GLOBALIZAÇÃO, DIREITO E ECONOMIA: NADA DE NOVO NO FRONT

01/03/2018

Os novos modelos de produção e distribuição de bens acarretaram novas possibilidades de se formular, interpretar e aplicar o Direito diante das exigências postas pela Economia na ordem mundial. De modo veloz e voraz, instaura-se uma nova ordem fora dos modelos tradicionais elaborados historicamente pelo Estado Moderno e seu Ordenamento Jurídico para satisfazer a vontade do Mercado. As informações aumentam o maior número de intercambio das informações, especialmente financeiras. A prevalência de um homo economicus em escala global apenas reforça a existência de uma governança sem que haja um governo nacional[1].

A matriz hobbesiana do modelo clássico de Direito, pautado no conceito de Nação, não consegue atender às demandas impostas pelas empresas transnacionais. A globalização econômica é a matriz paradigmática das relações internacionais desde o final de década de 1980. A integração promovida por essas novas entidades sugere a mudança de critérios que orientem a passagem da vida nacional para a sociedade informacional. Não obstante, as formas de comunicação tenham se intensificado com a melhoria da tecnologia, da revolução microeletrônica, nunca o ser humano sofreu tanto de solidão, de excessos materiais – sejam aqueles que “tem tudo”, sejam aqueles que “não tem nada” – de ansiedade, de insegurança, de precariedade espiritual, de relações sociais e afetivas. Esse “oceano semântico existencial” não passa, hoje, de uma terra arrasada.

O Direito Positivo, nesse caso, que se manifesta como o exercício do poder do Estado moderno perante os Cidadãos para assegurar direitos e exigir o cumprimento de deveres, perde-se diante da complexidade da Sociedade informacional. Os interesses nacionais, aos poucos, se confundem com os das organizações transnacionais. A velocidade de produção das mercadorias para atender sempre o infinito e frenético desejo pelo “novo”, funda o império da “inovação pela inovação”[2] e se confunde com interesses sociais locais. Há permissão pelo Estado e Cidadão nos quais os modos de negociações entre as empresas nacionais tornam-se políticas públicas, sugerindo uma aparente eficácia, eficiência e efetividade das parcerias público-privadas.

Essa nova condição de mercado e produção de bens e serviços implica, também, numa Sociedade excludente. A partir da ausência de um Estado regulamentador e que protege os Cidadãos pela existência de direitos sociais impede a rentabilidade do negócio privado. A satisfação do desejo do consumidor não é mais o objeto desse modelo, mas, sim, quais atividades desenvolvidas por esses empregados multiqualificados consegue manter a concorrência no cenário transnacional.

Os mercados nacionais possuem limitações com relações à dinâmica promovida pela economia-mundial e empresas transnacionais. A globalização econômica traduz a imposição da hegemonia mercantil e a substituição do Estado nacional pela empresa[3]. O Direito, quando descarta os critérios protecionais – inclusive no cenário mundial –, é incorporado pelas regras de mercado. Nesse momento, a democracia, entendida como o ambiente da diferença uníssona, ou seja, da diferença como ponto de partida ao desenvolvimento, reconhecimento e aperfeiçoamento do vínculo de humanidade compartilhada, transforma-se na democracia organizacional[4], já que o cenário privado é livre dos longos, demorados e tediosos debates públicos. O ambiente corporativo atende imediatamente meus anseios e necessidades. O ambiente político, não.  

A ideologia mercantil é o instrumento de perpetuação dessa engrenagem denominada Capitalismo[5] que movimenta as redes de interdependência entre os diferentes povos. As normas trabalhistas, os valores constitucionais, os sindicatos, não conseguem se estabilizar diante dos fenômenos organizacionais transnacionais. Flexibilizam-se essas garantias diante das negociações empresariais para satisfazer, ao máximo, os interesses dessas corporações. A partir da despolitização[6], da informação imediata e das novas tecnologias, é possível substituir os antigos modos de produção de bens e contratos de serviço pelo fornecimento de mercadorias. Consumismo[7]: eis o vetor de socialidade(?) do século XXI que transforma tudo e todos em mercadoria[8].   

As sociedades humanas, nessa linha de pensamento, são seduzidas pelos discursos dos bônus nas empresas e desconstroem o caráter coletivo das identificações plurais. Nesses espaços organizacionais, percebe-se um distanciamento da vida política nacional para outra privada. Essa fragilização do Estado-nação cria outro paradigma na qual merece ser analisado: o excluído é a pessoa que não se mantém no emprego, ou seja, não busca o aperfeiçoamento a fim de gerenciar múltiplas tarefas.

