Coluna Substractum / Coordenadores Natã Ferraz, Juliana Jacob e Luciano Franco
Esta história inicia-se há mais de 20 anos no laboratório da cidade de São Carlos - SP, mais precisamente no laboratório do renomado químico Dr. Gilberto Chierrice, tido no ano de 1996 como o 46º melhor cientista do mundo, por desenvolver outra substância necessária à medicina.
Chierrice, nesta época ligado a o Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros da Universidade de São Carlos, distribuia a substância por décadas para doentes com câncer que o procuravam na porta do instituto ou até mesmo em sua residência. A notícia aos poucos aumentava de acordo com o boca a boca e melhoras consideráveis dos pacientes, havendo relatos até mesmo de cura pela substância.
“Como o médico indicava e o paciente estava melhorando, eu pensei: que mal haveria em dar?…Não considerava que aquilo era responsabilidade minha, era responsabilidade do médico que fazia a indicação. Eu nunca analisei ninguém, até porque não sou médico, o cara é que me trazia o exame mostrando o antes e o depois com bons resultados”. Disse o químico em reportagem da Folha de São Paulo em 2016, já no auge da discussão acerca do medicamento.
A substância, fora testada em humanos no ano de 1990 em testes controlados e em 1996 fora feito um convênio entre a USP e o IQSC, concretizando uma parceria entre o instituto de química de São Carlos e o Hospital Amaral Carvalho de Jaú, que hoje é um dos centros de referência no tratamento de câncer no interior de São Paulo. Convênio este negado veementemente pelo mesmo hospital quando da existência dos testes iniciais da substância, mas que através de pesquisas realizadas pelos grupos de defesa da substância conseguiram acesso aos mencionados documentos.
O trabalho do químico inicialmente não tinha nenhuma aplicação médica, estavam estudando a aplicação do elemento químico cálcio e precisavam de um cristal de fosfato, talvez orgânico, e a fosfoetalonamina parecia ser a melhor opção conforme relatou. Assim pesquisaram na literatura médica e descobriram a presença da fosfoetalonamina em maiores índices em animais que possuíam tumores. O químico então acreditou que talvez o corpo atingido pelo tumor estivesse produzindo a substância para tentar combater o câncer.
Nesta época, 1996, a equipe técnica já tinha ligações com a faculdade de medicina da Unesp de Botucatu, onde requereu a equipe do químico que se iniciassem os primeiros exames de toxicidade da fosfo em roedores. Iniciados os protocolos de testes, fora observada que poderia ser usada em qualquer ser vivo, o que teria iniciado um protocolo de testes em humanos na cidade de Jaú. Protocolo este que nunca fora divulgado e que é negado até a presente data pela própria instituição mesmo diante dos indícios.
No ano de 2014 para 2015, anos mais tarde, a substância tornou-se extremamente popular o que fez com que inúmeras ações fossem distribuídas pelo país e em especial na pequena cidade de São Carlos - SP, buscando a liminar contra o Estado de São Paulo para que este fornecesse a substância fosfoetalonamina sintética. Começava ai a corrida do ouro ou propriamente dita da fosfoetalonamina.
Neste período em São Paulo, 8600 ações foram distribuídas e o pequeno laboratório de química começava a quintuplicar sua produção para atender a demanda de um país que queria sair das garras da indústria farmacêutica e apoiar-se em uma medicação que custava centavos, 10 centavos o comprimido, e conseguir assim lutar no que seria talvez a sua última batalha.
Ocorre entretanto que, no início de junho de 2014, o Diretor do Instituto determinou, através da PORTARIA IQSC 1389/2014, a interrupção da produção e distribuição, enquanto a Fosfoetanolamina não fosse liberada pelos órgãos competentes, o que não iria ocorrer tão cedo face a briga por patentes.
