Estudo de caso sob o enfoque da análise econômica do direito: o desprezo da argumentação jurídica provoca a ineficiência da prestação jurisdicional - Por João Carlos Adalberto Zolandeck

09/11/2017

Pela leitura do artigo 489, § 1º, inciso IV[1], do CPC/15, não se considera fundamentada a decisão judicial que não tenha enfrentado todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador.

É sobre o conteúdo da regra legal mencionada que se pretende fazer a análise de um caso concreto, com o objetivo de observar se o valor dado à argumentação jurídica foi adequado e se a interpretação deve ou não prevalecer.

A contextualização de um caso concreto nasce da argumentação jurídica. Dar valor a ela é uma premissa lógica. Não há a menor dúvida de que o conteúdo do dispositivo legal retromencionado tem origem no desprezo da argumentação relevante em reiteradas decisões judiciais, rotineiramente interpretada como mera retórica, aliás, “mera retórica”?

Dia desses, no escritório, dialogava com o Advogado Prof. Ubiratan de Mattos, sobre um texto tratando da argumentação jurídica como mera retórica, sob um enfoque pós-moderno, a nosso ver, equivocado. Na oportunidade concluímos que a retórica, ao lado da lógica e da dialética, tem raízes filosóficas, tendo encontrado em Aristóteles a organização sistêmica dessa particularidade e é entendida como a arte de bem comunicar, bem articular, bem defender um ponto de vista com o uso da linguagem, portanto, a retórica é retórica, não cabendo a utilização da expressão “mera” para menosprezar a necessidade de avaliar a argumentação do caso concreto.

Outro equívoco lamentável: elege-se como alvo a retórica para atingir-se a argumentação jurídica no seu todo. Fica, nesse extremo, as indagações: que é feito da postulação jurídica sem argumentação? Que é feito da argumentação jurídica sem a retórica? Se a argumentação jurídica é “mera retórica”, também o é a fundamentação judicante, a qual nada mais é do que uma defesa argumentativa da decisão adotada.

Por ocasião do julgamento do Agravo Interno no Recuso Especial sob n. 1662345/RJ, de Relatoria da Ministra Regina Helena Costa, ao se utilizar de outro paradigma, resultado do julgamento de embargos de declaração em Recurso Especial sob n. 1483155/BA, assim restou parcialmente ementado o respectivo julgado: (...) O art.  489  do  Código  de  Processo  Civil de 2015 impõe a necessidade  de enfrentamento dos argumentos que possuam aptidão, em tese,  para  infirmar  a  fundamentação  do  julgado,  não estando o julgador  obrigado  a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão[2].

Indaga-se: bastará ao julgador encontrar motivo suficiente para proferir a decisão?

Recentemente, na última Conferência da Advocacia do Paraná, na sede da FIEP, ouvia a palestra do Prof. Sandro Gilbert Martins[3], que lançava críticas à interpretação dada ao mesmo julgado, nascendo ali um sentimento e um dever de levar a crítica adiante, não à pessoa do julgador, mas ao conteúdo do julgado. De fato, a interpretação dada pelo julgador entristece não apenas o Advogado, mas todos os demais profissionais do direito, sejam juízes, promotores, procuradores, entre tantos, que dão à argumentação a relevância que merece dentro do espectro pensado pelo legislador.

É neste ponto que se encaixa a análise econômica do direito e o estudo das repercussões. Os custos de transação decorrentes do desprezo da argumentação jurídica capaz de interferir no resultado do julgado são muito mais relevantes do que os custos de transação do tempo investido na análise do argumento. Analisar bem o argumento e contextualizá-lo segundo a realidade e o enquadramento legal da hipótese tem repercussão muito maior na balança do judiciário, pois um caso bem avaliado evitará futuros litígios, que nascem em razão da distorção de um caso mal avaliado.

O investimento no tempo do julgamento evitará o investimento em tempo muito superior na análise de reiterados casos que nascem equivocados em razão de precedentes equivocados.  O uso da economia como ferramenta para antever o comportamento futuro é fundamental, por isso optou-se por fazer a análise econômica da regra legal na prática e a partir de um caso, para não ficarmos apenas no campo conceitual da AED, que acaba se fragilizando e quedando de importância pela ausência de harmonia ou correlacionamento.

Após tratar da teoria da argumentação nos modelos deducionista, decisionista e coerencial, Tiago Gagliano Pinto Alberto, ao interpretar Robert Alexy, esclarece que o modelo hermenêutico talvez seja aquele “que mais se aproxime da argumentação racional” por verberar os postulados de “reflexividade, coerência e completude como critérios fundamentais de racionalidade”. 

Nesse contexto, Tiago Gagliano realça “a argumentação jurídica como o procedimento apto a viabilizar a prolação de decisões racionais”. O uso adequado da argumentação jurídica e o respeito por ela conferirá ao julgador um discurso mais contextualizado e necessário para resolver o caso concreto de forma mais democrática e imparcial, trazendo segurança jurídica, conforme conclui[4].

Estudos sobre argumentação jurídica pelo Dr. Tiago Gagliano, Juiz de Direito no Paraná, têm produzido ótimos resultados, não apenas no Brasil, sugerindo-se acompanhar os passos desse jovem estudioso e a leitura de seus escritos.

Como a argumentação está intimamente ligada à fundamentação, pois não há fundamento sem contexto, argumento ou relacionamento, é importante que fique clara a proposta legislativa do CPC/15 ao impor ao juiz o necessário enfrentamento dos argumentos relevantes deduzidos pelas partes, capazes de interferir no destino da causa.

Deste modo, ao contrário do argumento utilizado no conteúdo do v. acórdão questionado, não bastará ao julgador sustentá-lo em motivos que entender suficientes para proclamar o resultado, sendo preponderante e indispensável a análise de todos os argumentos relevantes suscitados pelas partes, pois os motivos supostamente “suficientes”, confrontados por argumentos da origem ou do curso do processo, não avaliados ou interpretados no contexto do caso concreto, poderão ser “insuficientes” para uma decisão justa, eficiente e equânime, padecendo o decisum de nulidade por falta de fundamentação.

Apenas quem labora diariamente na advocacia e convive com a necessidade de explicar centenas de decisões não democráticas, diante da carência de diálogo, conhece as agruras que tal fato representa para os jurisdicionados.

Assim, ao contrário da conclusão enraizada em uma leitura rasa ou superficial do instituto, respeitar a intenção por detrás do artigo 489 do CPC/15 trará como consequência a diminuição dos custos de transação aos juízes, às partes e ao Poder Judiciário, bem como fará verter uma decisão mais racional, bem articulada, eficiente e equânime, passível de interferir, sobeja e positivamente, no comportamento futuro dos agentes econômicos (todos nós na essência), transferindo mais confiança à sociedade, certamente propagada pelas partes da relação processual, quanto às boas práticas e os resultados ponderáveis.

 

[1] Art. 489.  São elementos essenciais da sentença (...) § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador (...).

[2] AgInt no REsp 1662345/RJ, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 21/06/2017).

[3] MARTINS, Sandro Gilbert. Precedente, coisa julgada, tutela provisória e efetividade _ Painel 13. VI Conferência Estadual da Advocacia OAB/PR, 2017.

[4] ALBERTO. Tiago Gagliano Pinto. Poder Judiciário e argumentação no atual Estado Democrático do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.  p. 136-138.

 

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