O cenário apresentado por esses argumentos ratifica a mudança da cultura cívica pela organizacional. Perde-se os valores nos quais evita-se uma expulsão da vida social a partir de um único elemento: a empregabilidade privada. O Estado-nação muda as concepções jurídicas a partir da manutenção desse ambiente mercadológico. Neutraliza-se o risco[9], o erro e a incerteza. Sem a existência dessas possibilidades, o mercado sente-se livre para agir conforme suas necessidades.

O que há, nesse caso, de novo no front? A amplitude das tecnologias de informação permitiu, por um lado, desenvolver novas fontes de direito que se manifestam pela existência de vários atores globais e ratificam uma lógica multilevel de parcerias, de governo, de governança. Esse networking demonstra que a força de atuação do Estado - entendido pela sua soberania, território e povo – esmaece se essa dinâmica cultural, organizacional e institucional não for atendida. Por outro lado, vigora, com intensidade, a presença global do homo economicus.

O horizonte de relações culturais mais plurais, de tolerância, de parceria amistosa cede espaço às posturas egoístas, à sobrevivência dos povos diante das guerras e outros tipos de conflitos. Na mesma linha de pensamento, todos vivem infernos psíquicos como a depressão, solidão, ansiedade, carência espiritual. Temos tudo e nada ao mesmo tempo. Por esse motivo, repito a pergunta: O que há de novo no front dessa imbricada relação entre Direito, Economia e Globalização? Mais lucro às empresas, maior comunicação (sem que essa condição signifique constituição de laços humanos), maior interdependência econômica, esmaecimento dos ambientes democráticos, destruição da psyché humana, ou seja, nada que nos mova, com vigor, pelos terrenos pantanosos das utopias cheias de esperança.

 

[1] STAFFEN, Márcio Ricardo. Interfaces do direito global. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2015., p. 24.

[2] “[...] Para o empreendedor que deve se adaptar sem descanso a uma concorrência agora mundial, a inovação alucinada não é uma perspectiva cheia de sentido, um grandioso projeto de civilização, mas um caderno de encargos, uma necessidade absoluta, um imperativo vital”. FERRY, Luc. A inovação destruidora: ensaio sobre a lógica das sociedades modernas. Tradução de Véra Lucia dos Reis. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015, p. 29/30.

[3] FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. 4. tir. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 60-62.

[4] FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. p. 219.

[5] “[...] Nesse sistema, o que se acumulou no passado só é ‘capital’ na medida em que seja usado para acumular mais da mesma coisa. [...] No anseio de acumular cada vez mais capital, os capitalistas buscaram mercantilizar cada vez mais esses processos sociais presentes em todas as esferas da vida econômica. [...] O desenvolvimento histórico do capitalismo envolveu o impulso de mercantilizar tudo”. WALLERSTEIN, Immanuel. Capitalismo histórico e civilização capitalista. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001, p. 13-15.

[6] “A política agora é feita no mercado. Só que esse mercado global não existe como ator, mas como uma ideologia, um símbolo. Os atores são as empresas globais, que não tem preocupações éticas, nem finalísticas. Dir-se-á que, no mundo da competitividade, ou se é cada vez mais individualista, ou se desaparece. Então, a própria lógica de sobrevivência da empresa global sugere que funcione sem nenhum altruísmo. Mas, se o Estado não pode ser solidário e a empresa não pode ser altruísta, a sociedade como um todo não tem quem a valha [...]”. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 67. 

[7] “De maneira distinta do consumo, que é basicamente uma característica e uma ocupação dos seres humanos como indivíduos, o consumismo é atributo da sociedade. Para que uma sociedade adquira esse atributo, a capacidade profundamente individual de querer, desejar, e almejar deve ser, tal como a capacidade de trabalho na sociedade de produtores, destacada (“alienada”) dos indivíduos e reciclada/reificada numa força externa que coloca a “sociedade de consumidores” em movimento e a mantém em curso como uma forma específica de convívio humano, enquanto ao mesmo tempo estabelece parâmetros específicos para as estratégias individuais de vida que são eficazes e manipula as probabilidades de escolha e condutas individuais”. BAUMAN, Zygmunt. Vidas para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 41.

[8] “[...] o ‘valor ideal’ das mercadorias deve ser chancelado pelo veredito imparcial do mercado, ou seja, pela transformação das mercadorias em dinheiro”. BELLUZZO, Luiz Gonzaga. O capital e suas metamorfoses. São Paulo: Editora da UNESP, 2013, p. 49.

[9] “Riscos não se esgotam, contudo, em efeitos e danos já ocorridos. Neles, exprime-se sobretudo um componente futuro. Este baseia-se em parte na extensão futura dos danos atualmente previsíveis e em parte numa perda geral de confiança ou num suposto ‘amplificador do risco’. Riscos têm, portanto, fundamentalmente que ver com a antecipação, com destruições que ainda não ocorreram, mas que são iminentes, e que, justamente nesse sentido, já são reais hoje”. BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 39.

 

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