Alguns médicos à época apontavam pela necessidade de uso da substância, tal qual o relato do médico na folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2015/10/1694188-sou-cientista-mas-e-insuportavel-ver-minha-mae-definhar.shtml?cmpid=compfb) que assim dizia:
"...Com a ajuda de um colega especialista, Estevão Gamba, doutorando da Unifesp, achamos 94 trabalhos sobre os efeitos da substância em em alguns casos de câncer como mama."...
As ações distribuídas à época baseavam-se na responsabilidade solidária dos entes federativos na busca pela saúde contida em Nossa Carta Magna que em diversas passagens trata da proteção do direito a saúde, a começar pelo art. 1º, que elegeu a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil, conforme supracitado. O artigo 3º o complementa, constituindo como objetivo de nossa República a promoção do bem de todos. Por sua vez, o artigo 5º assegura a inviolabilidade do direito à vida; e no dispositivo seguinte, artigo 6º, o direito à saúde é expressamente garantido dentro os direitos sociais. Assim, a busca pela saúde é um dever inerente à condição humana, protegendo o núcleo instransponível da vida razão pela qual tornava-se forçoso provocar o judiciário para a aquisição da desejada substância.
Importante salientar, que impossível era a tentativa de se buscar à época e até mesmo hoje a substância pelo SUS uma vez que tal substância nunca esteve contida no RENAME e pelo que se acredita não estará tão cedo. O RENAME é Relação Nacional de Medicamentos Essenciais. Assim, o pleito judicial mantinha-se na ideologia de que não se poderia circundar a evolução medicamentosa nacional pela lista desatualizada do RENAME, isto porque o preceito constitucional é bem mais abrangente, garantindo o fornecimento de qualquer medicamento prescrito, desde que aprovado pela ANVISA - que lhe reconhece a eficácia terapêutica. Entretanto, ali ainda tínhamos o segundo problema, qual seja, a inexistência de aprovação da ANVISA, que até então, muito embora provocada já em 1990 para o registro da substância, nunca o fez, desaparecendo por completo com a documentação existente e tangente ao caso, conforme afirmavam os pesquisadores á época.
Assim, em 2014/2015 a situação poderia se descrever pela situação de que o medicamento em tela não estava e ainda não está, registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, que detém a atribuição de realizar o controle dos medicamentos em uso no território nacional, com vistas à avaliação da eficácia para os fins a que se propõem e da segurança dos pacientes aos quais se destinam.
Porém, embora não registrado, já á época, antes do bloqueio e da suspensão da produção pelo IQSC a substância podia ser utilizada no Brasil através do programa da Universidade de São Paulo, no Instituto de Química de São Carlos (IQSC), programa este que foi interrompido pela portaria expedida pela própria instituição. Especificamente no que se apresenta:
Dispõe o art. 1º da Portaria IQSC 1389/2014: “Art. 1º. A extração, produção, fabricação, transformação, sintetização, purificação, fracionamento, embalagem, reembalagem, armazenamento, expedição e distribuição de drogas com a finalidade medicamentosa ou sanitária, medicamentos, insumos farmacêuticos e seus correlatos só podem ser efetuados nas dependências do IQSC após apresentação à Diretoria do Instituto das devidas licenças e registros expedidos pelos órgãos competentes, de acordo com a legislação vigente e desde que tais atividades estejam justificadamente alinhadas com as finalidades da Universidade”.
Informou quando do bloqueio, que a Universidade de São Paulo, não possuía o acesso aos elementos técnico-científicos necessários para a produção da substância, cujo conhecimento seria restrito ao docente aposentado e à sua equipe e é protegido por patentes (PI 0800463-3 e PI 0800460-9). Porém ainda assim, cumprindo as determinações das tutelas que lhe foram impostas estaria produzindo o medicamento, contrariando suas próprias afirmações de impossibilidade de produção. Fato é que um dos pesquisadores mantinha-se naquele laboratório de maneira filantrópica para auxiliar a produção da substância dada a sua importância.
Pontue-se que à época dos anos 2014 e 2015 a droga já foi tese de mestrado pela USP tendo sido apresentada em uma de suas conclusões (doc. anexo) o seguinte resultado.
