A tortura não foi abolida no País, embora o Brasil tenha ratificado em 28 de setembro de 1989 a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (Resolução 39/46 da Assembléia Geral das Nações Unidas de 10 de dezembro de 1984), lamentavelmente, a tortura é praticada ordinariamente em nossa idolatrada e amada pátria.
De acordo com o artigo 1º da Convenção o termo tortura “designa qualquer acto pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência...”
Ao contrário do que muitos imaginam, a tortura não é coisa do passado nem exclusiva de regime militar (1964 a 1985) ditatorial e de exceção, período em que o emprego da tortura pelas forças de segurança era política oficial de Estado e sua prática tornou-se institucionalizada.
Com o Ato Institucional nº 5, segundo Elio Gaspari[1] inicia-se os “Anos de Chumbo” que vai, segundo o autor, desde 1969, logo depois da edição do AI-5 em 13 de dezembro de 1968, ao extermínio da guerrilha do Partido Comunista do Brasil, nas matas do Araguaia em 1974. De acordo com Elio Gaspari “Escancarada, a ditadura firmou-se. A tortura foi o seu instrumento extremo de coerção e o extermínio, o último recurso da repressão política que o Ato Institucional nº 5 libertou das amarras da legalidade. A ditadura envergonhada foi substituída por um regime a um só tempo anárquico nos quartéis e violento nas prisões. Foram os Anos de Chumbo”. Mais adiante, prossegue o jornalista e escritor, afirmando que: “Os oficiais-generais que ordenaram, estimularam e defenderam a tortura levaram as Forças Armadas brasileiras ao maior desastre de sua história. A tortura tornou-se matéria de ensino e prática rotineira dentro da máquina militar de repressão política da ditadura (...)”. Dois conceitos prevaleciam: i) concepção absolutista de segurança da sociedade – “A segurança pública é a lei suprema” – “Contra a Pátria não há direitos”, informava uma placa no saguão dos elevadores da polícia paulista; ii) funcionalidade do suplício – “havendo terrorista, os militares entram em cena, o pau canta, os presos falam e o terrorismo acaba”[2].
Infelizmente, mesmo após o fim da ditadura militar, o emprego da tortura continua fazendo milhares de vítimas anônimas nos porões das inúmeras prisões do País, em um Estado que se pretende democrático e de direito.
Na época do regime militar os presos, torturados e mortos eram considerados “inimigos” do Estado de exceção que tomou o poder através do golpe em 1964. Hodiernamente, a maioria das vítimas da tortura são os excluídos de uma vida com o mínimo de dignidade, são eles: os marginalizados, os miseráveis, os favelados, os negros, enfim, são aqueles que compõem a clientela do sistema penal seletivo.
Com tudo isso, desgraçadamente, o atual ocupante do Palácio do Planalto voltou a exaltar o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos principais nomes da repressão durante a ditadura militar. Ustra é tratado por Bolsonaro como “herói nacional”. No último dia 08 (quinta-feira) o Presidente da República recebeu a viúva do Coronel Ustra. Certo é que Brilhante Ustra, além de ter comandado o terrível DOI-CODI do 2º Exército em SP de 1970 a 1974, foi condenado em segunda instância por tortura e sequestro durante a ditadura militar. Segundo a Comissão Nacional da Verdade, na gestão de Ustra a unidade foi responsável pela morte ou desaparecimento de ao menos 45 pessoas.
Tortura é prática abominável, abjeta e hedionda.
A exaltação de um torturador equivale a torturar.
A sociedade precisa se conscientizar, como bem disse o romancista argentino Ernesto Sábato, “O imperativo de não torturar deve ser categórico, não hipotético; tortura é um mal absoluto, não relativo; não existem torturas más e outras benéficas”.
Notas e Referências
[1] GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. 2ª ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
[2] GASPARI, Elio. A ditadura escancarada... ob. cit.
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