Execução da parte incontroversa contra a Fazenda Pública no novo Código de Processo Civil – Por Weber Luiz de Oliveira

02/05/2017

A execução/cumprimento judicial contra a Fazenda Pública está disciplinada na Constituição Federal, artigo 100, nos artigos 33, 78, 86, 87 e 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e nos artigos 534 a 535 do Código de Processo Civil de 2015, inserido no Capítulo V, do Título II, do Livro I da Parte Especial[1].

Segue a execução contra a Fazenda Pública, deveras, normatividade singular e peculiar, não tendo sido objeto das reformas impostas ao processo de execução no Código de Processo Civil de 1973 pelas Leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006, nem tampouco, neste particular, pelo novo Código de Processo Civil.

Inicialmente, a Fazenda Pública não se sujeita à execução comum, com a expropriação de seus bens, justamente porque estes bens são inalienáveis, consoante dicção do artigo 100 do Código Civil. O próprio Código Civil conceitua bens públicos como os “do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno” (artigo 98).

A inalienabilidade traz como consectário a imprescritibilidade e a impenhorabilidade dos bens públicos.

O fundamento deste regime dos bens públicos está na destinação a que estes bens são afetados. Destarte, a destinação dos bens públicos, o objetivo de sua utilização, é o exercício de finalidades públicas, como os bens naturais e de uso coletivo, denominados de bens de uso comum do povo[2], e os bens de uso especial[3], destinados à realização de serviços públicos e estabelecimento da Administração, como hospitais, universidades, repartições públicas.

Justamente porque as comodidades e serviços prestados pelos bens públicos são essenciais para a coletividade, é que os mesmos não são passíveis de alienação, penhora, usucapião ou oneração, o que é, ademais, decorrência do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular[4] e da indisponibilidade dos interesses públicos, princípios que condensam o regime jurídico administrativo.

A execução da parte incontroversa está calcada quando há independência entre pedidos cumulados, uma vez que cada pedido representa um bem da vida que se quer alcançar.

Dessarte, a execução contra a Fazenda Pública admite tão-somente a execução fundada em título executivo definitivo, judicial ou extrajudicial, e, sendo a execução da parte incontroversa definitiva, justamente porque sobre esta parte não cabe mais recurso algum, pois alcançada pela coisa julgada, inexiste qualquer óbice constitucional ou legal para a sua admissão.

O caráter definitivo da parte incontroversa decorre, portanto, da sua imodificabilidade, face a ocorrência do trânsito em julgado.

Deve-se entender a expressão “sentenças transitadas em julgado” não ligada ao instrumento ou peça processual sentença, ou qualquer outra decisão final, mas sim à declaração que nesta decisão se contém.

O Código de Processo Civil de 2015, na conceituação de coisa julgada descrita no art. 502, inseriu no lugar do termo “sentença” o termo “decisão de mérito”, deixando claro que a coisa julgada atinge igualmente as decisões de mérito prolatadas no decorrer do procedimento, como no caso do julgamento antecipado parcial do mérito. Trata-se da coisa julgada parcial que traz variados reflexos na sistemática processual.

No Novo Código de Processo Civil, com efeito, a possibilidade da execução da parte incontroversa contra a Fazenda Pública decorre da definição de tal execução/cumprimento como definitiva, que efetivamente, é o que ela é, porquanto imodificável o pronunciamento judicial dela decorrente.

O art. 523, inserido no capítulo referente ao cumprimento definitivo de sentença, dispõe que no “caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente”.

Na seção que trata do julgamento antecipado parcial do mérito o § 3º do art. 356 afirma que será definitiva a execução da decisão que julga parte do mérito, em havendo o seu trânsito em julgado.

Mencionados dispositivos, conquanto não estejam incluídos no capítulo relativo ao cumprimento da sentença contra a Fazenda a Pública, são inteiramente aplicados, uma vez que decorrem da sistemática adotada pela nova legislação (art. 513, caput, que trata das “Disposições Gerais” a todo “Cumprimento da Sentença”) e decorrente, principalmente, da definitividade, cristalizada no trânsito em julgado de dada parcela então incontroversa do pedido.

E, mesmo assim, especificamente no capítulo dedicado ao cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, o § 4º do art. 535 estatui: “Tratando-se de impugnação parcial, a parte não questionada pela executada será, desde logo, objeto de cumprimento”, de modo que não restam dúvidas da possibilidade da execução/cumprimento da parcela incontroversa da sentença contra a Fazenda Pública pela regulamentação do Código de Processo Civil.

