Execução Fiscal Administrativa – Por Weber Luiz de Oliveira

25/06/2017

É público e notório que o maior litigante brasileiro é o Poder Público, notadamente a União Federal[1].

Colhe-se do último relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça, já em sua 12ª edição, que em 2015 existiam 75 milhões de processos em tramitação[2].

Sobre as despesas do Poder Judiciário, foi relatado que no “ano de 2015, as despesas totais do Poder Judiciário somaram R$ 79,2 bilhões, o que representou um crescimento de 4,7% e, considerando o quinquênio 2011-2015, um crescimento médio na ordem de 3,8% ao ano. Essa despesa equivale a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, ou a 2,6% dos gastos totais da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios ou a um custo pelo serviço de Justiça de R$ 387,56 por habitante, com tendência de crescimento[3].

Pontou-se, ainda, que os “gastos com recursos humanos são responsáveis por 89% da despesa total e compreendem, além da remuneração com magistrados, servidores, inativos, terceirizados e estagiários, todos os demais auxílios e assistências devidos, tais como auxílio- -alimentação, diárias, passagens, entre outros”.

Particularmente em relação às execuções fiscais, o relatório de 2016 é contundente:

“Dentro do quadro geral das execuções, pode-se afirmar que o maior problema são as execuções fiscais. Na verdade, como sabido, o executivo fiscal chega a juízo depois que as tentativas de recuperação do crédito tributário se frustraram na via administrativa, levando à sua inscrição da dívida ativa. Dessa forma, o processo judicial acaba por repetir etapas e providências de localização do devedor ou patrimônio capaz de satisfazer o crédito tributário já adotadas pela administração fazendária ou pelo conselho de fiscalização profissional sem sucesso, de modo que chegam ao Judiciário justamente aqueles títulos cujas dívidas já são antigas, e por consequência, mais difíceis de serem recuperadas. Basta ver que os processos de execução fiscal representam, aproximadamente, 39% do total de casos pendentes e 75% das execuções pendentes no Poder Judiciário. Os processos desta classe apresentam alta taxa de congestionamento, 91,9%, ou seja, de cada 100 processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2015, apenas 8 foram baixados. Desconsiderando estes processos, a taxa de congestionamento do Poder Judiciário cairia de 72,2% para 63,4% no ano de 2015 (redução de 9 pontos percentuais). A maior taxa de congestionamento de execução fiscal está na Justiça Federal (93,9%), e a menor, na Justiça do Trabalho (75,8%)”[4].

Nesse cenário, as reflexões sobre como diminuir o número de execuções fiscais, como dar celeridade e efetividade a tais processos, com consequente diminuição do gasto público e do “custo brasil” de tramitação, são inevitáveis e, principalmente, obrigatórias.

Condutas como o protesto da certidão de dívida ativa, com o objetivo de evitar a judicialização, na esperança de que o contribuinte pague o débito, estão sendo realizadas, demonstrando que a taxa de adimplemento é superior à das execuções fiscais. No Estado de Santa Catarina, nos dois primeiros anos de implantação do protesto das CDA’s (2015 e 2016), o percentual de sucesso foi superior a 30%, havendo um grande decréscimo no ano de 2017, com dados apurados até maio, no percentual de sucesso em torno de 10%[5].

Outra medida que há muito se discute é a execução fiscal administrativa[6], existente em outros países como Estados Unidos, Portugal, Espanha, Argentina, França, Alemanha, México, Chile[7], no sentido de que o procedimento de cobrança de dívida ativa seja realizado no âmbito do Poder Executivo, retirando do Poder Judiciário essa atribuição.

A rigor, a execução fiscal administrativa é uma forma de exercício da ação de direito material já amplamente discutida em doutrina[8].

O direito subjetivo do Estado de cobrança de seus créditos tributários seria exercido em um procedimento executivo no interno do órgão estatal, com respeito, por óbvio, aos princípios fundamentais, porquanto é impositivo que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (CF, art. 5º, LV).

Assim, após o término da fase de formação do título executivo, realiza-se a pretensão estatal de cobrança, pela intimação do contribuinte para pagamento. Como ensina Pontes de Miranda[9], com a pretensão há exigência, ainda não exercício de ação.

Inexistente pagamento, vale dizer, sendo a pretensão resistida, aí se iniciaria a possibilidade de agir, do exercício da ação, que, na presente temática não se daria pela “ação” de direito processual, mas pela ação de direito material através do início de procedimento da execução fiscal administrativa.

