleceu ser cabível honorários no cumprimento contra o INSS.

    Nesse precedente foi analisada legislação específica, a Lei 8.213/1991, que dispõe: 

Art. 128. As demandas judiciais que tiverem por objeto o reajuste ou a concessão de benefícios regulados nesta Lei cujos valores de execução não forem superiores a R$ 5.180,25 (cinco mil, cento e oitenta reais e vinte e cinco centavos) por autor poderão, por opção de cada um dos exeqüentes, ser quitadas no prazo de até sessenta dias após a intimação do trânsito em julgado da decisão, sem necessidade da expedição de precatório.

O que se decidiu foi pela aplicabilidade da lei apenas para o INSS, mormente em virtude de se estar diante de um procedimento especial.

As outras Fazendas Públicas não são regidas pela lei daquela autarquia federal, mas sim pelo CPC, que dispõe pela inaplicação de honorários advocatícios em RPV e pela imposição de requerimento pelo exeqüente[iii].

Diante da imposição de rito legal para pagamento, ficou clara a impossibilidade do pagamento espontâneo diante do art. 535, §3º, II.

Expostos assim os fundamentos, é digno de encômios a solução jurisdicional adotada pelo TJSC, na definição de seu Tema 4 de IRDR.

Notas e Referências

[i] “Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação”.

[ii] Exemplificarmete: Ag. Reg. no Agravo de Instrumento 618.770-9/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 12.02.2008.

[iii] A respeito: Agravo de Instrumento n. 2012.075183-6/0001.00, da lavra do Desembargador Newton Trisotto. Em artigo publicado na Revista da Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina de 2014, André Martinez Rossi melhor expõe, exaurientemente, essa distinção (Disponível em: http://www.pge.sc.gov.br/index.php/institucional/centro-de-estudos/revista-da-pge/709-revista-pge-2014/file, pp. 77-96. Acesso em 25.05.2018.

 

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