Herança genética ainda não transmite valores constitucionais

11/10/2015

 Por Gabriel Lima Marques - 11/10/2015

O Senado Federal aprovou na última semana na Comissão de Educação, Cultura e Esporte o Projeto de Lei nº 70 de 2015, da autoria do Senador Romário (PSB-RJ), juntamente com o substitutivo oferecido pelo relator, o Senador Roberto Rocha (PSB-MA), visando alterar a Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394 de 1996), e inserir no referido diploma a previsão de que entre os conteúdos curriculares do ensino fundamental e médio, passasse a ser ofertado também o conhecimento sobre a constituição. Ocorre, entretanto, que daí a frente alguém poderia questionar sobre qual o motivo para se endossar tal ato. E de modo a resolver logo esse problema, cumpre de pronto destacar que a resposta para tanto é simples e, inclusive, já se encontra até mesmo no sugestivo título deste texto, afinal os valores constitucionais ainda não podem ser transmitidos por herança genética.

Neste sentido, para que em uma curta distância temporal não vejamos mais a repetição ou ao menos a multiplicação de cartazes durante o legítimo exercício do direito de reunião, solicitando uma paradoxal “intervenção militar constitucional”, ou ainda políticos afirmando em rede nacional e à luz do texto constitucional vigente, “que o código penal de um estado não pode ser o mesmo que o de outro”, ou por último, e apenas para ficar com alguns poucos exemplos (que, aliás, poderiam sem sombra de dúvidas ser inúmeros), pessoas argumentando sobre a “necessidade de se regulamentar a pena de morte no Brasil para crimes hediondos”. Faz-se mister que não só tenhamos uma boa lei fundamental, recheada de direitos e complexa do ponto de vista da estrutura institucional, mas indo além dos contornos positivos, que a sociedade demonstre também adesão para com ela.

E isso porque, como se sabe, uma constituição não se sustenta funcionando apenas no piloto automático, isto é, a depender para a implementação dos valores que a compõe, somente dos esforços do aparato técnico-burocrático. Da mesma forma, nem se pode exigir que seu potencial transformador, seja assim assumido por aqueles que com ela pouco contato possuem, enquanto dogmas, verdades incontestes e premissas de necessária aceitação. Na verdade, e como já aludia Hesse, para que haja verdadeira vontade de constituição, é justamente o concurso da vontade humana disseminada por entre os mais distintos grupos e rincões o que lhe dá suporte. Algo, porém, que somente se faz possível quando dando o primeiro passo, se reconhece que ainda hoje, vinte e sete anos após a promulgação da carta política de 1988, extraídos aqueles que possuem um mínimo contato com o mundo jurídico, o seu texto permanece sob um considerável déficit de inserção social, exatamente por ser limitado o seu conhecimento.

Assim sendo, salutar, é importante fazer menção, a iniciativa proveniente do Senado Federal para corrigir tal quadro. E oxalá o processo legislativo não lhe seja pesado, atrasando em demasia a sua necessária implantação. Pois enquanto forem poucos os cidadãos adjetivados como constitucionais, quer dizer, aqueles que por bem conhecerem a norma básica do país se engajam em sua defesa, mesmo que em desacordo sobre vários de seus aspectos, mais longo e tortuoso continuará sendo o caminho trilhado pela constituição que se convencionou adjetivar como cidadã, para se traduzir nas palavras de Ulysses Guimarães em “documento da liberdade”. Posto que no fim das contas, é o exercício constante de ensino-aprendizado do seu conteúdo e não um segmento transmitido pelo DNA, o que contribui para pavimentar esse percurso.


Gabriel Lima MarquesGabriel Lima Marques é Advogado. Professor Universitário. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-Graduado (Especialização) em Direito e Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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Imagem Ilustrativa do Post: Solenidades. Homenagens // Foto de: Senado Federal // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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