Há eficiência no home office em tempos de COVID-19?

15/02/2021

É preciso conversar sobre do ótimo ao óbito, do natural ao artificial, dos espaços digitais mal utilizados e, principalmente, dos humanos descartados. Aparentemente, a nova pressão insustentável que o ser humano criou para o seu semelhante, mesmo quando todos mergulhados em um mesmo oceano tóxico da pandemia da COVID-19 em 2020, chama-se: ´a eficiência do trabalho remoto´, via home office.

Eis que surge um novo paradoxo para humanidade, acompanhado de outras novidades originadas pela triste pandemia da COVID-19, qual seja: ´você trabalha mais porque está em casa, ou está em casa porque trabalha mais?´

Aparentemente – em tempos de disseminação mundial e desenfreada de uma doença viral que, até o momento (janeiro de 2021), não tem cura –, sob uma perspectiva de eficiência profissional, tudo indica que não é o melhor momento de nos apresentarmos como super-heróis ou, o que seria pior, de tentarmos ser uns mais heróis do que os outros.

Mesmo porque, de forma geral, a história atesta que heróis morrem cedo. Nesse cenário, não parece se adequar ao clamor da humanidade, sentido pelas pessoas afetadas pela pandemia da COVID-19, como mais um marcante episódio da jornada humana conhecida, algum tipo de lançamento heroico à morte.

Isso é, o fim de qualquer vida humana não representa uma contribuição positiva para a missão de viabilizar um maior e melhor desenvolvimento entre e para pessoas que vivem, e para aquelas que viverão, em um mundo melhor do que o presente, necessariamente, hoje compartilhado por nós e, outrora, pelos nossos antepassados.

Logo, a eficiência exacerbada, sem limites claros ou divorciadas de uma regulação segura e desprendida de comprometimento pessoal com a dignidade do ser humano, bem como apegada ao patrimonialismo ávido por ganhos a qualquer custo, pode ser um caminho direcionado ao esgotamento psicológico e físico não só do trabalhador em home office, mas, também, aos que lhe cercam, quando a estadia laboral no meio ambiente virtual é inevitável.

Isso é, no afã de aproveitar novas oportunidades para se demonstrar eficiente – e em constante desenvolvimento, ´doa a quem doer´ – o preço de tal ´show de talentos à distância´ pode ser a própria sanidade mental mínima do trabalhador que o sustenta como apto ao laboro.

Nesse cenário, não é o herói eficiente quem ajudará o empregador ou a sociedade a superar o momento difícil da pandemia do corona vírus, mas, sim, os adaptáveis e resistentes às correspondentes intemperes e provações desse período de angústia intersubjetiva, inclusive, laborais, característica dessa temporada em que atividades domésticas e profissionais estão cada vez mais acumuladas, pois misturadas em um mesmo tempo e espaço, com razões, de forma geral, ainda incompreendidas.

Dessa maneira, na ausência de nitidez sobre o porquê dessa ´darwiniana´ missão de aprimoramentos contínuos, possíveis, sustentáveis e proporcionais de tudo que é motivo de interação humana para uma filtragem evolutiva permanente, não conseguimos entender, talvez, as razões, as ausências de motivos e o restante que sequer catalogamos como passível de racionalização – tendo ou não em seu conteúdo alguma filtragem humana racional para ser compreendida.

Por conseguinte, ao aceitarmos a incumbência natural de aprimorar o permanente desenvolvimento intersubjetivo dos partícipes do Estado e, assim, promover as determinações constitucionais estampadas em seu art. 3º, relacionadas aos objetivos fundamentais da República, para que concretizem tal desiderato maior de proteção da dignidade da pessoa humana, notamos como ainda existe muito a ser feito antes que a vida se divorcie da nossa presença – seja pessoal, ou remota.

Entretanto, o grave contexto de calamidade e de emergência de saúde pública em todo o país, em decorrência da pandemia da COVID-19, trouxe para as atividades laborais do Brasil (e, talvez, do mundo) uma nova realidade de distanciamento físico entre pessoas, necessária para proteger um sistema de saúde que tinha como promessa, justamente, aliviar o sofrimento humano e socorrer vidas.

Esse ambiente penoso, talvez, trouxe-nos uma incumbência que não (deveria) nos pertence(r), qual seja: de ´salvar o mundo´, fazendo a nossa parte para a não disseminação descomedida do vírus novo.