Atente-se, igualmente, que a definitividade que possibilita a execução da parte incontroversa pode decorrer não só da sentença, mas também de decisão interlocutória que tenha conteúdo meritório, de acordo com o art. 203, § 2º, do Código de Processo Civil de 2015.

A possibilidade de execução da parte incontroversa, sem ter que se esperar a finalização de todo o processo, para habilitação no precatório ou requisição de pequeno valor, tem como baliza o princípio da efetividade, visando notadamente o cumprimento do escopo social da jurisdição, dando o mais breve possível o que é de direito ao credor.

Nessa perspectiva, a visão correta não é no sentido de que efetividade e formalismo se contrapõem, mas no sentido de que a existência e o apego ao formalismo não prejudique a efetividade que se pretende dar ao processo, tutelando de forma adequada os direitos creditórios em face da Fazenda Pública.

Alguns aspetos contrários à execução da parte incontroversa contra a Fazenda Pública podem ser debatidos, notadamente a ausência de trânsito em julgado do processo, o desrespeito à ordem cronológica de pagamento dos precatórios, como também a proibição de fracionamento do valor da execução, todos, contudo, inconsistentes.

À execução ou cumprimento de decisão judicial contra a Fazenda Pública se submetem os entes federativos -União, Estados, Distrito Federal e Municípios -, as autarquias, fundações públicas e empresa públicas não exploradoras de atividade econômica, como também associações públicas.

Desse modo, existem pressupostos constitucionais e legais para a propositura de execução/cumprimento da sentença/decisão contra a Fazenda Pública.

Incabível é a execução provisória porquanto a Constituição Federal impõe o trânsito em julgado da sentença judiciária executada. Ora, inexistindo referido trânsito quando se trata de execução provisória, evidente a impossibilidade da execução fruto de título pendente de julgamento. Ademais, os princípios orçamentários e de finanças públicas impedem a inclusão no orçamento de valores que não são certos e exigíveis.

Diversa é a situação da parte incontroversa. Se há parte incontroversa é porque sobre a mesma repousa a coisa julgada, em virtude da independência existente entre os pedidos e/ou também capítulos da sentença. Este trânsito em julgado formal, assentado dentro do processo judicial, ou endoprocessual, reflete os seus efeitos para fora do processo, efeitos extraprocessuais, possibilitando a execução da parte incontroversa contra a Fazenda Pública, posto imodificável, inconcussa, preenchedora do pressuposto constitucional.

Referida possibilidade de execução da parte incontroversa contra a Fazenda Pública homenageia o princípio da efetividade processual, no sentido de que se o direito já está apto para ser exercido, não pode haver formalismo excessivo com o fito de coibir a plena satisfação creditícia. É o que decorre, igualmente, do que se dispôs no Código de Processo Civil de 2015 no art. 4º: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

O trânsito em julgado exigido pela Constituição Federal, portanto, não é de todo o processo, da peça processual sentença em sua totalidade, mas sim, conforme adequadamente foi incluído no art. 502 do CPC/2015, da decisão de mérito, que pode ser obtida também pelo julgamento antecipado parcial do mérito.

Decorre tal assertiva, finalmente, de um dos escopos da jurisdição, qual seja, o escopo social, efetivando-se o direito já objeto de certificação judicial, sem possibilidade de mudança, em prol da paz e harmonia sociais.


Notas e Referências:

[1] Ao tempo da tramitação do Projeto do Código de Processo Civil, Leonardo Albuquerque Marques (2013, p. 225) destacou quanto ao cumprimento de sentença: “A primeira inovação do projeto consiste na transformação do procedimento de execução de quantia certa por título judicial, que após a reforma implementada pela lei 11.232/2005, foi o único procedimento executivo a observar a formatação anterior. Isto é, enquanto, para os demais casos, seguia-se o procedimento de cumprimento de sentença para as obrigações de pagar decorrentes de título judicial, a Fazenda Pública ainda se submetia ao rito da execução por título judicial como procedimento autônomo em relação ao processo de conhecimento. Com a nova redação, a Fazenda Pública passa a se submeter ao regime de cumprimento de sentença já adotado para os demais casos”.

[2] Código Civil, artigo 99, I.

[3] Código Civil, artigo 99, II.

[4] Não se desconhece a hodierna discussão doutrinária concernente a relatividade ou mesmo negação do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, entretanto, para a presente temática, de índole estritamente processual, a explanação mais pormenorizada transborda os objetivos do texto. A respeito, veja-se, Daniel Sarmento (2005).


 

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