1) PUNITIVISMO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO SÃO INCOMPATÍVEIS E SE EXCLUEM.
Ao tratar da função do processo penal, em sala de aula, costumo dizer que o Estado Democrático de Direito sabe, de caso pensado, que vai assumir o risco concreto de absolver culpados, tendo em vista as garantias legais outorgadas aos acusados em geral.
Entretanto, sabe ele, outrossim, que não pode assumir igual risco de condenar inocentes. A persecução penal ao arrepio do sistema jurídico cria danosa insegurança para toda a sociedade.
Desta forma, o Estado Democrático de Direito sai também vitorioso quando, para não desrespeitar a Constituição e o ordenamento jurídico, acaba por absolver um culpado.
Em outras palavras: todos saem ganhando quando se respeita o "devido processo legal", quando se respeitam os princípios do processo penal democrático. Todos ganham quando o Direito ganha da sanha punitivista.
A violação do sistema de legalidade causa um dano maior e difuso do que deixar impune o criminoso. Não é valioso punir a qualquer preço.
Os melhores valores democráticos, frutoS do nosso custoso e lento processo civilizatório, não podem ser desprezados em nome de um ingênuo e messiânico combate à corrupção.
De há muito já restou demostrado que a eficácia intimidatória do Direito Penal é muito tênue, motivo pelo que ele não é o “remédio” adequado para todos os males sociais.
Ademais, a corrupção é, ao menos em parte, consequência de uma sociedade de consumo, de uma sociedade de massa, de uma sociedade competitiva, lastreada no lucro, na cobiça e no dinheiro. Vale dizer, a corrupção é mesmo inerente a uma sociedade de classes tão diferenciada como a nossa.
Por tudo isso, nada de “flexibilizar” os direitos fundamentais e sociais expressos em nossa Constituição da República.
O que estamos rogando e até exigindo é que seja respeitada a nossa ordem jurídica e que Polícia, Ministério Público e Poder Judiciário se submetam ao “direito posto”, respeitem o Estado Democrático de Direito.
Será que estamos querendo demais? Será querer demais que sejamos governados por leis democráticas e não por homens voluntaristas, iluminados e autoritários?
Talvez quem manda prender indiciados para forçar seus interrogatórios, quando eles têm direito ao silêncio, não saiba ou não concorde com o que se disse acima ...
Talvez quem “feche os olhos” para ilegalidades, em nome de um ilusório combate à criminalidade, não saiba ou não concorde com o que se disse acima ...
Talvez quem julgue segundo o que ele desejasse que a lei dissesse e não em consonância com o que efetivamente a lei dispõe não saiba ou não concorde com o que se disse acima ...
Talvez, enfim, esteja faltando espírito democrático e honestidade intelectual em nosso sistema de justiça criminal, mormente no momento em que dele se busca, cada vez mais, afastar o sistema de legalidade e ampliar o perigoso e indesejável poder discricionário.
2) O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O LAWFARE CONTRA O EX-PRESIDENTE LULA.
Vamos explicar o que está ocorrendo, de forma didática e clara, em face da negativa da presidenta Carmem Lúcia em não permitir, pelo Plenário, o julgamento de duas Ações Diretas de Constitucionalidade.
2.1 – Tais ações têm como objetivo ser julgado constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal que dispõe:
“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011)”.
Por esta regra legal, não é possível a prisão sem o trânsito em julgado da condenação. Não é admitida a prisão automática, como simples efeito de uma condenação penal, ainda que provenha de acórdão de tribunais.
Lógico que o citado dispositivo legal não impede a prisão em flagrante nem as prisões cautelares que menciona.
2.2 – Ora, o Plenário não tem como dizer que este artigo 283 do CPP é inconstitucional. Ele não está em conflito com nenhuma regra da Constituição Federal ou mesmo com nenhum princípio que dela se extraia.
Muito pelo contrário, ela corrobora a regra constitucional, a qual dispõe sobre a presunção de inocência até o trânsito em julgado da condenação penal.
2.3 – Desta forma, o que deve ser debatido e discutido NÃO É O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, MAS SIM SE O ARTIGO 283 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL É CONSTITUCIONAL OU NÃO.
2.4 – Assim, não tem procedência a alegação da ministra Carmem Lúcia de que é muito recente o entendimento do S.T.F. de 2016, no sentido de que é cabível a execução provisória e, por tal motivo, não merece ele ser rediscutido. Este tema não é o objeto das duas A.D.C.s.
Repito: o objeto das ações declaratórias de inconstitucionalidade não é a regra da constituição que veda a presunção de culpa antes do trânsito em julgado, mas sim a constitucionalidade do supra citado artigo 283.
Assim, a ministra Rosa Weber deve se ater a votar sobre a constitucionalidade ou não desta regra do Código de Processo Penal, não importando o seu entendimento pessoal e o precedente do S.T.F. a que ela diz estar subordinada.
Aliás, os ministros estão esquecendo do art.105 da Lei de Execuções Penais que, expressamente, exige o trânsito em julgado da condenação para que possa ser iniciada a execução da pena privativa de liberdade.
2.5 – Como a ministra Carmem Lúcia sabe, como todos sabem, que o artigo 283 do Cod. Proc. Penal não é inconstitucional, ela impede que se decida a matéria, para não ser derrotada no seu entendimento. Prevaricação?? Autoritarismo??? Voluntarismo??? Mero Capricho???
