Coluna Direito Negocial em Debate / Coordenador Rennan Mustafá
Em um mundo “sem fronteiras” econômicas, dado o exponencial avanço da globalização, a administração e a legislação dos Estados-nacionais, os quais se encontram enclausurados dentro dos limites de suas fronteiras, “não têm mais um impacto efetivo sobre os atores transnacionais, que tomam suas decisões de investimentos à luz da comparação, em escala global, das condições de produção relevantes”[1].
De acordo com José Eduardo Faria[2], o fenômeno da transnacionalização dos mercados alterou de modo radical as estruturas de dominação política e de apropriação de recursos, por meio da superação de barreiras geográficas e da flexibilização de fronteiras burocráticas entre os países.
Assim, o Estado-nação se demonstrou “pequeno demais com respeito às funções de governo e de tutela”[3] das relações econômicas de âmbito mundial. Por conseguinte, os países perderam o poder de condução e coerção sobre as empresas privadas. Logo, políticas públicas de incentivos e de benefícios concedidos aos agentes econômicos não possuem mais a mesma efetividade de atratividade sobre o capital estrangeiro como se observava no cenário econômico até o começo do século 21.
Nesse cenário, Kenichi Ohmae apresenta uma teoria denominada de “os 4 ‘Is’”, a fim de identificar os principais fatores que conduzem os fluxos econômicos atuais. Para o autor, o Estado-nação se transformou em “uma unidade organizacional antinatural – até mesmo disfuncional – para se pensar sobre a atividade econômica”[4], em razão de que em uma economia mundialmente integrada, é impreciso analisar os fluxos de atividades econômicas tendo como base as demarcações de fronteiras dos países, considerando-os como unidades básicas de análise. De fato, não é possível considerar o Brasil como uma unidade econômica, sob o risco de não considerar as diversidades e diferenças econômicas regionais.
O primeiro fator “i” apresentado por Ohmae diz respeito ao “investimento”. Em um mundo globalizado, o investimento não está geograficamente restrito, em razão de que as melhores possibilidades de investimento não costumam estar disponíveis no mesmo local geográfico que os investimentos, por conseguinte, o mercado de capitais tem criado instrumentos para transferi-los através das fronteiras nacionais[5].
O segundo fator “i” dos fluxos econômicos refere-se à indústria. No entendimento de Ohmae, no passado as empresas fechavam acordos com governos nacionais para trazer investimentos e know-how e em contrapartida recebia privilégios no mercado nacional. No entanto, no atual cenário econômico, o planejamento das empresas privadas tem sido pautado pelo desejo e necessidade de atuar em mercados mais atraentes. Para o autor, “subsídios governamentais – incentivos ficais antiquados para investir nesse ou naquele local – estão se tornando irrelevantes como critérios de decisão”[6].
Nessa toada, no Brasil, desde 1997, tem-se realizado esforços para atrair grandes montadoras de veículos, mediante a concessão de um regime especial criado pela Lei n. 9.440/97, dispondo sobre benefícios tributários para as montadoras e fabricantes de automóveis que se instalarem nas regiões norte, nordeste e centro-oeste do país.
Como reflexo de tais medidas, estima-se que apenas o Governo Federal tenha deixado de arrecadar R$ 69,1 bilhões entre os anos de 2000 e 2021. Desse montante, cerca de R$ 20 bilhões correspondem apenas a isenções concedidas à empresa Ford Motor Company[7]. Mesmo assim, no ano de 2021, com a justificativa de reestruturação de suas operações, a multinacional decidiu por encerrar suas atividades fabris no Brasil, impactando na demissão de mais de 5,3 mil trabalhadores diretos.
Presume-se que a empresa tenha optado pela busca por uma melhor margem operacional e de investimento em uma nova cartela de oferta de automóveis de alto valor agregado, e que a averiguação sobre a baixa atratividade desse segmento de mercado no Brasil foi um dos fatores determinantes para a tomada de decisão de encerrar as atividades das fábricas da marca no país. Entretanto, isso não impactará na atuação da Ford no mercado brasileiro, o qual será abastecido, em grande parte, pela produção da Argentina e do Uruguai.
Por sua vez, o deslocamento de investimento e da indústria só é viável em função do terceiro “i”, a tecnologia da informação, que possibilita que a empresa opere em diferentes locais do mundo sem que para isso tenha que construir toda uma estrutura de negócios em cada região onde a companhia estiver atuando[8].
Enfim, os consumidores individuais constituem o quarto “i” dos fluxos econômicos. Com o avanço da internet, os investidores possuem maior acesso e qualidade de informações sobre os potenciais consumidores, permitindo que se constatasse que a maioria das pessoas não estão mais condicionadas a adquirir produtos em razão do país de fabricação. Segundo Ohmae, “cada vez mais, os consumidores querem produtos melhores e mais baratos, não importa a sua origem”[9].
Em síntese, com base nos estudos de Kenichi Ohmae, nota-se que na economia contemporânea o Estado-nação perde o poder de condução dos fluxos econômicos, os quais tem-se pautado essencialmente em quatro outros fatores: investimentos; indústria; tecnologia da informação; e, consumidores individuais.
Notas e Referências
[1] HABERMAS, Jüger. O Estado-nação Europeu frente aos desafios da globalização: o passado e o futuro da soberania e da cidadania. Tradução: Antonio Sérgio Rocha. São Paulo: Novos Estudos Cebrap, n. 43, nov. 1995, p. 99.
[2] FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2002.
[3] FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno: nascimento e crise do Estado nacional. Tradução: Carlo Coccioli; Márcio Laurua Filho. Revisão: Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 51.
[4] OHMAE, Kenichi. O fim do Estado-nação. Tradução: Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Campus; São Paulo: Publifolha, 1999, p. 10.
[5] Ibidem.
[6] Ibidem, p. 19.
[7] MARTINS, Raphael. Por que a Ford investe na Argentina enquanto fecha fábricas no Brasil? G1. 12 de jan. de 2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/01/12/por-que-a-ford-investe-na-argentina-enquanto-fecha-fabricas-no-brasil.ghtml>. Acesso em: 29 jan. 2021.
[8] OHMAE, Kenichi. Op. cit.
[9] Ibidem, p. 20.
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