Entre Muros: Da Política, da Conquista e do Terrorismo

15/02/2017

Por Juliana Nandi – 15/02/2017

Terrorismo[1] (em pronúncia e escrita) é apenas uma palavra; mas com significado forte e poderoso para o desígnio de ações maléficas de um grupo de humanos sobre outros – além de violento -; mas que parece ter entrado em decadência de significado por ter se tornado parte integrante da rotina humana global. Segundo Chomsky (1999)[2], ele surge com a exclusão da maioria (da população) na participação da política do país (já em Roma os cidadãos poderiam participar da comunidade política, desde que preenchessem requisitos – como o de propriedade), em uma imposição do sistema capital privado, além da utilização da força pelo Estado[3], para a manutenção do controle dos cidadãos.

A palavra Terrorismo foi criada para descrever atos desumanos que causaram (em tempo passado; fato já ocorrido e descrito pelo homem, assim como a criação das leis penais pós fato) terror, mas tem se alimentado não apenas no papel; escrita com caneta tinteiro de um passado não distante; mas de ações presentes que a banalizaram em um mundo virtual de imagens e textos, que tem sido impresso no dia a dia real por meios diversas atrocidades, e que afrontam aos Direitos dos Homens. A desumanidade dos atos é lembrada pela utilização da força física; seja por exércitos, que agem em nome do Estado, ou por grupos paramilitares; mas é importante destacar o papel fundamental da força política[4] em todo o processo de terror a que milhares de pessoas foram e são submetidas.

O papel da política é fundamental na formação de poder das sociedades, não apenas na modernidade, em que se comandam milhões de pessoas por meios de comunicação tais como televisão e internet. A informação ou a desinformação histórica de todos os desconhecedores dos costumes (em Roma a população em geral não era conhecedora dos costumes, que ditavam as leis, e por isso a pequena casta política detinha o poder de comandar a vida de muitos, esse comando era feito; além de por meio de leis; também pela força de seus exércitos sobre os serventes e os povos conquistados e escravizados), tornou o processo de apropriação da força produtiva das subculturas não fácil, mas facilitado por surpreender a ignorância alheia com a malícia das armas, e a oferta da fome ( adicionada ao poder clérigo de acalmar a pobreza com a promessa de um paraíso aos devessem nesse mundo cumprir a penitência de servir aos que nasceram nobres). E apesar de todo infortúnio das massas miseráveis, as comunidades políticas se aliaram aos burgueses donos dos meios de produção, e montaram Cartilhas de Direitos aos Homens, para apaziguar os ânimos da maioria, já que ela sempre foi a força motriz do sistema de poder, e deveria ser ou sentir-se menos explorada, e com o tempo mais valorizada.

A escravização, colonial ou moderna (imperial do capital), não permite que a expressão Direitos Humanos seja colocada no devido lugar de conquista histórica dos homens. A realidade mundial cruzou períodos de extrema violência, que, contudo, estão sempre retornando em ciclos de demonstração de poder sobre poder, assim como os chamados ciclos econômicos (e por alguma razão capital, poder, exploração e violência possuem conexão). Realidade essa que faz parte da história da humanidade, desde a cultura de tribos aborígenes que se enfrentavam , cruzadas, Monarquia Inglesa, conquista de colônias francesas, espanholas, portuguesas - sob toda a força bruta - que acorrentou a milhares de homens, crianças e mulheres, os condenando a viver (sobreviver) sob o regime das chibatas. Conforme relata Sartre, desde o começo deste século, os turistas são grandes amantes da pobreza, sobretudo quando se fala no Oriente – China - um mundo exótico, em que a imagem do que seja um chinês foi prontamente desenhada nas mentes das pessoas, que desconhecem aquele universo. E a própria massa chinesa acaba adquirindo essa forma uniforme de cultura descrita pelo ocidente.[5] Este é o poder de atuar de uma minoria dentro de uma nação pré existente, pelo uso da força – seja física ou monetária (que por certo se utiliza do trabalho alheio, que é físico).

Quanto à pobreza, ela que envergonha os que dominam e acessam aos recursos, mantém a chamada tradição em suas choupanas rústicas, com tudo o que é antigo – diga-se velho- e que não pode ser substituído porque não há recurso para isso. Os arabescos orientais guardam as diferenças entre os homens em sua história de apropriação e exploração do outro- daquele que difere do que se considere digno de dignidade. E daí aumentam-se as diferenças dentro da sociedade, entre os que se apropriam das especiarias e as consomem e dos que as carregam para servir. Apesar da criação de leis (que é feita pelos grupos exploradores), a injustiça impera e cresce, e o terror Estatal se transforma em meio ao crescente repúdio aos restos jogados aos miseráveis, surge o ódio, e assim como a pobreza, ele tem face, e ela se chama burguesia. Novamente retomamos o ciclo, do poder dos monarcas, ao poder dos burgueses, ao poder conjunto à comunidade política, do poder cíclico em direção ao ódio dos grupos miseráveis em meio aos civis.

