Equidade e iniquidade no SUS e a Judicialização da Saúde

03/12/2018

 

A equidade é um dos princípios do Sistema Único de Saúde razão pela qual todas as políticas devem ser construídas com a finalidade de permitir a aproximação entre as pessoas e evitar preferências ou prioridades indevidas.

Tal princípio está representado, por exemplo: (a) no Protocolo de Manchester, em que as pessoas são separadas de acordo com a necessidade de prioridade de atendimento; (b) nas listas de regulação de tratamentos, cirurgias, internações, etc; (c) na distribuição de recursos públicos de acordo com as características das regiões.

Contudo, é muito difícil manter a equidade em um país continental e com mais de 200 milhões de habitantes.

No âmbito da judicialização da saúde uma das discussões interessantes é saber se há violação ao princípio da equidade quando as decisões judiciais são procedentes.

O tema gera muita controvérsia. Alguns entendem que a judicialização é forma de acesso e outros de desigualdade na saúde pública.

Sobre a questão, André Médici pondera o seguinte:

“A iniquidade no uso do SUS entre ricos e pobres repousa na natureza dos procedimentos que o sistema disponibiliza aos mais ricos, procedimentos que podem, em alguns casos, ser questionados quanto à prioridade social e até mesmo quanto à essencialidade, diante da escassez de recursos do sistema. Poucos dos que pertencem aos grupos de maior renda recorrem exclusivamente ao SUS, e a maioria nem sequer utiliza o sistema. Os que utilizam, de forma frequente ou eventual, o fazem como complemento aos planos privados de saúde ou à compra direta de serviços dos prestadores privados.

Esse comportamento tem levado o SUS a gastar desproporcionalmente mais em procedimento de alto custo e alta tecnologia para os ricos, já cobertos pelos planos de saúde, o que acaba levando ao racionamento dos gastos com procedimentos que poderiam ser destinados à redução da morbimortalidade dos mais pobres. Tal fato representa, indiretamente, um subsídio para as operadoras de planos de saúde, dado que, ao utilizar os serviços de maior complexidade e custo no âmbito do SUS, os segurados desses planos deixam de pagar um prêmio de seguro que deveria ser mais alto, se tais planos cobrissem os serviços de alta e média complexidade que o SUS lhes propicia.”[1]

No âmbito do SUS, a judicialização de tecnologias já incorporadas reduz a potencial causa de iniquidade, pois a negativa administrativa geralmente não possui fundamentação legal.

De outro lado, a questão se agrava quando a discussão judicial trata de medicamentos, tratamentos ou tecnologias não incorporados.

Ferraz e Wang assentam que tal situação deve ser evitada, sob de criar-se uma via indevida de acesso ao SUS, beneficiando poucos – que judicializam – em detrimento do restante da sociedade[2].

É uma opinião interessante, pois quem teve acesso ao Judiciário consegue sair na frente e potencialmente tem mais vantagens em relação àqueles que não judicializaram, causando aparente violação ao princípio da equidade, especialmente porque os recursos são finitos.

Como se observa, o tema causa muita discussão.

Assim, os magistrados devem considerar todas as possibilidades antes de proferir uma decisão judicial envolvendo a saúde pública, pois está em jogo a concretização adequada do direito à saúde e também a aplicação correta do princípio da equidade.

 

Notas e Referências

[1] MEDICI, André. Breves considerações sobre a relação entre financiamento da saúde e direito sanitário no Brasil. In Direito da saúde no Brasil. Organizadora Lenir Santos. Campinas: Saberes Editora, 2010, p. 266.

[2] FERRAZ, Otávio; WANG, Daniel. As duas portas do SUS. Jornal Folha de São Paulo, 19/06/2014. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/171851-as-duas-portas-do-sus.shtml. Acesso: 29 Nov. 2018.

 

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