Por Marcelo Pertille - 29/07/2015
Lição 19
Olá, amigos do Empório do Direito! É hora de iniciarmos nossa décima nona semana juntos no estudo da teoria geral do crime. Até agora vimos o fato típico, a ilicitude e desde a lição 16 estamos focados na culpabilidade, a qual teve seus dois primeiros elementos (imputabilidade e potencial consciência da ilicitude) trabalhados nas lições 17 e 18. Portanto, será tema deste texto o terceiro e último elemento da culpabilidade, a exigibilidade de conduta diversa.
Exigibilidade de conduta diversa
A exigibilidade de conduta diversa deve ser vista como a possibilidade que se abre no sentido de se cobrar do agente uma postura diferente em relação ao fato típico e ilícito que perpetrou. Para que o agente seja culpável, além de imputável e inserido em contexto que lhe permita atingir a consciência sobre a ilicitude de sua conduta, também a situação fática na qual está submetido deve mostrar que seu rol de escolhas não estava excepcionalmente restringindo, sendo, por isso, possível exigir que tivesse tido comportamento conforme o direito. Ou seja, a exigibilidade de conduta diversa considera os fatos paralelos à conduta e apenas se constatado que o agente teve livre atuação no processo de escolha deverá ser responsabilizado. De outro ponto, diagnosticado que o agente agiu de modo típico e ilícito porque não tinha liberdade de escolha, tem-se desproporcional puni-lo pelo comportamento que não invoca culpabilidade diante da certeza de que qualquer outra conduta, ainda que possível, mostra-se inexigível.
Sendo assim, é fundamental ter em mente os institutos trazidos pelo Código Penal que permitem concluir situações onde fica afastada a exigibilidade de conduta diversa e que, por consequência, provocam dirimente de culpabilidade, isentando o agente de pena. Então, são causas legais de inexibilidade de conduta diversa a coação moral irresistível e a obediência hierárquica.
FCC/TJ-PB - A coação moral irresistível e a obediência hierárquica excluem a culpabilidade. CORRETO
FCC/DPE-AM - No que se refere aos elementos do crime, é correto afirmar que a exigibilidade de conduta diversa é pressuposto da culpabilidade. CORRETO
Coação moral irresistível – tem previsão na parte inicial do art. 22 do Código Penal, quando este determina que aquele que for coagido sem que ao ato possa se opor não invoca necessidade de punição, devendo os reflexos penais incidir apenas sobre o autor da coação.
FCC/TJ-CE/Juiz - Na coação moral irresistível, há exclusão da culpabilidade, por não exigibilidade de conduta diversa. CORRETO
Importante reparar que o instituto, tal qual seu nomen iuris grafado na lei penal, não prevê que a coação seja moral. Ocorre que a certeza de que essa coação não pode ser física (restando apenas o aspecto moral) vem do estudo do fato típico, eis que a conduta (seu primeiro elemento) é tida como ação ou omissão consciente e voluntária. Logo, aquele que é coagido fisicamente a fazer ou deixar de fazer algo sequer terá sua culpabilidade averiguada diante da ausência de conduta interessante ao Direito Penal.
CESPE/TRE-GO - Aquele que for fisicamente coagido, de forma irresistível, a praticar uma infração penal cometerá fato típico e ilícito, porém não culpável. ERRADO
PGR/Procurador da República - A coação física irresistível exclui a culpabilidade. ERRADO
A coação moral a que se refere a lei penal deve ser tida como a promessa de mal grave que acaba, inevitavelmente, por contaminar as escolhas do agente. Passa a ser inexigível que a pessoa opte por suportar as consequências da efetivação da ameaça para satisfazer o direito quando tal situação lhe trará desproporcionais prejuízos. Essa ameaça, importante que se diga, deve ser dirigida ao agente, ou até mesmo a alguém intimamente ligado a ele (por isso a doutrina fala na presença de no mínimo três pessoas envolvidas – coator, coagido e vítima), e mostra-se irresistível quando a intimidação é forte o suficiente para sobrepor-se ao homem médio. Deve-se, para tanto, levar em consideração as características da situação concreta, não sendo suficiente o temor reverencial. Exige-se também que o perigo no qual estiver inserido o agente coagido não possa ser de outra forma afastado.
Sendo assim, constatada a coação moral irresistível, determina a lei penal, repisa-se, que o agente não será punido, ficando afastada a sua culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa. O coator, autor mediato do crime, responde de forma agravada pelo ilícito (art. 62, II, do CP), e, importante dizer, em concurso material com o crime de tortura (art. 1º, I, “b”, da Lei 9.455/97).
CESPE/TC-DF - A coação moral irresistível é uma hipótese de autoria mediata, em que o autor da coação detém o domínio do fato e comete o fato punível por meio de outra pessoa. CORRETO
De outro modo, caso a coação seja reconhecida como resistível não haverá isenção de pena, devendo o agente responder pelo injusto penal em conjunto com o coator, mas com a incidência da atenuante genérica do art. 65, III, “c”, do CP, enquanto o coator segue com sua reprimenda agravada.
