Eu não tenho tempo de ter, o tempo livre de ser: a tenuidade dos limites da depressão como doença do trabalho

14/12/2015

A depressão, sem dúvidas, é considerada uma das doenças do século e seu alto índice no ambiente de trabalho vem se tornando assustador a cada dia. Ela é causa de muitos afastamentos, não raros aqueles empregados que se afastam de forma definitiva, vítimas do assédio moral, tendo sua autoestima ceifada, seu amor à vida destruído, sua motivação ao trabalho aniquilada, não podendo mais suportar as humilhações e constrangimentos sofridos no dia a dia laboral, desencadeando um processo depressivo altamente destrutível, podendo, muitas vezes, terminar em morte. Em se tratando de assédio moral, a enfermidade desencadeada por esse processo pode ser enquadrada na espécie doença do trabalho, logo equiparada a acidente do trabalho, uma vez que, “no acidente a causa é externa, enquanto a doença, em geral, apresenta-se internamente, num processo silencioso peculiar às moléstias orgânicas do homem”[1]

A doença advém das mais variadas formas e as mais populares são assim qualificadas: depressão endógena é aquela que aparece sem motivo algum, e depressão reativa, desenvolvida, geralmente, por traumas e estresse. Desta forma pode-se falar, inclusive, da depressão decorrente do trabalho. [2] A depressão pode ser classificada como: modalidade leve, modalidade moderada, modalidade grave; esta última, com ou sem sintomas psicóticos. [3] Para Francisco das Chagas Lima Filho: a depressão é uma doença “do organismo como um todo”, que compromete o físico, o humor e, em conseqüência, o pensamento. Essa patologia altera a maneira como a pessoa vê o mundo e sente a realidade, entende as coisas, manifesta emoções, sente a disposição e o prazer com a vida. Ela afeta a forma como a pessoa se alimenta e dorme, como se sente em relação a si própria e como pensa sobre as coisas. [4]

Na metáfora utilizada por Michael L. Walton, tenta-se esclarecer, de forma exemplificativa, o que é a depressão: a depressão é como uma nuvem negra sobre você, impedindo a sua visão do sol. É como estar sozinho num perpétuo crepúsculo, com um medo inominável mastigando seu interior. O mundo parece ecoar seu estado de espírito, com todas as cores se transformando em cinza. Prédios cinzentos, ruas cinzentas, céu cinzento, pessoas cinzentas. [5] Por tais razões, não deve ser confundida com aquela tristeza normal de quando alguma coisa acontece de errado na vida da pessoa “e também não é sinal de fraqueza, de falta de pensamentos positivos ou uma condição que possa ser superada apenas pela força de vontade ou com esforço”[6]

A depressão é uma doença. Há uma série de evidências que mostram alterações químicas no cérebro do indivíduo deprimido, principalmente com relação aos neurotransmissores (serotonina, noradrenalina e, em menor proporção, dopamina), substâncias que transmitem impulsos nervosos entre as células. Outros processos que ocorrem dentro das células nervosas também estão envolvidos. Ao contrário do que normalmente se pensa, os fatores psicológicos e sociais muitas vezes são conseqüência e não causa da depressão. No ambiente de trabalho, a doença tem como causa mais frequente o assédio moral sofrido pelo empregado, principalmente por palavras, gestos, críticas em público, desqualificação. Além disso, a sobrecarga de trabalho, o rigor excessivo, a atribuição de trabalhos inúteis e humilhantes, também contribuem para o surgimento ou agravamento desse quadro.

Muitas vezes, a doença é ocasionada pela deflagração do assédio moral no ambiente de trabalho, mormente por ser este um comportamento que ocorre desde os tempos mais remotos como, por exemplo, no período da escravidão [7], onde os escravos sofriam todo tipo de constrangimento, humilhação, agressões física e verbal. Mesmo nos tempos atuais, o assédio moral continua sendo um mal que deteriora o ambiente de trabalho. Esse tipo de conduta, infelizmente, perdura nas relações de trabalho nos dias de hoje, minando a autoestima do trabalhador, constrangendo-o em seu ambiente de trabalho.

