EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA DE PRISÃO NO PROCESSO PENAL. NOSSO ATUAL ENTENDIMENTO

27/03/2018

No passado, fui favorável à execução provisória de uma condenação penal, mormente se ela é prolatada em segundo grau de jurisdição. O sistema processual penal tinha regras diferentes das que vigoram atualmente.

Tenho vários estudos antigos neste sentido, publicados no livro “Direito Processual Penal, Estudos e Pareceres”, que divido com o amigo Pierre Souto Maior Coutinho (14ª.edição, Juspodium). Entendo que o processo penal tem de ser efetivo e suas decisões devem ter eficácia prática.

Sustentava que o próprio princípio constitucional da presunção de inocência não seria um óbice intransponível a esta execução provisória, na medida em que não se estaria presumindo culpa, mas sim afirmando e declarando a culpa do réu condenado. O tribunal de segundo grau está fazendo a entrega da prestação jurisdicional e, após valoração da prova e interpretação do Direito, o tribunal julga o mérito da pretensão punitiva do Estado. O acórdão condenatório não estaria presumindo a culpa, mas sim afirmando-a.

Ademais, na medida em que o recurso especial e o recurso extraordinário não têm efeito suspensivo, a prisão seria um efeito automático da condenação prolatada pelo órgão jurisdicional colegiado.

Por outro lado, havia o artigo 393, inc. I, que asseverava que um dos efeitos da condenação era o réu ser preso ou conservado na prisão e havia também a regra do art.594 que retirava o efeito suspensivo da apelação do condenado se ele fosse reincidente ou não tivesse bons antecedentes. Pela reforma tópica do Código, como todos sabem, tais regras jurídicas já estão revogadas.

Entretanto, no ano de 2011, uma nova redação dada ao artigo 283 do Código de Processo Penal acaba claramente com qualquer dúvida possível: já não mais cabe prender apenas como efeito de uma condenação, enquanto ela não transitar em julgado.

Isto não impede, evidentemente, a decretação de uma prisão preventiva, desde que presentes os requisitos do art.312 do Cod. Proc. Penal. A vedação da execução provisória da pena de prisão não contribui para a impunidade, como se costuma dizer. As prisões cautelares não estão proibidas em nosso sistema normativo. O que não se concebe mais é uma prisão antes do trânsito em julgado do título condenatório sem que se demonstre a sua necessidade. Toda decisão judicial deve ser fundamentada, diz a Constituição de República. Sigamos. 

Assim ficou redigido o citado art.283: 

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). (grifamos). 

Desta forma, gostemos ou não, a lei expressamente exige o trânsito em julgado da condenação para que se possa começar a sua execução. Está expresso na lei e não podemos dizer que a lei não diz o que efetivamente ela diz.

Este dispositivo não é inconstitucional e, por conseguinte, não pode ter sua eficácia ou vigência negada, sob pena de violarmos os princípios fundantes do Estado de Direito. O Poder Judiciário não é legislador e o seu poder de interpretação das normas legais tem limites, como o próprio cinismo tem limites.

Houve até quem, no passado, sustentasse uma equivocada interpretação para compatibilizar a execução provisória com o artigo 283, acima transcrito. Disseram que a vedação da prisão como efeito de uma condenação está restrita à “sentença” não transitada em julgado, não sendo empecilho à execução de “acórdão” condenatório, ainda que ainda recorrível.

Entretanto, esta vencida interpretação, além de não estar afinada com o princípio constitucional da presunção de inocência (com as minhas ressalvas acima), está em descompasso com a interpretação majoritária da doutrina e jurisprudência. Está em descompasso com o sistema processual penal vigente. Sempre se entendeu que a melhor interpretação deve partir de uma visão sistemática dos diplomas legais, sendo quase unânime o entendimento de que o legislador sempre usou a palavra “sentença” para se referir às decisões de mérito, ainda que prolatadas por órgãos colegiados dos diversos tribunais.

Importante considerar a regra do artigo 105 da Lei de Execuções Penais, em pleno vigor. Dispõe esse dispositivo legal: 

Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução. 

Não sendo inconstitucional a regra legal supra, não se lhe pode negar aplicação; não se lhe pode negar vigência e eficácia.

Ademais, também devemos considerar uma outra regra jurídica. O artigo 147   da mencionada Lei de Execução Penal veda expressamente a execução provisória das penas restritivas de direito. Vale dizer, somente após o trânsito em julgado da condenação, poderá ser iniciada a execução de uma determinada pena não privativa de liberdade. Os tribunais têm decidido em conformidade com esta norma.

Destarte, cabe uma indagação: como admitir a execução provisória de uma pena de prisão e não admitir tal execução de uma pena menos grave?

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal tem enveredado por outros caminhos argumentativos, frágeis e de cunho meramente pragmáticos. Trata-se de flagrante “ativismo judicial” que tem criado uma indesejável insegurança jurídica.

Acho que este excesso de voluntarismo de alguns profissionais do Direito não contribui para o aperfeiçoamento da nossa democracia.

Como demonstrei acima, sou insuspeito para me manifestar contra a execução provisória da condenação penal. Entendo que, enquanto não forem revogados o artigo 283 do Código de Processo e demais regras pertinentes da Lei de Execução Penal, juízes e membros do Ministério Público têm de obedecer à lei, mormente porque estão punindo exatamente quem não teria cumprido a lei.

Em um Estado de Direito, vale a pena repetir, os juízes devem julgar segundo dispõe a lei e não segundo eles gostariam que a lei dispusesse. É preciso que os magistrados tenham boa-fé e idoneidade intelectual.

 

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