Poderia se conjecturar que os atos de desapossamento, com a penhora de bens, não poderiam ser realizados pelo Poder Executivo, mas tão-somente pelo Poder Judiciário. Nada obstante, é certo que a delimitação da Constituição Federal é que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV), não estabelecendo que a perda de bens seja obrigatoriamente realizada em um processo judicial, ou seja, o “devido processo legal” pode ser judicial ou administrativo.

Veja-se, a propósito, exemplo colacionado pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Humberto Gomes de Barros: “O Estado-Administração é capaz de, visando a interesses sociais, expropriar um proprietário que nada lhe deve. No entanto, se o proprietário é inadimplente, na sagrada obrigação de honrar dívidas para com o Erário, a Administração queda-se impotente. Nesse caso, é necessário acionar o Estado-Juiz, fazendo com que este efetive a desapropriação. Em tal hipótese, o juiz desenvolverá mero procedimento”[10].

Em referido enfoque, importa também refletir sobre a possibilidade dos próprios Estados federados editarem legislação sobre a execução fiscal administrativa. Se se entender que se trata de lei sobre procedimento os Estados têm competência para legislar, a teor do art. 24, XI, da Constituição Federal.

Eventual lesão ou ameaça a direito da parte no procedimento da execução fiscal administrativa, igualmente por óbvio, deve ser objeto de busca de solução na prestação do serviço público jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV).

É cediço, outrossim, que milhares e milhares de execuções fiscais apenas são um “ping-pong”, indo e vindo dos cartórios das varas judiciais para as procuradorias apenas para andamento no sentido de busca de endereços e bens de executados, na maioria das vezes infrutíferos, mormente por ter se passado muito tempo entre a constituição definitiva do crédito tributário e a efetiva busca de sua satisfação.

A execução fiscal administrativa diminuiria consideravelmente esse tempo de tramitação entre a propositura da petição inicial da execução fiscal judicial e a citação ou penhora de bens. Após a intimação para pagamento nos autos do processo administrativo, como acima destacado, inicia-se, de pronto, o procedimento de busca de bens para satisfação do crédito inadimplido.

É necessário perceber que a medida ora em debate evitaria a judicialização excessiva e ineficiente da execução fiscal judicial. O contribuinte já realizou sua defesa no processo administrativo, não havendo, portanto, ofensa à sua ampla defesa, ao contraditório, nem tampouco ao devido processo legal.

A judicialização da execução fiscal apenas é uma repetição do que já teria ocorrido nos autos do processo administrativo. É evidente a perda de tempo e dinheiro públicos com a repetição de atos procedimentais, com consequências danosas ao Estado brasileiro pela inefetividade da execução fiscal judicial, o que é reiteradamente demonstrado pelos relatórios do Conselho Nacional de Justiça, sendo importante reafirmar o descrito pelo CNJ, que o “processo judicial acaba por repetir etapas e providências de localização do devedor ou patrimônio capaz de satisfazer o crédito tributário já adotadas pela administração fazendária[11].

Há, portanto, obrigatoriedade de judicializar a execução fiscal?

Em outros termos, o direito de “ação” processual é impositivo?

É (in)constitucional a execução fiscal administrativa?

O Supremo Tribunal Federal, em relação à lei da arbitragem, assentou entendimento que o acesso à justiça é um direito, e não uma obrigação[12], de modo que é constitucional a adoção de meios de solução extrajudiciais de controvérsias, sendo, no ponto, alterada a destacada lei para, de igual modo, possibilitar que a Administração Pública se submeta à arbitragem.

Ora, se assim é, qual a razão jurídica de não se poder executar administrativamente os créditos tributários.

Não se pode comparar a execução civil com a fiscal. Na civil está-se diante de interesses de particulares; na fiscal, de interesse da coletividade no adimplemento das obrigações para aplicação em seu bem-estar, em cumprimento, ademais, à Constituição Federal que impõe a realização eficiente de políticas públicas, como, importa citar, segurança, educação, saúde, meio ambiente, moradia, lazer, etc.

Existente lesão ou ameaça a direito na tramitação e nos atos realizados na execução fiscal administrativa, o acesso justiça, como direito fundamental inalienável e fundamento de um Estado Democrático de Direito, é franqueado e pode, ou melhor, deve ser exercido.

Não se diz aqui, por ingenuidade, que o procedimento da execução fiscal administrativa seria totalmente eficiente. Erros e lesão à direitos, evidentemente, ocorrerão, o que a jurisdição deverá corrigir, a tempo e modo oportunos por quem a demandar.

No mesmo sentido, não se pode imaginar que a atual estrutura administrativa é capaz de absorver a realização de todos e procedimentos da execução fiscal judicial, sendo certo que se faz necessária, antes da adoção pelo ente público da execução fiscal administrativa, uma estruturação adequada para o desiderato de dar efetividade à cobrança de créditos tributários inadimplidos.