Não pode ser considerado democrático o país em que apenas uma pessoa decide se um relevante processo será julgado ou não pelo mais alto tribunal deste país !!! Isto é simplesmente um absurdo !!!
Ora, se o artigo 283 não é inconstitucional, tem de ser aplicado. Para tal, não precisa de interpretação que conforme a Constituição Federal, pois a sua redação está em absoluta consonância com esta Lei Maior. É preciso que tenhamos absoluta honestidade intelectual.
Importante notar que nada disso leva à impunidade, pois os juízes continuam podendo decretar prisões temporárias ou preventivas no curso de inquérito policial ou do processo.
Apenas precisam demonstrar, fundamentadamente, a necessidade de tal prisão antes ou depois da condenação, consoante está expresso em nosso sistema processual.
Os juízes não podem decidir como eles gostariam que a lei dissesse. Eles têm de decidir em conformidade com o que está dito nas regras jurídicas. Fora disso, não há Estado de Direito e passamos a ter indesejáveis voluntarismos e ativismos no âmbito do Poder Judiciário.
3) AINDA ESPERAMOS QUE SE FAÇA JUSTIÇA. A PRISÃO DO EX-PRESIDENTE LULA NÃO FAZ O MENOR SENTIDO. A PRISÃO DO EX-PRESIDENTE LULA JÁ PASSOU DOS LIMITES ÉTICOS, POLÍTICOS E HUMANITÁRIOS.
Este breve texto não terá enfoque ou sentido jurídico. Aqui não vou discutir a inconstitucionalidade e ilegalidade da prisão do ex-presidente Lula.
Por isso, não escrevo como um professor de Direito, mas sim como um cidadão politicamente consciente e muito influenciado pelos valores cunhados pelo pensamento humanista. Desde a minha infância, talvez por influência de meu falecido pai, sempre muito me incomodou a injustiça, mormente a injustiça social.
Nesta perspectiva, quero dar uma espécie de “testemunho” para afirmar enfaticamente que o Lula é um homem bom; que o Lula é um homem afável e generoso; que o Lula é um homem especial e dotado de um talento invulgar. Lula dá atenção aos outros; Lula presta atenção nos outros; Lula se preocupa com os outros; Lula é sensível ao sofrimento dos outros.
Ademais, como é do conhecimento público, Lula saiu da Presidência da República com aprovação popular superior a 80% dos brasileiros. Foi o melhor Presidente de toda a história do nosso país. Indiscutivelmente, Lula foi e é um líder popular em nível nacional. Foi um líder mundial, respeitado por todos os chefes de Governo e Estados estrangeiros. Recebeu mais de 30 (trinta) títulos “Honoris Causa” em tradicionais universidades de quase todos os continentes, sendo que hoje está indicado ao cobiçado prêmio Nobel da Paz.
Enfim, que sentido faz manter uma pessoa com estes atributos isolado da sociedade, isolado de seus familiares e amigos? Que sentido faz manter um líder popular como este enclausurado em um quarto? Quem ganha com isso? O que se ganha com isso?
Como disse no início, aqui não quero discutir aspectos legais da prisão do ex-presidente Lula. Entretanto, o certo é que, juridicamente, ele poderia ser solto através de vários argumentos e instrumentos jurídicos, tais como: 1) outorga cautelar de efeito suspensivo aos seus atuais recursos processuais; 2) anulação de sua condenação, em face de graves vícios no seu processo, como a incompetência dos órgãos judiciais que o condenaram; 3) o entendimento da impossibilidade de prisão automática em face da princípio da constitucional da inocência; 4) a aplicação da regra do artigo 283 do Código de Processo Penal e do artigo 105 da Lei de Execuções Penais, apenas para dar alguns exemplos.
Assim, seria mais do que razoável, ainda que sob o aspecto jurídico ou humanitário, que este extraordinário homem não ficasse enclausurado em um quarto das dependências policiais como se fosse um troféu de magistrados punitivistas, raivosos e carentes de sensibilidade com a dor de seu semelhante.
Por isso, manifesto aqui a minha indignação. Não consigo ficar indiferente a tanta injustiça. Não podemos achar isso natural. Não podemos ficar indiferentes e nos acomodarmos. A todo momento, o Poder Judiciário coloca em liberdade pessoas que se encontram nas mesmas condições processuais do ex-presidente. Por que este tratamento diferenciado para com o maior líder popular de toda a história do Brasil ???
Acho que tudo isto está passando do razoável.
Acho que tudo isto é a negação do valor justiça em nossa pátria.
Acho que tudo isto cria uma perigosa perplexidade em nossa população, que já não acredita mais no atual sistema de justiça criminal.
Acho, por derradeiro, que parte do nosso Poder Judiciário está ofuscado por uma sanha punitivista, ingênua ou perversa, muito decorrente de uma contaminação ideológica ou política, incompatíveis com a correta aplicação do Direito e da Justiça aos casos concretos.
As pessoas bem informadas e conscientes estão perplexas, angustiadas, tristes, devastadas e desesperadas com esta dramática situação, com esta singular situação, com esta absurda situação.
De minha parte, com muita dose de otimismo, só me resta este voto de esperança: que algum dia a verdadeira justiça venha a imperar em nossa combalida e sofrida sociedade.
Imagem Ilustrativa do Post: Reunião com prefeitos e deputados do PT, no Diretório Estadual de SP // Foto de: Partido dos Trabalhadores // Sem alterações
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