Coluna: O Direito e a Sociedade de Consumo/Coordenador: Marcos Catalan
A prosperidade da sociedade de consumo depende da perpétua insatisfação de seus membros. Embora proclame que a satisfação é seu único motivo e seu maior propósito, em verdade um consumidor satisfeito não é motivo nem propósito, mas sim uma ameaça. Sem a reiterada frustração de desejos, a demanda do consumo logo se esgotaria e a economia voltada para o consumidor ficaria sem combustível. Consumidores tradicionais, guiados por necessidades familiares, que fecham os olhos aos afagos do mercado dos bens de consumo, “significariam o dobre de finados da sociedade de consumidores”. Indivíduos que se satisfazem com um conjunto finito de necessidades, guiados somente por aquilo que acreditam necessitar, que não procuram novas necessidades para despertar mera satisfação, são consumidores falhos.1
Neste contexto, Benjamin Barber afirma o capitalismo de consumo gerou um etos de infantilização, um etos de infância induzida, que cria hábitos, preferências e atitudes que não apenas incentivam, como legitimam a infantilidade, com o objetivo de induzir a puerilidade em adultos e preservar o que o que é infantil nas crianças que estão tentando crescer. Ele serve ao consumismo capitalista para alimentar uma cultura de consumo impetuoso que é necessária para vender bens pueris, em um mundo que tem poucas necessidades genuínas.2
Ao incentivar a regressão dos adultos, reacendendo neles gostos e hábitos de crianças, é possível vender a eles uma “parafernália relativamente inútil” de jogos, aparelhos e inúmeros bens de consumo, para as quais não existe um “mercado necessário” a não ser aquele criado pelo imperativo frenético do capitalismo de vender. O etos infantilizador dedica-se exclusivamente ao capitalismo de consumo, incentivando os indivíduos a entregar um comportamento que é útil ao consumismo. “A regressão torna-se uma tática necessária da ordem de consumir; e a infantilização uma condição para o sucesso do capitalismo”.3
(...) o etos é impressionantemente eficiente em criar demanda de mercado incentivando a fabricação de falsas necessidades no mundo afluente e, portanto, assegurando a venda de todos os bens e serviços que o capitalismo está zelosamente produzindo em excesso.4
A estratégia é reprimir características da infância, como autenticidade, criatividade e espontaneidade, em favor de outras que tornem os adultos vulneráveis, manipuláveis, impulsivos e irracionais, em virtude de uma necessidade de vender bens desnecessários a pessoas cujo julgamento e gosto adulto são um obstáculo a esse consumo. Para o capitalismo de consumo prevalecer é “preciso tornar as crianças consumidores e tornar os consumidores crianças”.5
Nos bombardeios publicitários restantes, é nitidamente proibido envelhecer. É como se houvesse uma tentativa de manter, em todo indivíduo, um “capital-juventude” que, por ter sido usado de um modo medíocre, não pode pretender adquirir a realidade durável e cumulativa do capital financeiro.6
Na indústria da moda, por exemplo, os vendedores visam à mãe que tenta aparentar ter 15 anos, ao mesmo tempo que uma criança é enfeitada para parecer que tem 40. Renasce, ainda, o mercado retrô, que oferece roupas, filmes e outros bens de consumo tanto aos adultos que desejam recapturar sua juventude, como aos jovens que acreditam que adotar o estilo de gerações anteriores é uma maneira “legal” de ser jovem. “O retrô permite ser jovem, envelhecer e ainda permanecer jovem.”7
Os resultados de buscas no Google nos últimos anos sugerem o quão tem sido bem-sucedida essa “estupidificação pop-cultural”. De acordo com os dados do Google, as buscas mais comuns nos anos de 2001 a 2005 tem como foco Eminem, Britney Spears, Pamela Anderson, Harry Potter, Janet Jackson e Paris Hilton.8 No Brasil, no ano de 2016, os assuntos mais procurados na plataforma foram Pokémon GO e Big Brother Brasil. No mundo, Pokémon GO também ocupou o primeiro lugar em buscas no mesmo ano.9
No cinema o impacto da infantilização é ainda mais pronunciado. Enquanto a bilheteria dos filmes diminui, Hollywod está dominada por blockbusters destinados ao “mercado adolescente” esticado de pessoas de 13 a 30 anos. No ano de 2004, as cinco maiores bilheterias foram de filmes destinados a crianças: Shrek 2, Homem Aranha 2, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban e Os Incríveis.10 Em 2016, o maior sucesso de bilheterias foram os super-heróis. O filme Capitão América: Guerra Civil, primeiro lugar nas bilheterias, foi considerado o décimo segundo filme mais lucrativo de todos os tempos.11
Assim, teoricamente os consumidores são livres para comprar ou não, mas “com o etos infantilista fomentando seus desejos, uma vez dentro da armadilha de macaco infantilista, não conseguem sair.”12 A dinâmica de consumo torna as pessoas mais vulneráveis ao controle, em grande parte da mesma forma que as crianças. O consumidor em tempo integral, de quase todas as maneiras, age regressivamente, mais como uma criança impulsiva do que como um adulto.
O cidadão adulto é uma pessoa que faz escolhas capacitado pela liberdade social a afetar o ambiente, enquanto o consumidor infantilizado é uma pessoa privada que faz escolhas e cujo poder de participar da comunidade ou afetar mudanças é diminuído. Portanto, “a vitória dos consumidores não é a vitória dos cidadãos.” 13
REFERÊNCIAS:
1 BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 63.
2 BARBER, Benjamin R. Consumido. Como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos. Tradução: Bruno Casotti. Rio de Janeiro: Editora Record, 2009.
3 Idem, p. 149.
4 Idem, p. 98.
5 Idem, p. 32.
6 DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1994, p. 109.
7 BARBER, Benjamin R. Consumido. Como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos. Tradução: Bruno Casotti. Rio de Janeiro: Editora Record, 2009, p. 32.
8 Idem, p. 33.
9 Disponível em: https://revistapegn.globo.com/Negocios/noticia/2016/12/10-pesquisas-que-o-brasileiro-mais-fez-no-google-em-2016.html. Acesso em: 20/03/2018.
10 BARBER, Benjamin R. Consumido. Como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos. Tradução: Bruno Casotti. Rio de Janeiro: Editora Record, 2009, p. 32.
11 Disponível em: http://forbes.uol.com.br/listas/2017/01/filmes-de-maior-bilheteria-em-2016/. Acesso em: 20/03/2018.
12 BARBER, Benjamin R. Consumido. Como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos. Tradução: Bruno Casotti. Rio de Janeiro: Editora Record, 2009, p. 66.
13 Idem, p. 48.
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