Não é tão difícil de entender: homens e mulheres são iguais no direito de alcançar respeito à sua posição no mundo e diante da vontade alheia. Especificamente em questões que envolvem sexo, um não, pois, é um não.
Os costumes nos legaram desproporção entre sexos em todos os ambientes: não só “cantadas” de rua se constituíram em licença masculina; também as formas adotadas nos meios “sofisticados” são vantajosas ao masculino.
Desconsiderem-se as tão referidas “manifestações” dos operários de construção civil e lembre-se um baile de debutantes. Os pais (nunca as mães) desfilando filhas de 15 anos em rituais de apresentação à sociedade, ou aos homens.
Cerimônia de passagem, exposição de meninas a homens casadoiros. Em havendo interessados, novo ritual sob os auspícios do poder religioso: o pai (nunca a mãe) em rito de submissão, entrega – literalmente – a filha ao marido.
O casamento religioso é um protocolo semita de negócio entre homens. O pai, chefe do clã, conduz a filha em trajes “muçulmanos” (vestido longo, cabeça coberta), e a dá a um homem diante de testemunhas; um sacerdote “benze” o evento.
Protocolos em que homens dispõem dos corpos femininos. Eles subsistem. Milhares de mulheres voluntariamente submetem-se a eles. Oprah Winfrey, do alto de sua importância sentenciou: “É o fim de uma era, nós viramos a história”.
Discordo. Penso que estamos em um bom momento de luta por igualdade. Homens ainda ocupam mais lugares de poder que mulheres e se prevalecem de posições hierárquicas para manipular, chantagear e submeter o “sexo frágil”.
Baralham-se poder e abuso de poder. Apaga-se a distinção entre galanteio (atenção e cortejo) e assédio (perseguição, insistência impertinente). O direito de dizer intenções e o atropelo ao direito de alguém dizer um não são confundidos.
O espírito libertário pós-Segunda Guerra – Beat, Hippie, Feminismo, Maio 68 – propiciou a revolução sexual. As mulheres conquistaram liberdade de dar (está bem, fazer sexo) sem constrangimento para quem bem entendessem.
A luta feminista atual parece a muitos laborar na contramão das próprias conquistas. Nada disso, é um desdobramento delas. As mulheres estão em combate declarado pelo direito de não dar para quem não tenham gosto.
Elas estão corretíssimas na briga e na gritaria. Há equívocos no “processo”, entretanto: comportamento voluntarista, beirando o voluntarioso; ditado disciplinar para o corpo da “outra”; denuncismo midiático; “reserva” de fala; moralismo.
Diante da grandeza da causa, contudo, não obstante erros, considero que os que vêm sendo cometidos não a invalidam em nada, mas ainda assim merecem a devida reflexão. Opino, pois, com intenção contributiva.
Voluntarismo: abundam manifestações desprovidas de racionalidade; emoções de superfície tomam parcela das “postagens”. Reducionismos de frases meramente retóricas sustentam “feministas” sem compreensão de feminismo.
Voluntariosidade: generalizações agressivas são rebatidas com igual hostilidade. Frases como: “todo homem é um estuprador em potencial” produzem respostas equivalentes: “toda mulher é uma mãe agressora em potencial”.
Regulação e disciplina: homens e mulheres investem no corpo, interferem na sua natureza. Todavia, alas do feminismo determinam a estética “adequada” às mulheres. Um imperativo categórico aspira submeter depilação etc ao “padrão”.
Denúncias por mídia: era só o que faltava pretender que as mulheres abrissem mão do poder de produzir e difundir argumentos e denúncias contra o assédio humilhante, esperando pela efetivação da Justiça por meio de tribunais.
Isso, porém, não autoriza julgamento sumário e sem contraditório. Trata-se de questão delicada. Há conflitos de princípios basilares do Estado de Direito: liberdade de expressão, processo legal, presunção de inocência etc.
Lugar de fala: o feminismo é tema da humanidade, não está adstrito a ninguém. Não há reserva de gesto na luta pela ampliação da vida democrática. Se o protagonismo é das mulheres, o assunto é encargo moral de qualquer pessoa sensata.
Moralismo: o puritanismo está sempre de tocaia. Muitas feministas “problematizam” o rebolado, assinalam a hipersexualização, denunciam o “comércio” do corpo, como se as mulheres, mesmo adultas e esclarecidas, carecessem de monitoria.
Ainda fico com a liberdade da pessoa advertida. Ninguém pode constituir o outro ou a outra em palco de efetivação de discurso. O feminismo não é um código prescritivo de costumes, não é uma “bandeira” para “salvar” as mulheres.
A ideia fundacional do feminismo é a igualdade radical de direitos civis entre homens e mulheres. Na liberdade de escolha individual não cabe “discurso”. Discernimento: a “minha” proposta “certa” não elide a vontade “errada” da outra.
É paradoxal que no transcorrer de uma pugna que firma franquias libertárias mulheres arvoram-se o direito de oprimir mulheres. Opressão, aliás, minudente: vigiam e punem como “femistas”, num exercício de machismo revertido.
“Todas e todos são iguais, mas umas e uns são mais iguais do que outras e outros”. Soberba histórica dos homens, que se tomaram como mais iguais do que as mulheres. Homem ou mulher, ninguém é mais igual do que ninguém.
Imagem Ilustrativa do Post: Laura - BTS // Foto de: Luca Sartoni // Sem alterações
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