Fascistas de direta, fascistas de esquerda: discursos e gestos de violência

12/09/2018

Se há algo razoavelmente “democratizado” no Brasil, são as relações de odiosidade convertidas em ataques fascistas realizados por fascistas que acusam de fascistas discursos discrepantes de certas convicções fascistas.

Fascistas de direita fazem o que lhes é de tradição: querem a força bruta silenciando insurgências contra seus privilégios. Fascistas de esquerda dão-se a titularidade exclusiva dos “lugares de fala” representativos da Sociedade e querem calar a boca das vozes divergentes.

Os fascistas necessitam negar o Outro. Negam-lhe qualidades e posições. A estrutura discursiva do fascista é alicerçada em um nós ideal, numa imaginação de grupo superior ou mais esclarecido, em uma classe revolucionária, em ídolos condutores. O fascista não dialoga, ele “oferece” um caminho, uma veridicidade, uma solução final.

Nossos fascistas privilegiam as mídias sociais como arena para insultos: falas pobres de conteúdo e retumbantes na agressividade. Falas ignorantes, afrontas irrefletidas, eleição de “inimigos”, autoafirmação de arbitragem nos debates sociopolíticos.

Da banda conservadora brasileira não se haveria de esperar muito. O surpreendente é que os sedizentes de esquerda estão com feitios tão autoritários em seus conteúdos e maneiras que chegam a abismar.

Talvez tudo isso seja decorrente do fato de que à direita ou à esquerda sejamos todos resultado de uma sociedade arrogante. É como se houvesse um determinismo cultural e todos tivéssemos restado cativos da nossa tradição autoritária. Se for, o esforço é de superação das condições ideológicas de produção de nossa educação cívica.

Agora, se da direita brasileira já temos repudiadas as ideias e práticas que resultaram em ditadura assassina, em desigualdade ímpar no mundo, em ressentimento de classe, em corrupção (isso, aliás, não é exclusividade da direita), em conflagração que beira um estado de guerra civil, da esquerda deveríamos receber outras concepções de vida pública e práticas de civilidade. Contudo, não está sendo assim.

“Como você diz que é uma boa pessoa, nós estamos dispostos a oferecer a você um bom paredão, onde vamos colocá-lo na frente de uma boa espingarda, com uma boa bala, e vamos oferecer depois uma boa pá e uma boa cova. Com a direita e conservadorismo, nenhum diálogo. Luta.”

Com variações, o texto citado por Mauro Iasi, candidato à presidência em 2014 pelo PCB (https://bit.ly/2PYfEeF), supostamente de esquerda, é um trecho do poema Algumas perguntas a um “homem bom”, de Bertold Brecht. Não se poderá dizer que o “discurso” seja o mais recomendável para o estado de ânimo da Nação.

Vagner Freitas, dirigente da CUT: “Ir pra rua, entrincheirados, com arma na mão [...] Seremos o exército que vai enfrentar essa burguesia na rua” (https://bit.ly/2wRCHzE). Claro, não o farão. Mas fica a fala raivosa, a proposta beligerante, a desconsideração aos meios institucionais. Diz Karine Gomes Vieira: Dizeres incautos, se alcançam ânimos doentes, tomam o risco de se converter em realidade.

Em ultraje verboso, sob os aplausos de Lula, Marilena Chauí, intelectual petista: “Eu odeio a classe média. A classe média é o atraso de vida, é a estupidez, é o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista [...] A classe média é uma abominação política, porque ela é fascista; ela é uma abominação ética, porque ela é violenta, e ela é uma abominação cognitiva, porque ela é ignorante. Fim” (https://bit.ly/1vKPSdR). Será? Todo mudo da classe média? Chauí declarou-se classe operária ascendida. Eu diria que ela é a típica classe média que injuria.

“Nós somos mais brasileiros do que eles, porque quem trabalha e quem produz riqueza neste país são vocês trabalhadores brasileiros, e não aqueles setores que vão para a Avenida Paulista protestar contra nós”. Fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (https://bit.ly/2QeMWpW). Lula é useiro e vezeiro do “nós e eles”. Esse não é, certamente, o papel do estadista que conciliará a gente do seu País.

Está dito, mas reitero, porque trata-se do busílis do texto. Esquerda e direita podem se pretender com conteúdos peculiares (talvez, exceto, na desvergonha de roubar), na forma, contudo, não vejo exercerem diferença de procedimento.

A moderna democracia não é apenas censitária, obtenção de maioria. Não estaremos bem se não houver legitimação de ideias e formação de consensos mínimos; se não aprendermos que a vida pública democrática não contempla inimigos, mas adversários, e que adversários têm o direito de disputar o poder.

Os debates de convicções e o reconhecimento do adversário são pressupostos dos procedimentos republicanos de eleger governantes. As regras do jogo democrático, formalmente legitimam o vitorioso do certame político; materialmente, o derrotado na disputa legitima a competição. É assim que é. É assim que deve ser.

Estamos em época de escolha de autoridades públicas. Os fascistas se desacautelam, excedem-se, querem cumprir seus mandamentos de receita única. Fascistas de direita ou de esquerda igualmente imputam de fascista qualquer ideia que não seja a deles. Se não nos precavemos, eles capturam para si o debate público do Brasil.

 

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