Por Abailard Jose de Sousa Neto e Fransuelen Geremias Silva - 19/02/2016

“Afirmo em nada mais ser entendido senão nas questões do amor”

Platão

Não são raros os casos de envolvimento amoroso entre professor (a) e aluno (a). Eles existem na vida e nas ficções literárias. Quem nunca ouviu falar de uma narrativa assim? O fascínio do professor (a) junto aos seus alunos (as), circula pelos corações, pensamentos e corredores de escolas, cursinhos e universidades. O fato, na maioria das vezes, não é discutido ou mesmo os envolvidos não estão dispostos a falar. Uma espécie de tabu entre os enamorados junto às instituições de ensino e o corpo docente.

No entanto, discutir sobre tais relacionamentos emerge de suma importância, para que o romance não se transforme em um filme de terror para os demais discentes, principalmente no âmbito universitário, no qual a relação costuma ser mais rotineira, pois os sujeitos envolvidos já são adultos e tem mais liberdade para se relacionar.

Há que se notar que o encantamento do aluno (a) pelo professor (a) é fato histórico, basta recorrermos à história grega, onde o Mestre assumia a figura do “Erasta”[1] (amante), e o aluno assumia a figura do “Erômenos” (amado)[2]. Muitas vezes, este relacionamento se desenvolvia para um envolvimento de cunho sexual.  Apesar de esta peculiar cultura acadêmica ter se perdido com o tempo, sobretudo com a ascensão dos valores judaico-cristãos, o professor (a) continua, inegavelmente, exercendo fascínio em muitos alunos (as), o que, muitas vezes, acaba por desenvolver-se como relação de afeto.

O encantamento com o carisma, utilizado muitas vezes pelo professor (a) para ensinar, aproveitado para mostrar o quão simpático é, pode fantasiar o pensamento de muitos estudantes, que passam a ficar mais preocupados em seduzir o mestre do que, necessariamente, aprender o que lhes é ensinado, o que acarreta em discussões com toda a classe acadêmica.

Pois lendo na belíssima crônica O desastre de Sofia[3], de Clarice Lispector, uma jovem aluna fica fascinada pelo professor, aquele, quem acredita ser o homem de sua vida e acaba, por isto, gastando todo o tempo na aula com tímidas provocações. Tal fato fica claro, a menina que amava e atormentava o professor, não buscava estudar nem aprender nada, só queria saber de crescer e ser notada pelo mestre, situação não tão distante da nossa realidade, pois é notório o quanto os alunos (as) deixam transparecer seus desejos pelo professor (as) durante as aulas na universidade.

Lembramos também do conto Nóbrega[4], de Marcelino Freire, autor marcado por uma escrita sobre paixões reprimidas, onde descreve os sentimentos de um professor de música por seu aluno.  Na narrativa, podemos perceber o dilema moral vivido pelo mestre, tendo em vista que vive julgando se deve ou não, sentir afeto pelo jovem. O professor acaba projetando em seu aluno lembranças de sua adolescência, de sua inocência, aptidão crua para a poesia e musicalidade. Assim como no conto, no cotidiano das universidades, muitos professores (as) encontram em seus relacionamentos com alunos (as), uma forma de buscar a juventude que possuíram outrora.

Nas palavras de Lênio Streck[5]: “Parece que a realidade não nos toca, mas as ficções, sim”. A literatura tem muito a nos ensinar. Quem não ficaria sensibilizado com a narrativa clariciana? A história de uma jovem apaixonada pelo professor pode ser sincera e emocionante na ficção, mas na realidade, não? Na vida real as pessoas ficam endurecidas diante dos fatos amorosos e criticam friamente os relacionamentos entre professores e alunos. Acreditamos, no entanto, que os discentes e docentes deveriam ler Clarice Lispector e Marcelino Freire, uma vez que os personagens ficcionais são verdadeiras provocações humanas.  Nota-se que não existe melhor maneira de se discutir as paixões humanas, que não seja através dos textos literários e poéticos, em que os escritos são recheados de manifestações sentimentais.

A construção de personagens, através da literatura, mostra-se como forma viável de discutir tabus. Quem nunca ouviu dizer de “um conhecido de um amigo meu” que passou por uma situação constrangedora ou tem uma dúvida inquietante que poucos se dão ao luxo de tentar responder? Através da literatura, e de seus personagens, podemos repensar o ser humano por completo, de sua base, ou instintos naturais, a sua mais completa erudição.

Não desmerecemos tais casais que se conhecem, e por consequência da paixão se envolvem, nas universidades[6]. São pessoas comuns sujeitas a atrações como quaisquer outras, em quaisquer outros lugares. Corpos jovens, maduros, egos, amor, estão em qualquer lugar. Quantos e quantos casais já tiveram incríveis e inesquecíveis romances na época da universidade? Assim como os que resultaram em namoros, casamentos e famílias (talvez o termo família venha a ser compreendido aqui como pai, mãe e filho, o que está sendo desconstruído desde muito, talvez não seja uma boa ideia utilizar o termo para referir-se a tal concepção, ou pode haver um pequeno desenvolvimento sobre o pluralismo familiar). Acreditamos, contudo, que o relacionamento se torna danoso e problemático, apenas quando ele nos remete a situações onde é possível parafrasear o grande lema do romance A revolução dos bichos[7], de George Orwell, “Todos os alunos são iguais, mas alguns alunos são mais iguais que os outros”, ou seja, quando a paixão fala mais alto do que a ética, e o professor (a) se esquece de sua condição diante dos demais discentes.

