Equilíbrio nas relações entre consumidor e operadora de plano de saúde – Por Clenio Jair Schulze

20/06/2016

A aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de plano de saúde não determina que o usuário sempre será vencedor nos processos judiciais contra as operadoras.

Esta conclusão pode ser apresentada a partir do seguinte caso.

Os trabalhadores empregados possuem direito de manutenção do plano de saúde coletivo após o término do contrato de trabalho?

Sim.

A Lei 9656/98, que regula os Planos de Saúde, estabelece que é possível a manutenção da cobertura pelo prazo máximo de 24 meses desde que o interessado faça o pagamento do contrato e que a extinção da relação de trabalho não seja por justa causa. Veja o texto da norma:

Art. 30.  Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.

§ 1o O período de manutenção da condição de beneficiário a que se refere o caput será de um terço do tempo de permanência nos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o, ou sucessores, com um mínimo assegurado de seis meses e um máximo de vinte e quatro meses.     

§ 2o A manutenção de que trata este artigo é extensiva, obrigatoriamente, a todo o grupo familiar inscrito quando da vigência do contrato de trabalho.

§ 3o Em caso de morte do titular, o direito de permanência é assegurado aos dependentes cobertos pelo plano ou seguro privado coletivo de assistência à saúde, nos termos do disposto neste artigo.

§ 4o O direito assegurado neste artigo não exclui vantagens obtidas pelos empregados decorrentes de negociações coletivas de trabalho.

§ 5o A condição prevista no caput deste artigo deixará de existir quando da admissão do consumidor titular em novo emprego. 

§ 6o Nos planos coletivos custeados integralmente pela empresa, não é considerada contribuição a co-participação do consumidor, única e exclusivamente, em procedimentos, como fator de moderação, na utilização dos serviços de assistência médica ou hospitalar. [grifado]

Ou seja, trata-se de regra que protege temporariamente o cidadão - e sua família - que teve cessado o vínculo empregatício.

E após o prazo de 24 meses o consumidor mantém, em qualquer circunstância, o mesmo direito?

Não.

Em recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, entendeu-se que a operadora de plano de saúde não está obrigada a celebrar novo contrato após o término do prazo de 24 meses fixado no art. 30, §1º, da Lei 9656/98.

O julgamento proferido no Recurso Especial (REsp) 1.592.278, publicado em 20/06/2016, entendeu que não é possível a conversão de plano de saúde coletivo em plano individual quando a operadora não comercializa este tipo de contrato.

Veja a ementa da decisão do STJ:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL. EMPREGADO DEMITIDO SEM JUSTA CAUSA. PRORROGAÇÃO TEMPORÁRIA DO BENEFÍCIO. REQUISITOS PREENCHIDOS. EXAURIMENTO DO DIREITO. DESLIGAMENTO DO USUÁRIO. LEGALIDADE. PLANO INDIVIDUAL. MIGRAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. OPERADORA. EXPLORAÇÃO EXCLUSIVA DE PLANOS COLETIVOS.

1. Cinge-se a controvérsia a saber se a operadora de plano de saúde está obrigada a fornecer, após o término do direito de prorrogação do plano coletivo empresarial conferido pelo art. 30 da Lei nº 9.656/1998, plano individual substituto ao trabalhador demitido sem justa causa, nas mesmas condições de cobertura e de valor.

2. Quando há a demissão imotivada do trabalhador, a operadora de plano de saúde deve lhe facultar a prorrogação temporária do plano coletivo empresarial ao qual havia aderido, contanto que arque integralmente com os custos das mensalidades, não podendo superar o prazo estabelecido em lei: período mínimo de 6 (seis) meses e máximo de 24 (vinte e quatro) meses. Incidência do art. 30, caput e § 1º, da Lei nº 9.656/1998. Precedentes.

3. A operadora de plano de saúde pode encerrar o contrato de assistência à saúde do trabalhador demitido sem justa causa após o exaurimento do prazo legal de permanência temporária no plano coletivo, não havendo nenhuma abusividade em tal ato ou ataque aos direitos do consumidor, sobretudo em razão da extinção do próprio direito assegurado pelo art. 30 da Lei nº 9.656/1998. Aplicação do art. 26, I, da RN nº 279/2011 da ANS.

4. A operadora de plano de saúde não pode ser obrigada a oferecer plano individual a ex-empregado demitido ou exonerado sem justa causa após o direito de permanência temporária no plano coletivo esgotar-se (art. 30 da Lei nº 9.656/1998), sobretudo se ela não disponibilizar no mercado esse tipo de plano. Além disso, tal hipótese não pode ser equiparada ao cancelamento do plano privado de assistência à saúde feito pelo próprio empregador, ocasião em que pode incidir os institutos da migração ou da portabilidade de carências.

5. Não é ilegal a recusa de operadoras de planos de saúde de comercializarem planos individuais por atuarem apenas no segmento de planos coletivos. Não há norma legal alguma obrigando-as a atuar em determinado ramo de plano de saúde. O que é vedada é a discriminação de consumidores em relação a produtos e serviços que já são oferecidos no mercado de consumo por determinado fornecedor, como costuma ocorrer em recusas arbitrárias na contratação de planos individuais quando tal tipo estiver previsto na carteira da empresa.

6. A portabilidade especial de carências do art. 7º-C da RN nº 186/2009 da ANS pode se dar quando o ex-empregado demitido ou exonerado sem justa causa ou aposentado solicitar a transferência para outra operadora durante o período de manutenção da condição de beneficiário garantida pelos arts. 30 e 31 da Lei nº 9.656/1998. Logo, tal instituto não incide na hipótese em que o interessado pretende a migração de plano após exaurido o prazo de permanência temporária no plano coletivo e, sobretudo, para a mesma operadora.

7. Recurso especial não provido.[1]

Com esta decisão o STJ deixa claro que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de plano de saúde não significa que o consumidor possui razão em todas as suas demandas. No caso analisado seria ilegal obrigar a operadora de plano de saúde a disponibilizar plano individual quando ela atua apenas na área de planos coletivos.

A decisão do STJ rompe com a noção de que o consumidor é vencedor em todas as demandas judiciais sobre planos de saúde, denotando que deve existir equilíbrio na aplicação da legislação consumerista.


Notas e Referências:

[1] STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.592.278 - DF, RELATOR MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJE 20/06/2016.


 

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