Obediência hierárquica – é instituto que depende da relação de direito público entre o prolator da ordem e aquela que a recebe, provocando a isenção de responsabilidade penal quanto à conduta proveniente de determinação não manifestamente ilegal de superior hierárquico. Satisfeitos os requisitos elencados no art. 22 do Código Penal, passa a ser inexigível que o agente tenha comportamento diferente, mostrando-se, tal qual na coação moral irresistível, desproporcional a aplicação de pena.
CESPE/TJ-PB - Para o reconhecimento da excludente de culpabilidade caracterizada pela obediência hierárquica, é necessária a existência de relação de hierarquia, no âmbito do serviço público, entre o executor e o autor da ordem da prática do ato delituoso. CORRETO
FCC/TJ-PB - Tendo agido na estrita obediência a ordem não manifestamente ilegal, pode, dentre outros, invocar em sua defesa a causa excludente da culpabilidade da obediência hierárquica o funcionário público em relação ao chefe ao qual é subordinado. CORRETO
CESPE/TCE-ES - São expressamente previstas no CP duas situações que excluem a culpabilidade, dada a inexigibilidade de comportamento diverso: a coação irresistível e a obediência hierárquica. Um empregado de banco privado, por exemplo, que tiver praticado condutas delituosas em estrita e integral obediência às ordens não manifestamente ilegais emanadas de superior hierárquico poderá beneficiar-se da excludente de culpabilidade por obediência hierárquica. ERRADO
Ordem não manifestamente ilegal deve ser conceituada como aquela que se reveste de aparente legalidade, não fornecendo ao agente a possibilidade de diagnóstico acerca do caráter ilícito que proporciona. Por isso fala-se que a obediência hierárquica representa a junção do erro de proibição à inexigibilidade de conduta diversa.
É de se dizer que essa ordem necessita emanar de autoridade competente. Do contrário, não tendo o agente condições de conhecer a incompetência do superior hierárquico quanto ao que foi determinado, torna-se possível trabalhar com o erro de proibição.
É fundamental asseverar que o tipo do art. 22 do Código Penal fala em ordem não manifestamente ilegal, o que permite concluir que, assim como no erro de proibição, não se exige que o agente conheça o caráter ilegal daquilo que está executando, bastando que seja possível, diante da situação concreta e do seu perfil subjetivo, atingir essa consciência. Por consequência, a ordem pode ser manifestamente ilegal e mesmo assim ser executada por pessoa que não alcançou essa conclusão.
A obediência hierárquica provoca, enfatiza-se, isenção de pena do cumpridor da ordem, devendo ser responsabilizado apenas o superior prolator, com a agravante genérica do art. 62, III, “c”, do Código Penal. Mas se a ordem for manifestamente ilegal devem o mandante e o executor ser responsabilizados, pois caracterizado o concurso de agentes, com a ressalva de que o subalterno terá direito à atenuante genérica do art. 65, III, “c”, do Código Penal, enquanto ao superior incide a agravante já mencionada.
CESPE/TER-MT - Se o fato é cometido em estrita obediência à ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, são puníveis o autor da ordem e o agente que agiu em obediência hierárquica, havendo, em relação a este, causa de redução da pena. ERRADO
CESPE/BACEN - Caso o fato seja cometido em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, não serão puníveis o agente que obedeceu nem o autor da coação ou da ordem. ERRADO
CESPE/STM - As causas legais de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa incluem a estrita obediência a ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico. Caso o agente cumpra ordem ilegal ou extrapole os limites que lhe foram determinados, a conduta é culpável. CORRETO
Por fim, a doutrina admite que a exigibilidade de conduta diversa suporte causa supralegal de exclusão, já que para além da coação moral irresistível e da obediência hierárquica também é possível que o agente esteja em situação de inexigibilidade de comportamento diferente. É o que pode ocorrer, por exemplo, quando o empresário, em sérias dificuldades financeiras, opta por não recolher tributos e contribuições previdenciárias, desde que tenha declarado que as devia, para satisfazer salários e fornecedores, tendo em vista a necessidade de dar continuidade ao negócio e, posteriormente, liquidar sua situação fiscal.
FCC/MP-CE - Ainda que não encontre tipificação em excludente prevista em lei, a doutrina tem aceito a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. CORRETO
VUNESP/PC-SP - A tese supralegal de inexigibilidade de conduta diversa, se acolhida judicialmente, importa em exclusão da culpabilidade. CORRETO
E assim terminamos a lição de hoje e também o estudo da culpabilidade. Semana que vem iniciamos o concurso de agentes, já encaminhando-nos para o final da teoria do crime.
Grande abraço e bons estudos.
Marcelo Pertille é Especialista em Direito Processual Penal e Direito Público pela Universidade do Vale do Itajaí, Advogado e Professor de Direito Penal de cursos de graduação em Direito e da Escola do Ministério Público de Santa Catarina.
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