Contudo, apesar da inegável importância de considerar cada ato individual parte de um todo voltado ao bem comum, como no exemplo ora tratado, não é possível presumir que o novo score de produtivade laboral daqueles que, agora, estão em home office será decisivo para que a humanidade seja salva a tempo de um apocalipse pandêmico.

Desse modo, é possível afirmar que o pico produtivo ao qual os trabalhadores (do setor público e privado) estão se submetendo, em nome de um suposto bem maior humanitário, na verdade, representa atos de escavação de suas respectivas ´covas´ (profissionais e pessoais). Não no sentido literal, obviamente (ou quase), mas, sim, estão a sepultar a saúde dos trabalhadores. Isso porque, estamos enfrentando um novo desafio psicológica e emocionalmente que, somatizadas, certamente já trazem reflexos físicos e ao sistema imunológico daqueles que se iludem com a própria capacidade de ser ótimo continuamente, como uma suposta possibilidade de ser além do eficiente por um longo período temporal.

O sprint dado por tais trabalhadores nos últimos meses no merio ambiente eletrônico, por meio de tarefas via home office, certamente não durará muito mais. As máquinas,  acompanhada da renovação permanente de suas respectivas tecnologias, outrossim, mais resistentes e sem o fator humano (desgaste psicológico advindo do desgaste e do stress), pressionam ainda mais esse quadro catastrófico que fará, de fato, com que empresas privadas e órgãos públicos entrem em colapso – ou, simplesmente, substituam seus humanos pela Inteligência Artificial, em nome da optimilidade, em detrimento da eficiência.

Por exemplo, é importante lembrar que, do princípio constitucional da eficiência da Administração Pública (caput do art. 37 da CF/88) não se espera uma atuação perfeita de seus agentes, mas, sim, uma contínua busca de excelência em suas atividades.

O cidadão que concede força suficiente para Administração funcionar almeja nada menos do que qualidade de serviços públicos proporcional ao empenho concedido quando financia o Estado – pelos tributos – e quando trabalha para auxiliar no bom funcionamento da máquina pública.

Dessa forma, a eficiência é o bem agir para bem atender ao cidadão, sem pretensões de perfeição, mas com objetivos claros de desenvolvimento e metas sólidas, responsáveis, sindicáveis e que oportunizem a participação de todos nesse bem comum.

Não são poucos os exemplos – no setor público e no privado – de divulgação de relatórios que festejam o aumento, em média, de 40% da produtividade de seus trabalhadores. Tais resultados, no mínimo, exigem alguns questionamentos:

- Como é possível aumentar sua produtividade laboral, em tese, trabalhando o mesmo tempo, com os mesmos períodos de descanso e de almoço, com incumbências domésticas e de cuidado com os filhos que não estão frequentando as aulas?

A resposta é, talvez, óbvia: não se está trabalhando ao mesmo tempo em que se está exercendo outras atividades, ou, pelo menos, não se está trabalhando com a mesma qualidade.

De forma geral, há uma ampla divulgação de aumento produtivo quantitativo de trabalho realizado com apoio da tecnologia remota, porém, ainda não observamos os impactos qualitativos da nova situação desenhada. Ou, também, é possível, não parece interessar conceder ampla publicidade aos respectivos relatórios qualitativos das atividades realizadas em home office; sim, com crianças a cuidar, sem horários de descanso, comendo de forma irregular e com o risco de contrair uma doença incurável (que depende, apenas, de adaptação – ou não – do sistema imunológico de cada um. Isso é: loteria).

Esse salto positivo na curva de eficiência ocorrido em momento de atenção frente ao desconhecido (pandemia de um vírus que ainda não tem cura) é esperado pelo status de alerta que todos vivem. Entretanto, imagina-se, o problema estará nas consequências dessa situação em períodos de médio e longo prazo.

Em breve, as pessoas cansarão e se adaptarão aos novos tempos e a tendência da curva será de posição negativa, caso não ocorram providências para cuidar do ser humano que está por trás de tantos números.

Poucos conseguirão se manter em padrões mínimos de atividade satisfatória ao longo dos meses, ou anos. Logo, caro leitor, poupe-se enquanto ainda tem energia e tempo para isso, pois, se “querer forçar desproporcional e insustentavelmente a máquina da mente” o tempo de possível recuperação será perdido, ou, à toa.

