Henri Lefebvre e o Direito II – Dialética tríade - Por Norberto Knebel

20/10/2017

Coordenador: Marcos Catalan

Neste texto procura-se aprofundar o conceito da dialética tríade ou dialética tridimensional do espaço conforme o pensamento do filósofo e sociólogo francês Henri Lefebvre, tais ideias já foram abordadas de forma incipiente na coluna publicada no dia 20/01/2017 (disponível aqui). Portanto, aqui é tratado um dos temas lá abordados, porém, com maior densidade. Baseado, fundamentalmente, no exposto nas obras “A produção do espaço” (1974) e “A revolução urbana” (1970)[1]

Ainda, tem em vista aperfeiçoar delineamentos para a concepção metodológica pelo Direito do processo de produção do espaço, ou seja, em uma visão espacial para os objetos de pesquisa do Direito – seja o chamado Direito Urbanístico, a Sociologia do Direito ou a criminologia. Principalmente, tendo em vista a chamada por uma virada materialista no Direito, conforme clamada por Guilherme Leite Gonçalves[2], invocando conceitos marxistas para análise do espaço urbano e da reprodução do Direito.[3]

A produção espacial no capitalismo na teoria de Lefebvre é demonstrada a partir da compreensão de três momentos, sendo o espaço um corpo formado pelo (I) percebido, (II) vivido e o (III) concebido:

I – o espaço percebido é aquele apreendido pelos sentidos do sujeito, é a prática espacial, refere-se a tudo que aguça os sentidos, é a materialidade dos elementos: 

“A prática espacial de uma sociedade secreta seu espaço; ela o põe e o supõe, numa interação dialética: ela o produz lenta e seguramente, dominando-o e dele se apropriando. Para a análise, a prática espacial de uma sociedade se descobre decifrando seu espaço. ”  (LEFEBVRE, 2000) 

II – o espaço vivido são os espaços de representações, compõe o eixo simbólico do espaço socialmente produzido, pois representa a vida diretamente ligada aos habitantes, são a relação que os sujeitos possam ter com o espaço – seja de familiaridade ou repúdio. 

“Os espaços de representação, ou seja, o espaço vivido através das imagens e símbolos que o acompanham, portanto, espaço dos “habitantes”, dos “usuários”, mas também de certos artistas e talvez dos que descrevem e acreditam somente descrever: os escritores, os filósofos. Trata-se do espaço dominado, portanto, suportado, que a imaginação tenta modificar e apropriar. De modo que esses espaços de representação tenderiam (feitas as mesmas reservas precedentes) para sistemas mais ou menos coerentes de símbolos e signos não verbais.” (LEFEBVRE, 2000) 

III – o espaço concebido são as representações do espaço, ou seja, são as formas espaciais concebidas pelos agentes conceituais, como os cientistas, urbanistas, planejamentos urbanos e engenheiros dos territórios urbanos – é a dimensão que pertence aos desejos tecnocratas: 

“As representações do espaço, ou seja, o espaço concebido, aquele dos cientistas, dos planificadores, dos urbanistas, dos tecnocratas “retalhadores” e “agenciadores”, de certos artistas próximos da cientificidade, identificando o vivido e o percebido ao concebido (o que perpetua as sábias especulações sobre os Números: o número de ouro, os módulos e “canhões”). É o espaço dominante numa sociedade (um modo de produção). As concepções do espaço tenderiam (com algumas reservas sobre as quais será preciso retornar) para um sistema de signos verbais, portanto, elaborados intelectualmente.” (LEFEBVRE, 2000) 

A dialética entre esses três elementos forma o espaço, em constante movimento, e conforme o geógrafo Christian Schmid[4], são a constituição de elementos que conceituam processos ativos individuais e sociais concorrentemente, pois enunciam uma tridimensionalidade do processo social que também é identificável nos processos de troca – que apontam não só a troca física, mas também a comunicação e a afetividade que permitem esse momento. É a totalidade que pressupõe uma análise da prática social nos termos de Lefebvre.

Dessa forma, para além de uma arquitetura abstrata, a produção do espaço na dialética tríade obriga a atenção com a práxis, ao compreender que o urbano é um processo, não um conceito universal e uno. Pois a produção social do espaço pressupõe que o urbano é um projeto coletivo, de ação, negociação e de luta, já que o urbano carrega com si e reproduz as contradições capitalistas, sendo uma delas, não apenas um local.

No direito, Chris Butler[5] traz a concepção da produção social do espaço em dois momentos: Em um que a lei produz o espaço (planejamento urbano) - que as leis produto do planejamento urbano encontram um desafio trazido pela contradição entre valor de uso e valor de troca, já que as leis do direito público se baseiam em princípios que não contemplam essa diferença. E, ao mesmo tempo, a própria produção do espaço condiciona a criação de leis, moldando formas e estruturas do Estado e das instituições.

A partir da concepção da dialética tríade, é possível compreender a dimensão social da produção dos espaços da cidade, dessa forma, é uma metodologia pautada no materialismo histórico que traz à tona reflexões sobre como o espaço urbano produz Direito e o quanto o Direito é capaz de produzir o espaço urbano, adequado aos limites e forças de cada conjuntura econômica e social

Assim, a transformação da sociedade e a revolução urbana passa pela negação à ingenuidade promovida pela ideologia de um planejamento urbano que contemplaria a totalidade, pois por mais que faça parte da composição do espaço, no movimento da dialética tríade, está sujeito ao processo de produção social. No capitalismo, há então, a cidade capitalista. A práxis da transformação, conforme Lefebvre, está atrelada ao poder utópico do “Direito à Cidade”, que une a transformação da vida cotidiana com a transformação da gestão urbana[6] – “revolução” é um bom sinônimo.


[1]LEFEBVRE, Henri. A produção do espaço. Trad. Doralice Barros Pereira e Sérgio Martins. 4ª ed. Paris: Éditions Anthropos, 2000; LEFEBVRE, Henri. A Revolução Urbana. Tradução: Sergio Martins. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002 

[2] Ver: GONÇALVES, Guilherme Leite. Marx está de volta! Um chamado pela virada materialista no campo do direito. Revista Direito e Práxis, v. 5, n. 2, p. 301-341, 2014.

[3] Já analisada sob os conceitos da metageografia em: http://emporiododireito.com.br/backup/direito-e-metageografia-pela-virada-espacial-na-sociologia-juridica-por-norberto-knebel/

[4] Ver: SCHMID, Christian. A Teoria da Produção do Espaço de Henri Lefebvre: em direção a uma dialética tridimencional. GEOUSP: Espaço e Tempo (Online), n. 32, p. 89-109, 2012; BRENNER, Neil; SCHMID, Christian. Towards a new epistemology of the urban?. City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015.

[5] BUTLER, Chris. Law and the social production of space. Queensland. 302 p. 2003. Tese de Doutorado - Faculty of Law, Griffith University.           

[6] Ver: CARLOS, Ana Fani Alessandri. A privação do urbano e o “direito à cidade” em Henri Lefebvre. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri; ALVES, Glória; PADUA, Rafael Faleiros de. Justiça espacial e direito à cidade. São Paulo: Editora Contexto, 2017.

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