"O conjunto dos nossos resultados obtidos até o presente reflete um papel promissor da fosfoetalonamina no tratamento de tumores de melanoma B16F10, visto que tanto in vitro, quanto in vivo, encontramos evidências de que a mesma iniba a proliferação ou crescimento tumoral. Embora esta molécula possa atuar diretamente sobre as células tumorais, outros mecanismos possivelmente estão envolvidos no controle da progressão carcinogênica, tais como a ativação de respostas anti-tumorais. A identificação dos mediadores químicos produzidos no microambiente tumoral, assim como do fenótipo das células imunes infiltrantes do tumor, poderá contribuir ao entendimento dos mecanismos envolvidos na atividade antitumoral de PEA. (Luciana Veronez)."
Estávamos portanto no auge da busca pelo medicamento. Inúmeros eram os pacientes que acampavam na porta do instituto buscando o medicamento e que por suas limiares estavam com a ordem de fornecimento daquela substância. Até então o Estado de São Paulo bem como a instituição acadêmica eram responsáveis por produzir, encapsular e entregar a substância que á época era encapsulada coma pílula de cores azul e branca, razão pela qual tornou-se as cores oficias e o símbolo da luta pela substância.
Assim, em 11 de novembro de 2015, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a suspensão da substância cassando todas as liminares de primeira instância que obrigavam a Universidade de São Paulo (USP) a fornecer a substância. Fora proibido também á época que juízes tomassem decisões futuras sobre o assunto. Literalmente, com o perdão da palavra, lançou-se uma mordaça sobre a luta pela fosfo e 8600 liminares tombaram e inúmeros doentes estavam condenados a morte pela ausência da substância.
Assim, desesperados e ávidos pela suposta cura ou melhoras dos efeitos do câncer, inúmeros pacientes tomaram as ruas pedindo pela fosfoetalonamina sintética. Absorvendo o impacto popular a Câmara dos Deputados, pela comissão de seguridade social e família, promoveu a audiência pública para debater a utilização da fosfoetalonamina como tratamento contra o câncer. Assim dizia.
“ …considero de suma importância que esta comissão discuta este tão importante tema, a fim de apresentar as soluções aos impasses gerados e em especial, dar a oportunidade de cura às pessoas com câncer através desta substância de uma maneira legal.” - Lobbe Neto Deputado Federal, PSDB.
Assim, cedendo à pressão popular, em abril de 2016, fora publicada a Lei 13.269 que autorizava o uso da fosfoetalonamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna, permitindo a produção, manufatura, importação, distribuição, prescrição, dispensação, posse ou uso da fosfoetanolamina sintética, direcionados aos usos de que trata a Lei, independentemente de registro sanitário, em caráter excepcional, enquanto estiverem em curso estudos clínicos acerca dessa substância.
Porém, em maio do mesmo ano de 2016, por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deferiu ação liminar requerida pela Associação Médica Brasileira, ADI 5501, que suspendia a eficácia da Lei 13.269/2016 fazendo com que os defensores da substância voltassem a primeira casa no tabuleiro deste jogo vital.
Em junho, daquele ano de 2016, o Centro de Inovação e Ensaios Pré Clínicos concluía novos testes em células do pâncreas, pulmão e melanoma com o intuito de checar a capacidade da substância de destruir as células tumorais. Os testes concluíam que a fosfoetalonamina não obteve eficácia contra as células do tumor do pâncreas ou melanoma e que no câncer de pulmão teria reduzido a viabilidade celular em 10,8% e a proliferação em apenas 36%. Foram destinados 20 milhões de reais para a pesquisa.
Assim, nesta mesma época, a mídia nacional passou a chamar a fosfoetalonamina de vergonha da ciência nacional.
