Esboço de um «modelo naturalista» para o Direito (Parte 19)  

04/01/2019

“A veces la historia que nos cuenta la ciencia es la historia que queremos escuchar”. Bárbara Ayuso 

Agora: São infinitos e ilimitados os tipos de relações jurídicas tuteladas pelo direito ou, ao contrário, existem constrições inatas no pensamento ético-social humano que restringem – de forma similar ao que ocorre com a linguagem – o conjunto dos vínculos sociais relacionais humanamente possíveis (que subjazem às relações jurídicas) a um subconjunto relativamente pequeno de sistemas lógicos possíveis? Qual seria o núcleo duro constitutivo desse conjunto de vínculos sociais relacionais através dos quais os humanos constroem estilos aprovados de interação e estrutura social regulados pelo direito (as relações jurídicas)?

Alan P. Fiske [51], apoiado em suas próprias observações antropológicas e na leitura dentro de sua teoria dos descobrimentos de um grande número de autores em múltiplos campos (o que ele chama uma aproximação  “indutiva”), desenvolveu um modelo de relações sociais humanas que constituem uma sorte de  arquétipos fundamentais inatos que todas as culturas humanas utilizam — normalmente combinando vários deles — para definir relações e roles típicos com os que logo organizar os diversos âmbitos sociais. Sobre a base deste trabalho, Fiske - cuja inovadora proposta seguimos não somente por sua boa qualidade formal, senão também por sua deslumbrante riqueza empírica – propõe que existem quatro formas elementares de sociabilidade, quatro modelos básicos para compreender as relações sociais.

Resumidamente, os modelos elementares propostos por Fiske são os seguintes:

- Comunal Sharing: Relação de equivalência em que as pessoas têm um sentido de identidade comum, isto é, se fundem para o propósito da relação, de maneira que os limites individuais se tornam irrelevantes. As pessoas se fixam na pertência grupal e na identidade comum, não na individualidade. Importa-lhes o grupo, superior a cada um dos indivíduos, a pertença a ela e o contraste com aqueles que não pertencem.

- Authority Ranking: Relação dentro da qual cada um é considerado como possuidor de uma importância, um status ou rango social determinado por certa característica. São relações assimétricas que se materializam em uma inclusão hierárquica de sujeitos de rangos mais baixos como subordinados na esfera de outros de rango mais alto. Segundo Fiske, a subordinação que surge da aplicação deste modelo é legítima; os inferiores respeitam a relação de subordinação, mostram deferência, lealdade e obediência, a câmbio do qual recebem proteção, ajuda e apoio de seus líderes.

- Equality Matching: Relação em que existe um vínculo relacional igualitário entre pares, que são indivíduos distintos e separados, mas iguais aos efeitos da relação. A presença social (contribuição, benefícios, influência, etc.) de cada agente corresponde um-a-um com a do outro. As equivalências categóricas permitem que as relações se equilibrem e se expressem em tomar turnos, reciprocidade em espécie, vingança “olho por olho”, distribuição em partes iguais... Para conservar a igualdade, os bens e interesses em jogo devem ser qualitativamente iguais, ou fazer-se equivalentes por um acordo social.

- Market Pricing: Relação mediada por valores determinados por um sistema de mercado. Os indivíduos decidem interagir socialmente se resulta racional fazê-lo de acordo a esses valores, que definem uma métrica universal (em preço, utilidade ou tempo) com a qual é possível comparar quantitativamente pessoas e recursos, sejam ou não qualitativamente semelhantes. A avaliação se expressa em termos de uma razão de intercambio, o preço. Os agentes estruturam sua interação de maneira proporcional a essas razões de intercambio.

 

Ao sustentar que estas quatro estruturas vinculantes elementares e suas variações justificam todas as relações sociais entre todos os seres humanos de todas as culturas, Fiske sugere, como única explicação possível deste fato, que estão arraigadas na complexa estrutura da mente humana, isto é, que vão estreitamente ligadas em nosso programa ontogenético ao desenvolvimento da faculdade, e ainda da necessidade emocional, de travar relações sociais. São estruturas formais; em conjunto formam uma espécie de "gramática generativa" das relações sociais, que é enriquecida de conteúdo concreto pela tradição de cada cultura. Como explica Steven Pinker [52], cada um dos quatro modelos emerge nas diversas culturas em uma grande diversidade de ações sociais, crenças ou juízos, pelo que não podem ser o produto de condições particulares da experiência subjetiva de cada indivíduo, senão que devem ser produtos endógenos da mente humana gerados por modelos universalmente compartidos de e para as relações sociais.

Os quatro modelos são utilizados pelos participantes em uma sociedade para coordenar suas ações em relações sociais significativas: estruturam os roles focais da sociedade, permitem explicar, compreender e predizer a ação dos demais e, portanto, ajustar-se a ela de uma maneira que os outros podem por sua vez identificar e compreender. Por outra parte, possuem uma função normativa, enquanto estruturam as expectativas mútuas entre os participantes em uma relação, e também o que se espera de terceiros (por exemplo, de quem mantem outras relações com esses participantes e devem eventualmente sancionar as transgressões) e de quartos (por exemplo, quem observa se os terceiros cumprem ou não em sancionar aos transgressores com os quais se relacionam).

 

Imagem Ilustrativa do Post: O Espelho // Foto de: Ana Patícia Almeida // Sem alterações

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