Alguém me disse, avaliando com sarcasmo uma situação que lhe queriam impor, preferir que lhe dessem ordens: sempre que se limitava a obedecer sentia-se poupada da angústia que a acometia diante de situações em que havia de decidir entre mais de uma alternativa.
Escolhas, ironizava afetando tédio, simplesmente são a conturbação da mente: ansiedade, insônia, constipação. Uma ordem é sempre um conforto psicológico, moral e até físico. Uma regra imperativa poupa devaneios e apazigua a existência; nos guarda de desacertos.
A Wikipédia diz que escolher “consiste num processo mental de pensamento envolvendo o julgamento dos méritos de múltiplas opiniões e a seleção de uma delas para ação”. O Houaiss se me parece mais direto: “fazer opção entre (duas ou mais pessoas ou coisas)”.
Escolher, pois, nos obriga a desistir de algo ou alguém. Aí nos deparamos com um dos males da vida: quando renunciamos a algo ou alguém, nos advém o sentimento de perda desse algo que possuíamos ou desse alguém com quem convivíamos (em geral com sentimento de posse).
Não nos é confortável nos impor uma perda a nós mesmos. Entretanto, não obstante sofrimentos mais ou menos atrozes, o ato de escolha caracteriza-se exatamente por esse duplo: algo ou alguém é mantido conosco; algo ou alguém é relegado de nossa posse ou convivência.
O enfrentamento desse conflito do espírito desdobra-se em sentimentos contraditórios e dolorosos. Podemos viver em culpa para com o que ou quem abandonamos; podemos culpar o que escolhemos pelas dores oriundas da perda do que ou de quem foi por nós abandonado.
Ora, o mundo não está disposto para cuidar de nós nem a vida tem comprometimento com nossas decisões. A relação futura com a nossa escolha nem sempre nos sai ao gosto. Claro, a coisa ou a pessoa escolhida não têm empenho de acerto com nosso gesto de opção.
Então, muitas vezes, mais lá na frente, constatando alguma calamidade nas relações que mantemos com coisas ou pessoas, nos vem o remorso pelo que foi refutado. Restamos de consciência abatida; culpamo-nos por um erro que teríamos cometido; caímos em remordimento.
Essa contrição me parece descabida. É excesso narcísico. Afinal, apenas estamos diante da necessidade cogente de novas escolhas. A compunção pelo abandonado é sempre um saudosismo fútil. É despropositado indagarmos como seria se tivesse sido diverso o nosso passado.
Conjeturarmos um melhor presente supondo o sucesso de escolhas pretéritas é devaneio. É negar a realidade. Ora, em cada momento “a nossa vida é a soma das nossas escolhas” (Albert Camus). Negar o resultado das nossas escolhas é negar a nossa vida e a nós mesmos.
Pablo Neruda pretende que “somos livres para escolher, mas somos prisioneiros das consequências das nossas escolhas”. Não concordo com a expressão prisioneiro. Diria que toda e cada escolha nos compõe, mas nenhuma escolha nos determina. Somos sempre um resultado.
Claro, não podemos dar marcha à ré na vida, não é possível deletar trechos de nossa história e nos reescrever, mas podemos nos reencaminhar. É possível até andar na contramão. Há margem para manobras: sempre podemos nos declarar em revisão e tomar outros rumos.
Ademais, é pertinente advertir: outras escolhas e tudo poderia estar de mal a pior. Vale, pois, despegar-se do rejeitado e se desapaixonar do escolhido, pois talvez se tenham que promover outros abandonos, se os encontros e desencontros do caminho o recomendarem.
Com os instigantes riscos que levam às perdas ou nos trazem os ganhos, escolhemos, e com as escolhas fazemos e refazemos nossa essência. E nisso vamos dando sentido à vida. Ou: “Viver é isso: ficar se equilibrando o tempo todo entre escolhas e consequências” (Sartre).
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