Neste mesmo período, iniciava-se a chamada CPI da fosfoetalonamina sintética, para debater e observar os resultados apresentados pelo ICESP. Primeiro o Governo do Estado de São Paulo obrigou auditores a acompanharem o processo de testes, mas estes não estiveram presentes. Na ocasião os auditores teriam comprovado uma série de falhas nos testes segundo padrões clínicos aprovados pelo CONEP (Conselho Nacional de Ética e Pesquisa) e a posologia foi questionada: Foi preconizada a tomada de 3 cápsulas diárias 3 vezes ao dia, porém as capsulas foram administradas ao mesmo tempo, em dose única de 1500mg/dia. Outro ponto em discussão foi a utilização de pacientes terminais no primeiro estágio de testes.
Os parlamentares citaram as principais desconformidades identificadas no protocolo da pesquisa, elaborado pelo Instituto do Câncer de São Paulo (Icesp) e aprovado pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo a CPI, houve erro em 80% dos grupos pesquisados, que não completaram o total de 21 pacientes participantes, conforme determinado no protocolo. "Apenas um grupo de câncer tinha 21 pacientes. Havia grupos que contavam com apenas um participante, o que é um absurdo segundo a CPI.
O relatório pode ser localizado em (http://ricardomadalena.com/wp-content/uploads/2018/04/RESUMO-DO-RELAT%C3%93RIO.pdf).
O resultado final do relatório assim concluiu em abril de 2018.
“RECOMENDAMOS, EM ESPECIAL, QUE A RETOMADA DAS PESQUISAS E A REALIZAÇÃO DE NOVOS TESTES COM A SUBSTÂNCIA FOSFOETANOLAMINA SINTÉTICA, CONHECIDA COMO A PÍLULA DO CÂNCER SEJAM REALIZADOS EM OUTROS INSTITUTOS DE PESQUISAS E HOSPITAIS ESPECIALIZADOS, SEJAM NO BRASIL OU NO EXTERIOR, E QUE SEJAM REALIZADOS, SOBRETUDO, COM SERIEDADE, TRANSPARÊNCIA, CELERIDADE, PROFISSIONALISMO, ISENÇÃO DE INTERESSES, HONESTIDADE DE ESPÍRITO E DE PROPÓSITOS!”
Fato é que diante disto, o cenário atual da fosfoetalonamina sintética nos leva a 4 vertentes finais. A primeira é o surgimento dos compostos de suplementos alimentares denominado de FOSFOETALONAMINA SUPLEMENTAR, de empresas internacionais ou até mesmo nacionais o que segundo o pesquisador químico Gilberto Chierrice não tem qualquer efeito positivo no tratamento da substância. A segunda é o término dos estudos pela Universidade do Ceará pelo núcleo de pesquisas e desenvolvimento de medicamentos que iniciaram em 17 de junho deste ano de 2019 os testes em humanos, para verificar a toxicidade da substância já que houve um resultado de redução de tumor em camundongos em 64% dos casos sem efeitos colaterais. A terceira, é aceitar por definitivo os testes inicias, acreditando que realmente a substância não funciona e a última a que julgo mais interessante e a que luto constantemente é a tentativa de se usar a substância através de novas ações para a obtenção do direito de compra da substância diretamente do laboratório da cidade de Cravinhos que ainda produz a substância.
Enfim, vergonha nacional ou cura, só o tempo dirá. As decisões sobre o tratamento são do paciente, as pessoas que estão passando por isso, acabam perdendo o controle de muitas coisas na sua vida, então é dever aceitarmos a decisão do mesmo. O que não se pode deixar de fazer é afogar a esperança de um doente terminal, ou de um doente com câncer em qualquer estágio. Há que se analisar que diante de uma substância cuja toxidade é baixíssima ou nula nasce ali o direito pleno de se tentar a cura, de se crer na possibilidade de extirpar a doença e o dever de que o Estado permita que o paciente alcance seu objetivo, ainda mais, se não há qualquer prejuízo ao erário. A busca pela vida é sem dúvida a razão precípua de todo ser.
Imagem Ilustrativa do Post: Junta de Andalucía // Foto de: Farmacia hospitalaria // Sem alterações
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