Várias são as denominações para alcunhar o assédio moral. Inexiste uma denominação que seja empregada globalmente, sendo utilizados termos como: mobbing, bullying, emotional abuse, workplace, trauma, terror psicológico, entre outros. Na Alemanha, na Suíça, na Itália e nos Estados Unidos da América é usada a expressão “mobbing”, que significa atacar, maltratar. Por sua vez, a Inglaterra, a Irlanda, a Austrália e o Canadá utilizam o termo “bullying”, que significa provocar ou intimidar alguém. [8] Ele é fruto de um conjunto de fatores, tais como a globalização econômica predatória, calcada somente da produção e do lucro, e a atual organização de trabalho, marcada pela competição agressiva e pela opressão dos trabalhadores através do medo e da ameaça. Esse constante clima de terror psicológico gera, na vítima assediada moralmente, um sofrimento capaz de atingir diretamente sua saúde física e psicológica, criando uma predisposição ao desenvolvimento de doenças crônicas, cujos resultados a acompanharão por toda a vida. [9]

Parafraseando as palavras de Cláudia Coutinho Stephan, em um ambiente laboral onde haja desrespeito para com as pessoas, sempre haverá vítima de assédio moral. Dependerá, na verdade, da administração, do modo de gestão da empresa, para que prevaleça um ambiente sadio, voltado para qualidade de vida dos empregados, assim como, das próprias pessoas envolvidas nesta relação laboral, não podendo se olvidar, como visto anteriormente, que a Organização Mundial da Saúde define saúde como completo bem-estar físico, mental e social da pessoa, e não apenas a ausência de doenças. [10]

A depressão não é um lugar sem saída. É dever do empregador atuar em prol de um ambiente laboral adequado e saudável, para que o trabalhador compreenda que a vida é mais importante do que as angústias do cotidiano.


Notas e Referências:

[1] BRANDÃO, Cláudio. Acidente do Trabalho e Responsabilidade Civil do Empregador. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 157.

[2] STEPHAN, Cláudia Coutinho. O princípio constitucional da dignidade e o assédio moral no direito do trabalho de Portugal e do Brasil. São Paulo: LTr, 2013.

[3] PEDROSO, Neide Akiko Fugivala. Tutela Jurídica dos Direitos da Personalidade nas Doenças Ocupacionais. São Paulo: LTr, 2013.

[4] LIMA FILHO, Francisco das Chagas. O assédio moral nas relações laborais e a tutela da dignidade humana do trabalhador. São Paulo: LTr, 2009. p. 77.

[5] WALTON, Michael L. Lutando Contra a Depressão: uma abordagem holística. Tradução: Elizabeth Larrabure Costa Correia. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 5.

[6] LIMA FILHO, Francisco das Chagas. O assédio moral nas relações laborais e a tutela da dignidade humana do trabalhador. São Paulo: LTr, 2009. p. 77.

[7] MARQUES JR.,Fernando Antonio. Assédio moral no ambiente de trabalho: questões sócio-jurídicas. São Paulo: LTr, 2009.

[8] OLIVEIRA, Paulo Eduardo Vieira. Assédio moral no trabalho: caracterização e consequências. São Paulo: LTr, 2013.

[9] FERREIRA, Hádassa Dolores Bonilha. Assédio Moral nas Relações de Trabalho. 1ª ed. Campinas: Russel, 2004. p. 37.

[10] STEPHAN, Cláudia Coutinho. O princípio constitucional da dignidade e o assédio moral no direito do trabalho de Portugal e do Brasil. São Paulo: LTr, 2013.

BRANDÃO, Cláudio. Acidente do Trabalho e Responsabilidade Civil do Empregador. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2006.

FERREIRA, Hádassa Dolores Bonilha. Assédio Moral nas Relações de Trabalho. 1ª ed. Campinas: Russel, 2004.

LIMA FILHO, Francisco das Chagas. O assédio moral nas relações laborais e a tutela da dignidade humana do trabalhador. São Paulo: LTr, 2009.

MARQUES JR.,Fernando Antonio. Assédio moral no ambiente de trabalho: questões sócio-jurídicas. São Paulo:

OLIVEIRA, Paulo Eduardo Vieira. Assédio moral no trabalho: caracterização e consequências. São Paulo: LTr.

PEDROSO, Neide Akiko Fugivala. Tutela Jurídica dos Direitos da Personalidade nas Doenças Ocupacionais. São Paulo: LTr, 2013.

STEPHAN, Cláudia Coutinho. O princípio constitucional da dignidade e o assédio moral no direito do trabalho de Portugal e do Brasil. São Paulo: LTr, 2013.

WALTON, Michael L. Lutando Contra a Depressão: uma abordagem holística. Tradução: Elizabeth Larrabure Costa Correia. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993.


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