A reflexão ora proposta, no espaço de uma coluna semanal, em que se objetiva debater o direito público e a advocacia púbica, se entende oportuna, principalmente pela demonstração empírica dos relatórios do CNJ sobre a inefetividade e custo da execução fiscal judicial, da tramitação de projeto de lei na Câmara Federal a respeito da execução fiscal administrativa e da atual crise econômica que é submetido o Estado brasileiro.


Notas e Referências: 

[1] Conforme dados do relatório “100 Maiores Litigantes”, do CNJ, disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/100_maiores_litigantes.pdf. Acesso em 23.06.2017.

[2] Sobre esse número os esclarecimentos constantes no referido relatório são oportunos: “O termo ‘processos que tramitaram’, que antigamente se referia à soma dos casos novos e pendentes, passou a ser computado pela soma dos casos baixados e pendentes. Este universo de processos, que em 2014 era de 100 milhões e em 2015 passou a ser de 102 milhões, representa o montante de casos que o judiciário precisou lidar durante o ano, entre os já resolvidos e os não resolvidos. Não é, de forma alguma, o número de processos em tramitação, pois por este conceito compreende-se o que de fato está pendente no judiciário aguardando solução definitiva. Com isto posto, podemos afirmar que o Poder Judiciário finalizou o ano de 2015 com quase 74 milhões de processos em tramitação. Mesmo tendo baixado 1,2 milhão de processos a mais do que o quantitativo ingressado (índice de atendimento à demanda de 104%), o estoque aumentou em 1,9 milhão de processos (3%) em relação ao ano anterior. Tais resultados são basicamente um reflexo direto da Justiça Estadual, que abarca 80% dos processos pendentes. Destaca-se que, conforme o glossário da Resolução CNJ 76/2009, consideram-se baixados os processos: a) Remetidos para outros órgãos judiciais competentes, desde que vinculados a tribunais diferentes; b) Remetidos para as instâncias superiores ou inferiores; c) Arquivados definitivamente; d) Em que houve decisões que transitaram em julgado e iniciou-se a liquidação, cumprimento ou execução. Os casos pendentes, por sua vez, são todos aqueles que nunca receberam movimento de baixa, em cada uma das fases analisadas. Observe que podem existir situações em que autos já baixados retornam à tramitação sem figurar como caso novo. São os casos de sentenças anuladas na instância superior, de remessas e retornos de autos entre tribunais em razão de declínio de competência ou de devolução dos processos para a instância inferior para aguardar julgamento dos recursos repetitivos ou em repercussão geral” (p. 42). Disponível em: http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/10/b8f46be3dbbff344931a933579915488.pdf. Acesso em 23.06.2017.

[3] Idem, p. 33, grifos nossos.

[4] Idem, p. 63.

[5] Conforme dados internos da Procuradoria Fiscal da Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina.

[6] A respeito, projetos de lei do Senado 174/1996, 608/1999, 10/2005 e projetos de lei da Câmara 5.615/2005, 5.080/2009 e 2.412/2007 (esse último em efetiva tramitação legislativa e disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=522170&filename=Tramitacao-PL+2412/2007. Acesso em 23.06.2017).

[7] MELO, Carlos Francisco Lopes. “Execução fiscal administrativa à luz da Constituição Federal”. Disponível em: http://www.agu.gov.br/page/download/index/id/8356880. Acesso em 23.06.2017. Também, QUEIROZ E SILVA, Jules Michelet Pereira. “Execução fiscal: eficiência e experiência comparada”. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-e-pesquisa/estudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/tema20/2016_12023_execucao-fiscal-eficiencia-e-experiencia-comparada_jules-michelet. Acesso em 23.06.2017.

[8] Por todos, Pontes de Miranda, “Tratado das ações”, tomo 1, Campinas: Editora Bookseller, 1998; e Ovídio Baptista da Silva, “Jurisdição e execução na tradição romano-canônica”, 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.

[9] Op. cit., p. 64.

[10] Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 39, out/dez. 2007. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/941/1114. Acesso em 23.06.2017.

[11] Disponível em: http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/10/b8f46be3dbbff344931a933579915488.pdf. Acesso em 23.06.2017, p. 63.

[12] Constitucionalidade reconhecida pelo STF no julgamento da homologação de Sentença Estrangeira n. 5.206-7, j. em 12.12.2001, relator Min. Sepúlveda Pertence.


Confira a obra Precedentes Judiciais na Administração Pública: Limites e Possibilidades de Aplicação, do autor Weber Luiz de Oliveira.unnamed


 

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