Corporações, multinacionais, transnacionais. “Elas estão no meio de nós!” - como no mantra cristão.
A realidade é permeada por estas entidades, estão nos alimentos, no transporte, na TV, nos computadores e até mesmo no ar, embora ainda não o vendam. Sem elas não seria possível sentir com tanta nitidez – ou em 57 polegadas – nossos desejosos produtos de consumo que saciam nossa fome de masterchef.
É difícil resistir a “todas as beneficies da produção global na sua casa em um só toque” ou “todos os canais premium abertos por uma semana para degustar”. A sociedade do Espetáculo[1] fornece o terreno apropriado para entretenimento, diversão e consciências enlatadas.
- Mas a qual preço?
- Tenha certeza que se pode parcelar, por toda a vida se for necessário.
- Mas, meu senhor, quais são as letras miúdas deste contrato?
Vejamos em Mr. Robot[2] – ora onde procurar respostas senão no próprio espetáculo?
Evil Corp é o nome, deveras apropriado, que Elliot – no seu mundo imaginário – dá à grande corporação que domina o mundo com seu aparato tecnológico e financeiro. Não é preciso dizer que qualquer dano ecológico pode ser comprado pela Evil Corp, qualquer decisão “estratégica” que resulte em perdas de vidas ou prejuízo material terá seu valor indenizatório às mãos da poderosa corporação. Do outro lado, Elliot está preso na loucura de livrar o mundo das garras do poder financeiro e monetarizado, para isso cria para si uma realidade completamente própria, um espaço imaginário que o permite suportar a realidade criada pela corporação. Elliot é alienado. O Outro de Elliot é explorador. Só a ilusão suporta a existência, pois o preço do american way of life é estarmos perdidos nos rincões labirínticos de uma esquizofrenia coletiva, todos juntos louvando o verdadeiro deus pós-moderno, o Consumo[3].
Agora retomemos o Espetáculo fora das telas, nossas E-Corps estão proferindo a ordem do dia, para muito além da coordenação do Estado-Nação ou em obediência ao Estado de Direito. Elas formam sua própria realidade coordenadas pelo lucro e em obediência ao estrito cumprimento do dever legal econômico. A capacidade de criação simbólico-imaginária do poder econômico não deve ser subestimada, pois adentra em nossas vidas sub-repticiamente, permitindo sua priorização na dita sociedade “globalizada” e, pior, a absorção dos símbolos do mercado pelas esferas sociais, à moda Barber[4], pondo de ponta-cabeça o contrato social, de modo a desfazer os laços e relegá-los ao mérito do poder individual.
Quebrando as barreiras do Espetáculo com o próprio Espetáculo, proponho analisar o direito de Elliot, criado na práxis do código, tecendo o contra-poder nas redes tecnológicas. Nessa dinâmica, formam-se não-locais resultantes de movimentos de subjetivação que renunciam os enunciados oficiais e os discursos vinculantes, a fuga constitui-se na autonomia dos sujeitos, num processo de auto-identificação, também, espetacularizado. Para renunciar aos ditames do poder é preciso generalizar um “ser-contra”, traçar uma guerra molecular no corpo social[5], re-politizar o despolitizado pelos capilares econômicos. As redes comunicacionais devem tornar os indivíduos em agentes duplos, produtores e consumidores de subjetividades[6].
Contraditoriamente as tecnologias que possibilitam a expansão da economia globalizada no altar virtual do consumo, permitem a emergência de movimentos sociais que usam o potencial do Espetáculo, veja-se os protestos antiglobalização em Seattle (1999), Praga (2000) e Gênova (2001), como também, a Primavera Árabe (2011), Ocuppy Wall Street (2011) e as Jornadas de Junho de 2013 no Brasil. Estes verdadeiros processos sociais de colère publique formados pela articulação de experiências de injustiça, intentam constitucionalizarem-se, estabilizando verdadeiras resistências normativas na práxis social[7] (FISCHER-LESCANO, 2010, p. 176).
Retornemos à pergunta: Qual o preço?
Mais alienação. Mais esquizofrenia. Paradoxalmente, tanto as relações sociais da sociedade do consumo, quanto o contra-poder deve pagar a mais-valia social do seu mito fundador[8]. Os jogos de verdade[9] do poder dominante não perderão a oportunidade de taxar como loucura a autonomia social, tentando reduzir o homem à dimensão econômica. No outro lado, os setores sociais autônomos terão de lidar com seus elementos alienantes e exploradores, característicos do Espetáculo.
Diante destas linhas, poderia Mr. Robot nos responder...
Pode o direito conseguir dialogar com seu Outro, como fez Elliot, e propor uma fsociety para equalizar a relação sociedade/Evil-corp? Ou permanecerá paralisado em seu conflito interno enquanto as E-corps dançam em seu quintal? E, se o direito não inserir em seu imaginário a(s) E-corp(s), quantos Elliots serão taxados como loucos tentando nos livrar da esquizofrenia crônica de baixo grau proliferada pela “megamáquina”[10]?
Notas e Referências:
[1] DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
[2] Série de televisão americana criada por Sam Esmail.
[3] CAPELLA, Juan Ramón. Os cidadãos servos. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1998, p. 43.
[4] BARBER, Benjamin R. Consumido. Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 164.
[5] GUATTARI, F. Revolução Molecular: pulsações políticas do desejo. 2 ed. São Paulo: Brasiliense,
1985, p. 219-220.
[6] HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001, p. 231-232.
[7] FISCHER-LESCANO, Andreas. A teoria crítica dos sistemas da escola de Frankfurt. CEBRAP, Novos Estudos, v. 86, pp. 163-177, março, 2010, p. 176.
[8] TEUBNER, Gunther. Constitutional fragments: societal constitucionalism and globalization. United Kingdom: Oxford University Press, 2012, p. 60.
[9] ROCHA, José Manuel de Sacadura. Michel Foulcault e o direito. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 139-140.
[10] FROMM, Erich. A revolução da esperança. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969, p. 46.
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