Podemos observar que a falta de imparcialidade do professor (a) junto a seus alunos (as) acaba estabelecendo classes de cidadãos na universidade. Pode parecer o enredo da mais terrível distopia, digna de Anthony Burgess ou Aldous Huxley, mas não. É prática recorrente, nos âmbitos universitários, a clara predileção de professores (as) por determinados alunos (as). Longe de exigir dos professores (as) a total neutralidade e a não afinidade com determinados discentes. O fato é que, por critérios pessoais, alguns professores (as) acabam elegendo alunos (as) “aptos” e “não aptos”, longe dos parâmetros objetivos criados justamente para beneficiar os alunos (as) que, por mérito próprio e acadêmico, merecem a aprovação. Diante disto, quando pautado em suas paixões, muitos professores (as) criam três classes de “alunos-cidadão”. A primeira classe – os alunos (as) com quem o professor (a) se relaciona ou que o provocam sexualmente -, são titulares de todos os direitos, e tem a garantia de sua efetividade. A segunda classe – os alunos (as) esforçados (as) e neutros, que não antipatizam e nem se relacionam com o professor -, são titulares do mínimo de direitos exigíveis, mas que podem ser violados. Já a terceira classe – os alunos pelos quais o professor(a) nutre uma verdadeira aversão, por não terem atratividades físicas ou ideológicas compatíveis, ou por terem se negado a tê-las-, são totalmente negligenciados e prejudicados, mesmo se atingirem os critérios acadêmicos institucionais.

Na prática, observamos uma luta desonesta entre os universitários para que ocupem a primeira classe de cidadania, como alunas que seduzem seus professores (as) com decotes e roupas curtas ou alunos (as) que paqueram suas professoras, assim como, professores (as) que abusam de seu poder, proporcionando situações de favorecimento, em troca de uma esfera de intimidade tal que acarreta a um envolvimento amoroso. Nesse enredo, lembremo-nos da importância de se notar que, ensinar não se restringe a fazer escolhas didáticas, mas também, passar aos alunos posturas éticas, políticas e honestas. Por isso, precisamos que os professores (as) saibam separar suas paixões e intimidades amorosas, com a profissão de docente.

Ademais, acreditamos o quanto é importante o relacionamento entre professores (as) e estudantes, norteado pela amizade e respeito, a fim de proporcionar um ambiente agradável no processo de aprendizagem, possibilitando, assim, a junção de um envolvimento acadêmico e a produção de conhecimento, ou seja, no processo de aprendizagem.

Desde modo, mestres e jovens padawans, para que nosso ensino não beba de arbitrariedade e tome o lugar de uma formação que zele pela a justiça e seriedade, sugerimos que sigam o conselho de Hamlet[8] à Ofélia “que se você é honesta e bonita, sua honestidade não deveria admitir qualquer intimidade com a beleza”.

A classe (acadêmica) agradece.


Notas e Referências:

[1] Na obra de Platão, erasta na maioria das vezes é traduzido por amante. O erasta era um cidadão ativo e experiente, e com vocação para tornar-se mestre de seu amado, o erômeno.

[2] Na obra de Platão, erômeno na maioria das vezes é traduzido por amado. O erômeno era um jovem, filho de cidadão, que tinha o direito de escolher seu meste, erasta, que o formaria.

[3] LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira: contos e crônicas. Rio de Janeiro: Autor, 1999, p......

[4] FREITE, Marcelino. Amar é crime- 2. ed. - Rio de Janeiro: Record, 2015, p.......

[5] Em o posfácio do livro JOSÉ, Calvo Gonzáles. Direito curvo. Tradução André Karam Trindade, Luis Rosenfield, Dino del Pino. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013, p.........

[6] Não leve ao pé da letra, caríssimo leitor. Há que se notar que casais maduros prezam pela intimidade e privacidade, sobretudo no que concerne a trocas de carícias no meio acadêmico.

[7] ORWELL, George. A revolução dos bichos: um conto de fadas. Tradução Heitor Aquino Ferreira. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

SCHÜLER, Donaldo. O Banquete. In: Eros: Dialética e Retórica. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001. Pp 12 – 107.

[8] WILLIAN, Shakespeare. Hamlet. Tradução de Millôr Fernandes. Porto Alegre: L&PM, 2015.


Abailard Jose de Sousa Neto. . Abailard Jose de Sousa Neto é Bacharel em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). . .


Fransuelen Geremias Silva. Fransuelen Geremias Silva é Graduanda em Direito pela Faculdade Mineira de Direito (PUC Minas) e em Letras pelo Instituto de Ciências Humanas (PUC Minas). Extensionista do projeto “Direitos Humanos e cidadania, um projeto em construção a partir da prática de leitura” - Extensão Universitária da PUC Minas/ Contagem. .


Imagem Ilustrativa do Post: Eros, Piccadilly Circus, London // Foto de: Ian Muttoo // Sem alterações.

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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