Por Polliana Corrêa Morais - 14/10/2016
O nascimento de um filho é descrito por muitas mulheres como um dos momentos mais emocionantes de suas vidas. Infelizmente, até poucos dias, toda a emoção envolvida entre o primeiro contato de mães e filhos era interrompida pela frieza estatal manifestada através do aço das algemas as quais mulheres detentas eram obrigadas a usar durante o trabalho de parto.
A utilização de algemas no Brasil está prevista no artigo 199 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84)[1]. Pela inexistência de decreto que regulamentasse tal artigo, em 2008, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante 11 na qual está prevista que o emprego de algemas é uma medida excepcional. Então, no dia 27 de setembro de 2016, trinta e dois anos após a entrada em vigor da L.E.P., foi publicado no Diário Oficial da União o Decreto 8.858/16[2] o qual veio suprir essa lacuna existente no ordenamento jurídico.
Agora, há a previsão expressa de que a utilização de algemas será medida extraordinária, já que “é permitido o emprego de algemas apenas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, causado pelo preso ou por terceiros, justificada a sua excepcionalidade por escrito”. Além disso, o decreto traz em seu texto a proibição do uso de algemas nas mulheres presas quando estiverem em trabalho de parto, no trajeto entre o presídio e a unidade hospitalar como também quando a mulher esteja internada no pós-parto.
Em 2010, o Brasil participou do debate internacional sobre iniciativas no campo da execução penal e na utilização de medidas não privativas de liberdade que culminou nas chamadas Regras de Bangkok (65ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas). Nesse documento, estão previstas as regras mínimas para o tratamento das mulheres encarceradas das quais se pode destacar que é vedado o uso de qualquer instrumento de contenção antes, durante o parto e imediatamente após o nascimento da criança, além de outras diretrizes.
É inegável que ainda há um distanciamento entre essas medidas assumidas pelo Brasil e a realidade que nos circunda. Como exemplo, temos que as penitenciárias brasileiras empregam tratamentos similares tanto para homens quanto para as mulheres. São ignoradas a menstruação, a maternidade, os cuidados específicos de saúde, entre outras especificidades femininas[3].
Nesse contexto, também deve ser levado em consideração os dados divulgados pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Infopen Mulheres[4] os quais apresentam um crescimento vertiginoso da população carcerária feminina em 567,4% no período entre 2000 a 2014.
Além disso, conforme informou a Presidente do STF, Ministra Carmén Lúcia, na recente entrevista ao programa Palavras Cruzadas[5], da TV Brasil, 5% das mulheres que cumprem pena em regime fechado estão grávidas.
Quando os sentimentos envolvidos no momento do nascimento de uma criança são contidos pelo uso de algemas, fica evidente a humilhação, a lesão tanto à honra quanto a intimidade, além tratar-se de um tratamento cruel, fere todos os limites de respeito à dignidade humana.
Todas essas variáveis demonstram que medidas efetivas precisam ser tomadas urgentemente. Isso tudo para evitar a repetição de cenas nas quais mães sequer puderam acariciar seus filhos nos primeiros momentos de vida deles, ou até por dias, pelo fato de estarem algemadas[6].
Notas e Referências:
[1] BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm>. Acesso em: 03 out. 2016.
[2] BRASIL. Decreto nº 8.858, de 26 de setembro de 2016. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8858.htm>. Acesso em: 03 out. 2016.
[3] QUEIROZ, Nana. Presos que menstruam: A brutal vida das mulheres – tratadas como homens – nas prisões brasileiras. Rio de Janeiro: Record, 2015.
[4]BRASIL. Ministério da Justiça. Levantamento nacional de informações penitenciárias Infopen mulheres – junho de 2014. Disponível em: http://www.justica.gov.br/noticias/estudo-traca-perfil-da-populacao-penitenciaria-feminina-no-brasil/relatorio-infopen-mulheres.pdf>. Acesso em: 03 out. 2016.
[5] Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=Gionj6TwMAg>. Acesso em: 04 out. 2016
[6] LEITE E FERRO. Direção de Claudia Priscilla. São Paulo: Paleo TV, 2010. 1 DVD (72 min.): colorido, som dolby digital, documentário.
. Polliana Corrêa Morais é Graduanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina. Servidora do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Pesquisadora do GT Direito Penal do Projeto de Pesquisa e Extensão “Direito das Mulheres” - UFSC.. . .
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