Enunciados do CNJ sobre saúde pública (Parte III) – Por Clenio Jair Schulze

14/03/2016

Leia também a Parte I e a Parte II, a Parte IV e a Parte V.

O presente texto continua a abordagem dos enunciados sobre saúde pública aprovados na I Jornada da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (maio de 2014).

Nos artigos anteriores foram comentados os enunciados 01 a 13. Aqui, são abordados os enunciados 14 a 19. 

ENUNCIADO N.º 14

Não comprovada a inefetividade ou impropriedade dos medicamentos e tratamentos fornecidos pela rede pública de saúde, deve ser indeferido o pedido não constante das políticas públicas do Sistema Único de Saúde.

Comentário: O aludido enunciado preconiza que a parte autora e seu médico assistente demonstrem que os medicamentos e os tratamentos do SUS não possuem efetividade - e eficiência - para a minimização ou resolução do problema de saúde. Trata-se de exigência adequada, principalmente porque se trata de condição da ação, materializada no interesse processual, segundo o qual a parte demandante deve demonstrar a necessidade e a indispensabilidade da intervenção do Poder Judiciário. Muitas vezes, a prova é produzida no curso do processo judicial, após a estabilização da relação processual. Inexistindo tal prova, o enunciado indica que o pedido deve ser julgado improcedente.

ENUNCIADO N.º 15

As prescrições médicas devem consignar o tratamento necessário ou o medicamento indicado, contendo a sua Denominação Comum Brasileira (DCB) ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional (DCI), o seu princípio ativo, seguido, quando pertinente, do nome de referência da substância, posologia, modo de administração e período de tempo do tratamento e, em caso de prescrição diversa daquela expressamente informada por seu fabricante, a justificativa técnica.

Comentário: Muitas prescrições médicas mencionam apenas o nome comercial do medicamento, o que não é adequado, pois pode apontar eventual vinculação do profissional da área médica com o respectivo laboratório farmacêutico. Além disso, limita a aquisição do produto pelo destinatário da prescrição, que não pode utilizar similar ou genérico. O enunciado ainda preconiza que a prescrição médica apresente outras informações importantes ao usuário, tais como DCB ou DCI, princípio ativo, posologia. Duas questões pertinentes são o modo de administração e o período de tempo do tratamento, porquanto não é incomum a utilização incorreta do produto e o seu uso por prazo superior ao necessário, causando perigos potenciais e danos ao usuário.

ENUNCIADO N.º 16

Nas demandas que visam acesso a ações e serviços da saúde diferenciada daquelas oferecidas pelo Sistema Único de Saúde, o autor deve apresentar prova da evidência científica, a inexistência, inefetividade ou impropriedade dos procedimentos ou medicamentos constantes dos protocolos clínicos do SUS.

Comentário: O enunciado materializa o conteúdo do art. 19-Q, §2º, incisos I e II, da Lei 8080/90 que exige, para a incorporação de novas tecnologias a prova de "as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso" e também a "avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível."

Ora, quando o Judiciário determina o fornecimento de tratamento ou medicamento não disponibilizado no SUS acaba, por vias transversas, incorporando, coercitivamente, a tecnologia judicializada. Assim, é indispensável que o aludido preceito normativo e o enunciado sejam considerados pelo magistrado na decisão judicial, sob pena de negativa de vigência à Lei 8080/90 e das regras processuais do ônus da prova.

ENUNCIADO N.º 17

Na composição dos Núcleos de Assessoramento Técnico (NAT’s) será franqueada a participação de profissionais dos Serviços de Saúde dos Municípios.

Comentário: Os NATs foram criados com a finalidade de auxiliar os Juízes do Brasil na análise e no julgamento das demandas em que são postulados medicamentos, tratamentos, internações e outras tecnologias em saúde. Sua previsão é indicada na Recomendação 31/2010 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, ao orientar os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais que "celebrem convênios que objetivem disponibilizar apoio técnico composto por médicos e farmacêuticos para auxiliar os magistrados na formação de um juízo de valor quanto à apreciação das questões clínicas apresentadas pelas partes das ações relativas à saúde, observadas as peculiaridades regionais".

A Recomendação 36/2011 do CNJ repetiu a mesma previsão, voltada a atuação para os processos judiciais sobre saúde suplementar.

Os NATs representam, portanto, mecanismo de apoio aos Juízes do Brasil, com a finalidade de aplicação da Medicina Baseada em Evidências - MBE, a permitir que a decisão judicial contemple a melhor diretriz fixada a partir das melhores práticas da medicina.

A composição dos NATs é livre, ou seja, não existe regramento específico definindo quem deve participar. O importante é que seja órgão plural e que seja integrado por profissionais técnicos (médicos, farmacêuticos, etc) que tenha capacidade de indicar a melhor indicação para cada caso, a partir da eficiência, da eficácia, da segurança e do custo-efetividade da tecnologia postulada na via judicial.

ENUNCIADO N.º 18

Sempre que possível, as decisões liminares sobre saúde devem ser precedidas de notas de evidência científica emitidas por Núcleos de Apoio Técnico em Saúde - NATS.

Comentário: Os NATs são órgãos cuja finalidade é auxiliar na produção de prova nos processos judiciais. A utilidade é indicar informações técnicas sobre o caso clínico do autor do processo e, principalmente, permitir que o juiz analise o caso a partir da Medicina Baseada em Evidências - MBE[1]. Em alguns estados os NATs ainda não foram criados. No Comitê de Saúde de Minas Gerais há iniciativa louvável, pois os pareceres são disponibilizados publicamente[2] e podem ser consultados por qualquer pessoa.

ENUNCIADO N.º 19

Nas ações que envolvam pedido de assistência à Saúde, é recomendável à parte autora apresentar questionário respondido por seu médico para subsidiar o deferimento de liminar, bem como para ser utilizado na instrução probatória do processo, podendo-se fazer uso dos questionários disponibilizados pelo CNJ, pelo Juízo processante, pela Defensoria Pública, pelo Ministério Público ou pela OAB, sem prejuízo do receituário competente.

Comentário: A proposta do enunciado fomenta a elaboração de questionário pelo médico assistente que contenha as principais informações sobre o autor da ação judicial (diagnóstico, condições clínicas, finalidade da prescrição e outras indicações médicas). O formulário serve para auxiliar os juízes na análise do caso, dispensando, muitas vezes, perícia e outras providências judiciais. Além de modelo do CNJ, alguns Comitês de Saúde do estados também elaboraram formulários com esta finalidade.


Notas e Referências:

[1] SCHULZE, Clenio Jair. Medicina Baseada em Evidências. Revista Empório do Direito, Florianópolis, 23/11/2015. Disponível em http://emporiododireito.com.br/medicina-baseada-em-evidencias-por-clenio-jair-schulze/ Acesso em: 13 mar. 2016.

[2] As Notas Técnicas estão disponíveis em: http://bd.tjmg.jus.br/jspui/handle/tjmg/4915.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Flu vaccinations make their way to U.S. Army in Europe // Foto de: U.S. Army Corps of Engineers Europe District // Sem alterações

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