Escalada da judicialização da saúde – Por Clenio Jair Schulze

02/05/2017

O número de processos sobre o direito à saúde cresce exponencialmente.

Segundo o jornal Estado de São Paulo, a ações judiciais contra os planos de saúde dispararam em 2017, são 117 julgamentos por dia apenas em São Paulo[1].

Em outro texto, já apontado nesta coluna[2], demonstra-se que o número de processos envolvendo o tema saúde se aproxima de 1% de todas as demandas em trâmite no Judiciário brasileiro.

Vários são os fatores que justificam esse cenário:

1 – Prioridade no cuidado da saúde: as pessoas estão mais conscientes e procuram adequar seu estilo de vida com os cuidados na área da saúde.

2 – Crise econômica: o SUS sofreu substancial redução de investimentos em razão da crise econômica[3]. Há casos de não cumprimento das normas constitucionais que exigem aplicação de percentuais mínimos em saúde, agravando o quadro da saúde pública, em especial. Com isso, há falta de entrega de medicamentos inclusive já incorporados no Sistema Único de Saúde. O mesmo problema também atinge as operadoras de plano de saúde.

3 – Protagonismo do Judiciário: o atual entendimento do Judiciário demonstra que é alta a taxa de sucesso de uma ação judicial em que se postula a concessão de uma tecnologia em saúde. Além disso, os magistrados passaram a substituir a administração pública, regulando novos procedimentos, tratamentos, tudo a partir de uma decisão judicial, sem que exista prévia discussão ou negociação.

4 – Telemarketing: com o avanço das tecnologias, é muito mais fácil criar mecanismos de divulgação de um produto. No ramo advocatício, não é incomum encontrar-se serviços de telemarketing e outras formas de captação de clientela. Além disso, há mais de um milhão de advogados no Brasil.

5 – Controle sobre os atos estatais e de planos de saúde: a Administração Pública e as operadoras de planos de saúde passaram a ser controlada em todos os seus atos. Não há hipótese de sigilo e tudo é vigiado pela imprensa e pela população. Assim, fica muito mais fácil ter acesso à informação e controlar o SUS e as operadoras de plano de saúde.

6 – Evolução da indústria farmacêutica: é um dos ramos que mais cresce no mundo. Mesmo com a crise econômica mundial, a indústria farmacêutica mantém índices positivos de crescimentos e de faturamento. E as novas tecnologias geralmente possuem um preço extremamente alto (nesta área, aplicação a máxima “tudo que é novo é caro”). Como os planos de saúde e o SUS não possuem condições de incorporar todas as tecnologias, em razão do alto preço, a judicialização é uma forma de burlar os contratos e os procedimentos regulares do SUS.

7 - Ampliação do conhecimento sobre saúde: a transparência, o uso das redes sociais e a facilidade de disseminação do conhecimento facilitam o fluxo de informações sobre o acesso à saúde.

8 – Aumento da expectativa de vida: as pessoas estão vivendo mais tempo. Isso eleva os gastos com saúde e manutenção da qualidade de vida.

9 – Medicalização da vida: há muitos excessos em relação ao consumo de medicamentos. Além da automedicação, existe a cultura da necessidade de cura de todas as patologias com o necessário uso de tecnologias em saúde. Isso fomenta a judicialização.

10 – Acesso à Justiça: ingressar com uma ação judicial é muito fácil. Em regra, os processos judiciais são eletrônicos e o advogado pode propor a causa de seu escritório sem se deslocar até o prédio do Fórum. Além disso, há a cultura da Justiça gratuita, e o ajuizamento da ação não custa nada para o cidadão.

Isso tudo fomenta a judicialização. Daí a explicação para a escalada do número de processos judiciais sobre o Direito à Saúde.

Contudo, a judicialização da vida e da saúde é insustentável (econômica, social e ambientalmente!). Por isso, é preciso encontrar mecanismos adequados para minimizar os impactos do alto número de processos judiciais, sob pena transformar-se o Judiciário no órgão central de administração do SUS e das operadoras de planos de saúde.


Notas e Referências:

[1] O Estado de São Paulo. Ações contra planos de saúde disparam em São Paulo; em 2017, são 117 por dia. 30 de abril de 2017. Disponível em http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,acoes-contra-planos-de-saude-disparam-em-sao-paulo-em-2017-sao-117-por-dia,70001757754. Acesso em 30 de abril de 2017.

[2] SCHULZE, Clenio Jair. Novos números sobre a judicialização da saúde. In Empório do Direito. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/novos-numeros-sobre-a-judicializacao-da-saude-por-clenio-jair-schulze/. Acesso em 30 maio 2017.

[3] SCHULZE, Clenio Jair. O direito à saúde na sociedade de austeridade. In Empório do Direito. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/o-direito-a-saude-na-sociedade-de-austeridade-por-clenio-jair-schulze/. Acesso em 30 maio 2017.


 

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