Na invenção das subculturas, o homem conquistador e que detém o poder político, capital e bélico, é aquele que aniquila e também o que encontra as soluções para o caos que ele mesmo criou, numa continua exploração dos que foram inocentes diante da força repentina do medo. Não existe um começo e um fim, este é o problema, existe um ciclo de imposição de força, assim como as crises do sistema capital financeiro. Na aniquilação de culturas está a Argélia, local no qual a violência contra o povo muçulmano imperou de tal forma, que a população se viu obrigada a agir contra um sistema de imposição violenta de uma nova cultura, considerada superior a sua, com a desumanidade dos colonizadores franceses.

Estrategicamente, a conquista da Argélia pela França visualizou mais do que o povo argelino, mas seu território que encontra-se na rota em que os turcos praticavam ataques contra os navios da Europa, ou seja, era a rota da pirataria antes da conquista francesa.[6] Além da violência empregada no processo de colonização – que foi efetuado por meio de diversos bombardeios de navios franceses - a França fez da Argélia a extensão do seu território, ou seja, uma extensão da Metrópole. Com isso, a cultura francesa se sobrepôs a todos os povos (tribos aborígenes, considerados subculturas, para não dizer mão de obra tratada sub humanamente), obrigando que todos renunciassem aos seus estatutos (muçulmanos) e preceitos religiosos (tribais), e assim esse povo ganharia a cidadania francesa. Tamanha violência se empregou nessa imposição, que gerou movimentos de resistência.

[7]O filme “A Batalha de Argel”, do ano de 1966, de Gillo Pontecorvo retratou a luta do povo argelino contra a dominação francesa. No filme, o exército juntamente com a elite; os que tinham o “sangue francês”; dominavam os espaços públicos, invadindo a privacidade e a crença do povo muçulmano com a imposição de controle de revistas e armas à sua aparência “adequada” de civilização francesa. A violência do controle da metrópole instalada na Argélia por seus meios Estatais legais foi tamanha que, em 1954 foi criada a Frente de Libertação Nacional (FLN), em que muçulmanos passaram a atacar locais frequentados pela elite francesa, afim de chamar a atenção para um grito de dor sufocado pelo povo argelino.

Os ataques eram feitos por meio de bombas deixadas por mulheres disfarçadas, em meio a franceses. Os argelinos compreenderam que o perigo tinha face. Ou seja, que disfarçados e misturados, eles não eram reconhecidos, e os ataques tinham sucesso. O próprio exército francês reconheceu que suas estratégias de distinção entre terroristas e não terroristas era falha.

Vistos apenas nesse contexto de explosão de bombas, o povo muçulmano foi e é chamado de terrorista. Mas, e a história de colonização anterior a isso? O Terror imposto pelo exército francês ao povo argelino era justificável, não sendo ato de terrorismo totalmente desumano?

O multiculturalismo não deveria definir a violência, mas as regras de convivência entre os grupos sociais. Países que historicamente aceitam comunidades de outros povos, pela divisão do trabalho; em que os cidadãos daquele País são favorecidos em relação a estrangeiros; inserem em seu sistema capitalista esses povos, porém sem a preparação de aceitação da cultura local para receber essas diferenças, gerando a reação violenta anti qualquer outra cultura ou crença que não a própria do país.

Na era Trump não se sabe se o planeta, via Estados Unidos e seu enorme exército e armamento bélico passará pela era Bush novamente. O que se tem certeza é; segundo Chomsky em entrevistas; a falta de critério, ou do que chamamos ideologia, para ações que já se fazem cumprir em discursos pós eleição, como a construção de um muro entre o México e a terra do Tio Sam.

Após a longa exploração do povo mexicano, que se empregou historicamente em subempregos, numa terra em que se vende a ideia de liberdade, liberalismo econômico e enriquecimento, mas que sempre priorizou os seus, tem-se a ideologia de dividir as fronteiras com um enorme e profundo muro, para separar a subcultura do país do liberalismo. Assim como a França na Argélia,  que esmagou a “subcultura muçulmana” com a venda do “sonho” de cidadania francesa ( a qual sempre foi além de indesejada, utópica), os Estados Unidos se munem de ódio em torno de si, em nome da manutenção de um poder capital e bélico sobre todas as outras nações.

Fato é que a história do mundo se repete, com grandes potências, como a norte americana, que se utiliza de artifícios da invenção de um terrorismo muçulmano gratuito, traçando a psicologia da face desse terror, quando seus interesses econômicos de dominação aguardam o mundo punir os grupos que não aceitam a sua “nova colonização”.

Os atentados ocorridos nos Estados Unidos e na França têm muito em comum e são postos pela mídia como atos de violentos grupos muçulmanos. O que se esquece é o surgimento da luta contra a desigualdade social e exploração desses povos, de seus territórios, o esmagar violento de sua crença e cultura (postos como sub crença e subcultura).

A globalização traçou a face do terror, e encontra na ausência de barreiras tecnológicas - novamente – a dificuldade em distinguir e retroagir historicamente para entender de onde vem o mal, pois humanos são apenas humanos em meio a multidões de outros humanos. Explodir bombas em locais públicos para protestar contra o sistema capital de exploração é como a explicação e a aplicação “filosófica” necessária; o dogma de que o poder compreende o fraco pelo uso de força; para que globalmente se possa fundamentar as falhas para a contenção da violência, bem como a manutenção da paz mundial.


Notas e Referências:

[1] HOFFMAN. Bruce. Inside Terrorism. Nova Iorque. Columbia University Press. 2006. Pg. 14: “Terrorism: A system of terror. 1. Government by intimidation as directed and carried out by the party in power in France during the revolution of 1789-94; the system of 'Terror'. 2. gen. A policy intended to strike with terror those against whom it is adopted; the employment of methods of intimidation; the fact of terrorizing or condition ofbeing terrorized.”

[2] CHOMSKY. Noam. The Culture of Terrorism. Pluto Press. London.1999. Pg. 52: [...](1) the effective exclusion of the majority of the population from meaningful participation in the political system; (2) the subordination of the intellectual establishment to the system of state-private power; (3) the limits on the capacity of the state to control its citizens by force; (4) the substantial improvement in the moral and intellectual level of the general population resulting from the mass popular movements of the 1960s and the 1970s.1 The interplay of these factors has complex effects […]”

[3] SANGUINETTI. Gianfranco. Do Terrorismo e do Estado. Coletivo Periferia. 2003. Pg. 81-82: “O Estado enfraquecido em extremo pelos ataques de que cotidianamente é alvo há dez anos, e com sua economia enfraquecida...E face ao dever universal da sua defesa, todos são convidados à delação, à baixeza, ao medo: pela primeira vez na história, a covardia torna-se uma virtude sublime, o medo é sempre justificado, e a única ´coragem´ não desprezível é a de se aprovar e apoiar todas as mentiras, todos os abusos e todas as infâmias do Estado...já não existe qualquer barreira geográfica da paz[...]”

[4] HOFFMAN. Bruce. Inside Terrorism. Nova Iorque. Columbia University Press. 2006. Pg. 14: “Terrorism, in the most widely accepted contemporary usage of the term, is fundamentally and inherently politicaL It is also ineluctably about power: the pursuit of power, the acquisition of power, and the use of power to achieve political change. Terrorism is thus violence - or, equally important, the threat of violence - used and directed in pursuit of, or in service of, a political aim[…]”

[5] SARTRE. Jean-Paul. Colonialism and Neocolonialism. Taylor & Francis Group . Londres. 2005.

[6] ABUN-NASR. Jamil. A history of the Magrib in the Islamic period. Cambridge. University Press. 1987

[7] YAZBEK. Mustafa. A Revolução Argelina. São Paulo. Unesp. 2010

ABUN-NASR. Jamil. A history of the Magrib in the Islamic period. Cambridge. University Press. 1987

CHOMSKY. Noam. The Culture of Terrorism. Pluto Press. London.1999

HOFFMAN. Bruce. Inside Terrorism. Nova Iorque. Columbia University Press. 2006

SANGUINETTI. Gianfranco. Do Terrorismo e do Estado. Coletivo Periferia.

SARTRE. Jean-Paul. Colonialism and Neocolonialism. Taylor & Francis Group. Londres. 2005.

YAZBEK. Mustafa. A Revolução Argelina. São Paulo. Unesp. 2010


Juliana Nandi. Juliana Nandi possui formação em Relações Internacionais pela Unisul; Pós-Graduação – MBA em Gestão Empresarial pela HSM Educação Executiva; Atualmente é aluna do curso de graduação em Direito da Univali; Atuou profissionalmente na Importação para algumas grandes empresas catarinenses e faz parte dos núcleos de estudos de Direitos Humanos e Direito Penal e Processual Penal na Univali.


Imagem Ilustrativa do Post: Raven at Rinconada // Foto de: Andrew Kearns // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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