EXISTE DEVER DO ESTADO (E DOS PLANO SE SAÚDE) EM FORNECER MEDICAMENTOS OFF LABEL?

11/05/2022

Coluna Direito Médico e da Saúde

A ciência baseia-se em evidências. Tal afirmação vale tanto para a Medicina quanto para o Direito. Existem várias maneiras de estabelecer consenso sobre determinado conhecimento. Ele será vigente até o momento em que esse mesmo conhecimento seja refutado por outro que, então, será tido como correto. Novamente, esse raciocínio é aplicável tanto para os médicos quanto para os que militam na área do Direito.

A aprovação de um novo medicamento consiste em uma longa fase de pesquisa e de desenvolvimento (P&D). Em grandes linhas, a primeira etapa é a da pesquisa, seguida dos testes clínicos pré-laboratoriais ((in vitro), para, então, ocorrer a última etapa, a dos testes em animais (in vivo). Os ensaios clínicos são realizados após essa tríade e também possuem uma fase tripartite que vai do teste em um pequeno grupo de voluntários saudáveis, passa pelo teste em voluntários enfermos e chega na fase comparativa, em larga escala, para testar eficácia perante outros medicamentos. Somente após tais etapas, ocorre a aprovação pela ANVISA e o medicamento poderá ser comercializado.

A bula, isto é, o label, é um documento legal. Por quê? Ela traz os dados derivados das etapas mencionadas e orienta o uso seguro e correto de determinado medicamento. Pode-se afirmar que a bula é o resultado de um processo científico tendente a concretizar uma das partes do direito à saúde (artigo 196 da Constituição Federal): a cura das doenças.

Também é evidente afirmar que, em sendo busca da verdade, processo científico, as bulas podem ser alteradas. Devem (RDC 60/2012), pois novos dados clínicos, normalmente, são coletados durante o uso do medicamento. E um, em especial, tem ocorrência comum: os benefícios de um medicamento para uma doença diversa daquela para o qual foi testado. É o caso do Dramin como indutor de sono. Foi, também, infelizmente, a hipótese de a hidroxicloroquina ser “eficaz” no tratamento da COVID-19.

Um medicamento off Label, em síntese, é aquele utilizado para uma indicação diversa daquela constante na bula. Em que medida, portanto, é razoável exigir do Estado e dos planos de saúde seu fornecimento? A jurisprudência consolidada distingue: Estado não resta obrigado (Pedido de Uniformização de Jurisprudência 2021/0130533-5/STJ) ; planos de saúde, por seu turno, sim (REsp 1721/705 STJ). Claro, há posições divergentes tanto para um lado quanto para outro, mantendo-se, em grandes linhas, todavia, as interpretações citadas.

Os argumentos são baseados na extensão do dever do Estado ou dos planos de saúde na proteção do direito à saúde do cidadão ou do consumidor, inclusive na seara suplementar. Mesmo que se elenquem entendimentos relevantes para cada uma das partes envolvidas, há um ponto fulcral a ser resolvido. Está no próprio conceito de off label: a bula, por si só, como resultado de um processo que não é final e que está em constante aperfeiçoamento – por isso pode ser modificada - , é o documento legal sanitário a restringir o exercício do direito à saúde?

Quando colocado o problema sob esse prisma, seu âmago, parece bastante fácil afirma que resposta do poder regulamentador da ANVISA é essencial, porém não é o último. Logo, significa, muito brevemente, que está sujeito, sim, à revisão do Poder Judiciário, desde que, evidentemente, esse julgue – como sói acontecer – dentro da lógica e das operações típicas do sistema jurídico. Em outras palavras: os limites da concessão dos medicamentos off label , quando judicializados, são dados pelo Direito e não por fatores extrajurídicos.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Lady Justice // Foto de: Dun.can // Sem alterações

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