Gestão de Conflito: Percepções Individuais e os Interesses Comuns Negociáveis

07/06/2019

Coluna Práxis / Coordenadoras Juliana Lopes Ferreira e Fabiana Aldaci Lanke

O presente estudo abordará as construções coletivas e culturais dos valores e normas sociais, cujo conteúdo impacta nas escolhas de cada indivíduo. O intuito está em fornecer subsídios a negociadores e operadores de outras ferramentas de diálogo, para que possam ampliar o entendimento, sobretudo, em relação ao ser humano e suas características. Visto que, quaisquer que sejam as técnicas e ferramentas a serem empregadas estarão dirigidas a pessoas e suas emoções. Para além de uma causa ou um conflito, é importante perceber que são negociados interesses das gentes, dos seres humanos.

Desde a era primitiva, o ser humano se reuniu em agrupamentos como forma de proteção dos filhotes, garantia de segurança e sobrevivência. No convívio grupal, exigiu-se organização para coleta e distribuição de alimentos. Costumeiramente, como forma de orientação desses processos os tribais estabeleceram regras de grupo e de sobrevivência por hábitos praticados e repetidos. As práticas repetidas se padronizaram e se automatizaram como elementos pertencentes aos ritos e incorporaram uma base como tradição. Os modelos comportamentais que se constituem cultura humana são observados por Capra e Luisi (2014, p. 307), que lançam apontamentos sobre as características humanas como formas aprendidas culturalmente. Pautando-se nos estudos sobre o genoma humano que demonstram a ligação do hominídeo não somente aos símios, mas a todas as espécies vivas. Dessa maneira, a construção dos atributos que definem os humanos pode ser descrita, principalmente, pela habilidade humana de registrar imagens e assim, reproduzi-las.

Segundo Bohm (2005, p.38) a base das condições que permitem ao ser humano opinar, valorar ou mesmo planejar são assegurados no conteúdo registrado na memória, que inclui experiências ou observações que possam ter sido absorvidas por quaisquer dos sentidos. Isso permite-nos partilhar valores, bens e emoções, de tal maneira que ocorre o reconhecimento da pessoa através da outra pessoa seja nas ações, na fala ou no planejamento. Os sentimentos e os valores comportamentais são transmitidos pelas gerações, garantindo a permanência de práticas culturais assimiladas e reproduzidas, seja por ensinamento ou de modo tácito.

Através da comunicação repassamos as tradições, costumes, culturas e o estabelecimento de normas de convívio, assegurando a continuidade da espécie humana. No espaço comum, os humanos compartilham anseios comunitários e expressam, também, desejos individuais. Dessa maneira, também são necessárias regras de organização de partilha de bens, não apenas dos recursos alimentícios, emergem assim as relações de conflitos e ocorrem as formulações de negociações ou métodos de troca.

Com o estabelecimento tradicional destes hábitos, as diversas gerações passaram a adaptar as suas condições e necessidades com o ordenamento da negociação, ao ponto desta se dar de modo naturalizado no convívio entre os iguais. Neste ínterim pode ocorrer momento em que alguma negociação fuja à naturalidade, de modo que afete a segurança, a pertença ou individualidade de cada um dos envolvidos na causa. Para Fisher, Ury e Patton (1994, p. 91), a negociação reúne interesses comuns que ficam latentes e podem, de algum modo, se mostrarem velados. Os autores expressam que no momento da condução da negociação é fundamental que esses interesses comuns sejam preservados e vistos como oportunidades de cooperação. Servirão deste modo, como um norteador para o planejamento de ações futuras, pois é o resultado que se almeja na negociação.

Os interesses, também, podem ser compreendidos, como fruto de experiências humanas, pois estão imbuídos de valores, crenças e culturas. Considerando que esses elementos emergem das relações do agrupamento humano e permeiam o campo da individualidade, é necessário que no momento de uma negociação, caso esta seja conduzida por um terceiro imparcial, que se tenha atenção para a validação desses elementos. Isso será fundamental não apenas para o desenvolvimento do processo, mas para que as pessoas envolvidas possam extrair de modo amplo, benefícios da negociação e aprendizagem para tomadas de ação em situações futuras.

Como mencionado, é pela capacidade humana de estabelecer crenças e culturas se assentam na habilidade de reter imagens, assim, a solidificação de ideias, opiniões, atitudes e anseios, se dão sobre experiências vivenciadas ou observadas. Então, ao tratar os interesses mútuos no momento da negociação, é fundamental, que o operador da técnica possa ter clareza de sua prática de modo a validar e respeitar as construções e significados individuais.

Inclusive, considerando que a linguagem humana, embora seja forma de comunicar algo ao meio, pode ser adaptada aos diferentes contextos. Assim, quando um interesse a ser negociado é comunicado, descrito ou identificado, está relacionado a um contexto. Para Andersen (2002, p. 54) cada pessoa possui uma percepção da realidade a qual pertence. Assim, embora possa-se considerar que pessoas oriundas de um mesmo agrupamento social tenham a mesma tendência experimental, há um conteúdo que reflete significado único.

Portanto, ao se oferecer o desenvolvimento de trabalho ou ferramenta no trato de conflitos, requer que se tenha compreensão de que pessoas são fruto de relações sociais e formadas por conteúdos adquiridos na coletividade, mas que suas percepções individuais sobre os fatos motivam seus sentimentos e ações, 

Com o olhar atento para as individualidades e percepções dos envolvidos nas questões, o operador da técnica negocial pode almejar o alcance de resolução amistosa que vise a minimização de danos, principalmente, nas relações continuadas no tempo. Como visto, as práticas de negociação terão variedade no sentido de cada interpretação dada pelo aspecto cultural de cada parte envolvida no processo, inclusive do próprio operador da técnica.

 

Notas e Referências

ANDERSEN, Tom. Processos reflexivos.2ª ed. Rio de Janeiro: Instituto Noos, 2002.

BOHM, David. Diálogo: Comunicação e Redes de Convivência. Ed. Palas Athena, 2005

CAPRA, Fritjof; LUISI, Pier Luigi. A visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, 2014.

FISHER,Roger ; URY,William ; PATTON,Bruce .  “Como chegar ao sim: negociação de acordos sem concessões”. Projeto de Negociação da "Harvard Law School"; tradução de Vera Ribeiro & Ana Luzia Borges- 2ª ed. Rio de Janeiro : Imago Ed.,1994.

 

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