- Nessa esteira, estaremos preparados para o contra fluxo da eficiência estabanada criada pelo home office pandêmico da COVID-19?

O contra fluxo ocorrerá quando a baixa qualitativa dos trabalhos realizados em home office começar a afetar economicamente, de forma negativa, as empresas e o Estado. Contudo, quando tal situação ocorrer, a tendência hodierna de ter à disposição material humano para trabalhar de forma presencial será cada vez mais escasso e de difícil concretização.

Então, ocorrerá das duas, uma: ou o valor e o preço das atividades daqueles que ainda bem produzem – qualitativa e quantitativamente – aumentaram, ou a desvalorização generalizada, em razão da escassez de postos de trabalhos em razão da substituição de dois ou mais empregados por um ´mais eficiente´ gerará uma desvalorização generalizada da mão de obra, principalmente, aquela técnica, característica das funções aptas a serem realizadas de forma remota.

Sobre o tema, pertinente ressaltar o aspecto legislativo ´pré pandêmico´, estabelecido com o advento da Lei 13.467/2017. Tal norma trouxe relevantes mudanças acerca do trabalho remoto, tanto sob o aspecto material como sob a perspectiva processual trabalhista acerca da matéria em foco.

Ressalta-se, por oportuno a a criação do Capítulo II-A – Do Teletrabalho, inserido no Título II – Das Normas Gerais de Tutela do Trabalho, da CLT. Nessa esteira, ocorreu a inserção dos artigos 75-A a 75-E, que trazem indicações normativas acerca do trabalho realizado além dos limites da sede física do empregador. Assim estão dispostas tais regras:

“LEI Nº 13.467, DE 13 DE JULHO DE 2017.

CAPÍTULO II-ADO TELETRABALHO

‘Art. 75-A. A prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho observará o disposto neste Capítulo.’

‘Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.’

‘Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.

§ 1º Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.

2º Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.’

‘Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.

Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.’

‘Art. 75-E. O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.

Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.’”

“Art. 134. ............................................................. 

§ 1º Desde que haja concordância do empregado, as férias poderão ser usufruídas em até três períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a quatorze dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a cinco dias corridos, cada um.

§ 2º (Revogado).

§ 3º É vedado o início das férias no período de dois dias que antecede feriado ou dia de repouso semanal remunerado.”

O grande desafio na inevitável realidade de distanciamento físico entre as pessoas, obviamente retratada no exercício do home office, é estabelecer critérios para manter tal regime sem, para tanto, atropela direitos constitucionais do trabalhador historicamente conquistados.

Nesse sentir, testemunhar retrocessos de conquistas normativas é algo inaceitável, ao passo que alcançar novos meios de proteção do trabalhador, que está a laborar ainda mais do que antes nessa realidade, não é apenas necessário, mas representa medida urgente que se impõe imediatamente.

Assim, talvez, socorrer-se à hermenêutica consequencialista, por meio de juízos de proporcionalidade e de sustentabilidade entre o trabalho a ser realizado e os direitos constitucionais do trabalhado que precisam continuar garantidos pode ser um dos caminhos mais hábeis para solucionar essa equação que, importante frisar, ainda não apresentou todos os fatores e variáveis possíveis para se alcançar uma resposta definitiva e adequada.

Entretanto, tal conclusão não significa que é aceitável aguardar, passivamente, que o tempo passe e ´todos´ os elementos acerca do tema sejam apresentados e amadurecidos. Então, de imediato, sugere-se buscar, primeiramente, a maior proteção possível do trabalhador, inclusive, com reduções de jornadas frente àquelas realizadas presencialmente, sem que, para tanto, reduza-se o seu salário.

Isso porque, de forma geral, o que se observa até agora (em janeiro de 2021) é justamente ao contrário: a manutenção da jornada de trabalho com o aumento significativo do conteúdo e da respectiva cobrança de produtividade – qualitativa e quantitativa – do trabalhador. Fato que, como já indicado, traz um concreto retrocesso de conquistas constitucionais que precisa ser rechaçado em nome da própria manutenção e respeito ao sistema de direitos fundamentais e sociais que sustentam o Estado de Direito estabelecido pela Constituição do Brasil.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura