Especial de natal: Carta ao papai Noel  

25/12/2020

Caras leitoras e caros leitores,

Pretendíamos encerrar as atividades do conturbado ano de 2020 com o texto mensal, mas, depois de publicado, percebemos que esquecemos de desejar boas festas. Por isso, decidimos escrever algo com esse teor – ou quase. Após o debate de praxe, concordamos que o melhor que poderíamos fazer seria transcrever, ipsis literis, a carta que enviamos ao polo norte.

Eis a carta:

“Caro velho branco, barbudo, explorador de duendes e detrator de renas,

O ano de 2020 foi atípico – mas não de todo! Coronavírus, vespas assassinas gigantes nos EUA, ciclone bomba no sul do Brasil etc. Nas dinâmicas político-econômicas, algumas pressões novas para alterar um pouco do quadro que estava a ser desenhado há alguns anos: incremento das estratégias de controle por meio das “novas tecnologias”, maior capilarização do ensino à distância, sobrecarga dos trabalhadores e milhões de consequências a nível micro.

Como mencionamos em um dos textos da coluna Stasis, houve até uma proposta de implementação de “passaportes de imunidade” do coronavírus[i]. Na última coluna, criticamos, dentre outras coisas, a iniciativa de promotores de SP que pretendiam furar a fila da vacinação devido à quantidade de contatos que mantêm[ii]. Nos últimos dias foi a vez de os ministros do STJ tentarem furar a fila[iii].

Entretanto, o acontecimento mais interessante dos últimos dias envolve o Reino Unido, um dos países a apoiar o “passaporte de imunidade” do coronavírus: uma nova cepa do coronavírus foi identificada justo lá. Por força disso, diversos países fecharam as fronteiras para o Reino Unido[iv]. Uma moradora daquele país declarou que se sente presa[v].

De pretensos titulares do passaporte de imunidade a segregados. Como num passe de mágica! E em tão pouco tempo. Quanta ironia! – quanta ironia?

A razão cínica, denunciada por Peter Sloterdijk, é precisamente saber o que faz e, bem por isso, fazê-lo[vi]. A crítica, de certo modo, continua o cristianismo, pois se dirige ao flanco aberto em Lucas 23:34: se o pai deve perdoar apenas aqueles que não sabem o que fazem, os que sabem devem ser punidos. A máxima cristã é complementada[vii] e invertida, pois Sloterdijk sabe que eles fazem justamente porque sabem muito bem! No momento em que o passaporte de imunidade foi proposto já existiam informações suficientes para, pelo menos, duvidar da possibilidade de imunidade de rebanho.

Ora, dois brasileiros sem formação nas ciências naturais (nós) conseguiram previr isso. Não é possível que os cientistas daqueles países, com formação em infectologia, virologia e outras áreas afetas ao estudo do coronavírus não pudessem prever também…

O elemento tragicômico dessa história é a reviravolta do individualismo ou, mais precisamente, a reversibilidade do discurso. Antes o terceiro mundo não prestava, principalmente o Brasil, porque estava infestado com a peste do século XXI; agora o detrator assume a condição que criticava. De país desenvolvido à país segregado, a linha divisória era muito mais tênue do que imaginavam.

Dissemos tudo isso, velhote, porque nosso desejo de natal é a sua morte, ó besta do consumismo! Queremos também o fim das vestes vermelhas, pois o vermelho não te pertence!

A maior contradição do natal cristão é o papai Noel: Jesus, filho do Deus único, ensinou a todos que o que é dos homens deve ser dado aos homens e o que é de Deus deve ser dado a Deus. O natal cristão supostamente nada tem a ver com o consumismo. Aliás, o magrão cabeludo era um comunista anticonsumismo. Provavelmente hoje seria um integrante do MST e do MTST, filiado ao PSOL, PCdoB ou outro partido de esquerda. É representado com vestes vermelhas e brancas, com barba e cabelos longos. Dito noutros termos, um maloqueiro!

Que o revés do Reino Unido com o passaporte de imunidade sirva de lição para o país que seria excluído dessa mesma proposta, do excluído de hoje para o excluído de ontem. Que fique a lição de que cooperar é mais importante do que competir. Quem compete tem adversários e inimigos; quem coopera tem amigos.

Se o natal servir para alguma coisa, que seja para pôr fim à concorrência neoliberal sem sentido. É claro que isso não significa que precisamos perdoar os cínicos. Eles que aprendam a cooperar entre eles – ou que pereçam na eterna concorrência, em busca do consumo e do dinheiro e em detrimento da saúde mental.

Luiz e Sandro.”

Essa foi a carta que enviamos ao símbolo do consumismo, leitores. Esperamos que possa fazer sentido para alguns de vocês. Desejamos boas festas, saúde e que todos se cuidem – ou, como fica melhor expressado na fórmula neoliberal: fique em casa, se puder!

 

Notas e Referências

[i]      https://emporiododireito.com.br/leitura/do-paradigma-politico-a-reconstrucao-institucional-a-discussao-sobre-o-passaporte-de-imunidade-do-coronavirus-legitima-a-abertura-de-novos-campos-de-concentracao

[ii]     https://emporiododireito.com.br/leitura/coronavirus-nos-obrigara-a-reinventar-o-comunismo-insinuacoes-neoliberais-brasileiras

[iii]   https://veja.abril.com.br/blog/radar-economico/ministros-do-stj-tentam-furar-fila-da-vacina-mas-fiocruz-nega-pedido/

[iv]    https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2020/12/21/nova-cepa-da-covid-19-argentina-e-chile-suspendem-voos-do-reino-unido

[v]     https://www.terra.com.br/noticias/brasil/e-como-estar-numa-prisao-diz-brasileira-em-londres-apos-40-paises-fecharem-portas-para-reino-unido,cb00fc794850b2fe1d6cf40d0bf36c6c1l8yhqk5.html

[vi]    SLOTERDIJK, Peter. Crítica da razão cínica. Trad. Marco Casanova et al. São Paulo: Estação Liberdade, 2012.

[vii]  Karl Marx fez o complemento, mas isso fica para outro momento.

 

 

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